Em um depoimento marcado por momentos de tensão e declarações incisivas, o presidente da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), Carlos Roberto Ferreira Lopes, atribuiu ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a responsabilidade pelos descontos em aposentadorias de mortos. As afirmações foram proferidas durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do INSS, em Brasília, onde a entidade é alvo de investigações por supostas deduções indevidas em benefícios previdenciários.
As suspeitas que recaem sobre a Conafer investigam uma série de descontos que teriam sido realizados de maneira irregular nos benefícios de aposentados. O questionamento central levantado pela CPI envolve a prática da confederação em supostamente aplicar essas cobranças, mesmo em casos onde os titulares dos benefícios já haviam falecido, levantando sérias questões sobre a transparência e legalidade dos procedimentos de adesão e cobrança da Conafer.
Conafer culpa INSS por descontos em benefícios de mortos
A inquirição de Carlos Lopes foi conduzida pelo relator da CPI, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), cuja abordagem pouco convencional – interrogando o depoente de pé, com microfone em mãos, e movimentando-se pelo plenário – elevou o tom do debate. Gaspar confrontou Lopes com exemplos concretos, citando o caso de uma beneficiária identificada como Dona Maria Rodrigues, que supostamente teria tido uma assinatura realizada cinco anos após seu falecimento em 2024, quando a Conafer foi instada pela Controladoria-Geral da União (CGU) a apresentar cem fichas para auditoria. “O Gilberto morreu há 20 anos, mas assinou. É padrão da Conafer ressuscitar mortos para assinatura de descontos associativos?”, indagou o relator, de forma contundente.
A resposta de Carlos Lopes provocou reações imediatas e evidenciou a estratégia de defesa da Conafer. Em vez de admitir a prática, o presidente retrucou a acusação com uma indagação que redirecionava a responsabilidade. “É padrão do INSS ter defunto recebendo benefício? É padrão do INSS aceitar desconto de defunto?”, questionou Lopes, buscando questionar a própria eficácia do sistema previdenciário brasileiro na gestão de seus beneficiários. Esta linha de argumentação buscou insinuar que, se os benefícios eram pagos a falecidos, o erro primário estaria na falha do órgão previdenciário em atualizar suas informações e estancar os pagamentos irregulares.
Diante da resposta evasiva, o deputado Alfredo Gaspar insistiu em uma resposta direta, reforçando a gravidade da situação. “A pergunta é bem objetiva: é padrão Conafer ressuscitar mortos para conseguir descontos associativos? Sim ou não?”. Com visível hesitação, Lopes acabou por confirmar, de forma indireta e irônica: “Se o morto estiver recebendo benefício, pelo jeito, sim, né?”. Esta declaração, carregada de sarcasmo, foi o catalisador para uma nova onda de protestos entre os parlamentares.
O deputado Duarte Jr. (PSB-MA) manifestou seu veemente repúdio à postura do depoente, qualificando-a como “desrespeitosa e irônica”, e destacando sua “total frieza e desrespeito com as pessoas”. A réplica do presidente da Conafer expôs a dimensão moral do problema, ultrapassando a esfera técnica das irregularidades e tocando a sensibilidade das famílias e da sociedade em geral sobre o uso indevido de recursos públicos.
Após as repreensões e o aumento da tensão na sala da CPI, Carlos Lopes amenizou o tom de seu discurso. Ele expressou espanto pela situação de “estar arrecadando em cima de defunto, com o defunto estar recebendo benefício do nosso INSS”, e esclareceu que o processo de captação de associados, incluindo a suposta realização de assinaturas irregulares, era efetuado por entidades locais filiadas à Conafer, e não diretamente pela Confederação. Essa justificativa, no entanto, não isenta a Conafer de responsabilidade, uma vez que as filiadas operam sob sua chancela e supervisão.
Aumento da tensão e voz de prisão na CPI
O clima, que já estava tenso, deteriorou-se ainda mais. Após o fim das falas do relator, o deputado Duarte Jr. voltou a interrogar Lopes, com um tom ainda mais incisivo. As palavras do deputado, que advertiu Lopes que ele veria “o sol nascer quadrado”, sinalizaram o ápice da indignação parlamentar. A veemência de Duarte Jr. levou à intervenção do senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente do colegiado, na tentativa de restaurar a ordem na sessão.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
O embate escalou quando Duarte Jr. questionou Lopes sobre uma foto exibida, perguntando se ele era a pessoa na imagem. A resposta de Lopes — “Se o senhor não é míope, sabe que sou eu” — inflamou ainda mais o deputado. Duarte Jr. exaltou-se, passou a falar em voz ainda mais alta e, diante do que considerou um desacato, deu voz de prisão ao presidente da Conafer.
No entanto, a ordem de prisão foi imediatamente contornada pelo senador Carlos Viana, que buscou gerenciar a situação complexa e volátil. O presidente da CPI desligou o microfone de Duarte Jr., que, mesmo silenciado, persistiu em protestar e exigir seu direito à fala. A insistência do deputado levou Viana a ameaçar sua retirada da sala da comissão, em um esforço para impor o controle e a dignidade do processo parlamentar.
“Eu não vou referendar crime desacato uma vez que o senhor não atendeu aos meus pedidos sobre a forma como falava com ele”, declarou Viana, ao se referir ao incidente com o depoente. O presidente da CPI, visivelmente contrariado com a escalada dos ânimos, reafirmou seu papel de autoridade na condução da sessão. “Eu pedi a vossa excelência que, por favor, não desrespeitasse o depoente. Sua palavra está cassada e eu teria que pedir ao senhor para sair da sala. Eu não vou fazer isso, mas o regulamento me dá esse direito”, frisou Viana, reiterando a necessidade de respeito mútuo mesmo em um ambiente de confrontação.
A discussão persistiu por alguns minutos, até que Carlos Viana, após a garantia de que os ânimos se acalmariam, restituiu a palavra ao deputado. Em um tom de repreensão coletiva, o presidente da CPI também fez um alerta generalizado aos membros da comissão: “Ninguém vai fazer show em cima dessa presidência aqui não. Ninguém vai fazer show em cima de mim não”, evidenciando a necessidade de seriedade e decoro nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os descontos irregulares. A complexidade dos desafios enfrentados pelo sistema previdenciário brasileiro, incluindo a gestão e fiscalização de milhões de benefícios, ressalta a importância de um INSS transparente e eficiente.
Confira também: artigo especial sobre leis e valortrabalhista
O caso dos descontos Conafer INSS aposentados mortos segue sob investigação da CPI, com o objetivo de apurar todas as responsabilidades e garantir que as irregularidades sejam devidamente corrigidas. Para acompanhar os desdobramentos deste e de outros temas relevantes para a sociedade brasileira, explore a nossa editoria de Política.
Carlos Moura – 29.set.2025/Agência Senado
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados