O combate a desigualdades pode reduzir pandemias globais de forma significativa, conforme detalhado em um relatório recentemente divulgado pelo Conselho Global sobre Desigualdades, Aids e Pandemias. O documento, intitulado “Rompendo o ciclo da desigualdade – pandemia construindo a verdadeira segurança na saúde em uma era global”, foi lançado em português esta semana, ressaltando a urgência de uma nova abordagem global à saúde pública.
A apresentação oficial do relatório aconteceu em Brasília, coincidindo com a 57ª Reunião da Junta de Coordenação do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), organismo que supervisiona o conselho global. Este encontro tem um papel vital, pois nele será delineada a estratégia global para a Aids para o período de 2026 a 2031, antes de ser levada para negociação com as nações do Grupo dos Vinte (G20).
Combate a Desigualdades Reduz Pandemias, Afirma UNAIDS
Atualmente, o Brasil ocupa a presidência do conselho da agência da ONU encarregada de coordenar o esforço global contra a epidemia de HIV/Aids. A instituição aponta o momento atual como decisivo para a resposta global à Aids. Reduções abruptas na assistência internacional, como as implementadas pelo governo dos Estados Unidos, provocaram um declínio notável nos recursos financeiros destinados a iniciativas de controle, tratamento e pesquisa da doença. Winnie Byanyima, engenheira ugandense e atual diretora executiva do UNAIDS, alertou em declaração recente sobre a imprescindibilidade de fortalecer as organizações de HIV lideradas por mulheres, muitas das quais perderam financiamento ou foram compelidas a interromper suas atividades.
O documento recém-lançado pelo UNAIDS traz um reforço substancial às evidências já existentes: as desigualdades sociais e outros determinantes socioeconômicos exercem um impacto considerável no surgimento e na progressão das pandemias. Quando as sociedades enfrentam altos níveis de iniquidade, a ocorrência e a dispersão de surtos são intensificadas, ao mesmo tempo em que as capacidades de resposta, tanto nacionais quanto internacionais, são severamente dificultadas. Isso culmina em pandemias que se tornam mais prolongadas, mais letais e com efeitos mais disruptivos na vida das pessoas.
A pesquisa que embasou o relatório durou dois anos e envolveu encontros e análises em diversas nações. O estudo não só demonstra como as desigualdades acentuam as pandemias, mas também revela que as pandemias, por sua vez, intensificam as disparidades existentes. Isso cria um “ciclo perverso” que tem sido repetidamente observado em crises sanitárias passadas, incluindo a Covid-19, a Aids, o Ebola, a Influenza e a Mpox. Monica Geingos, ex-primeira-dama da Namíbia e membro do conselho, enfatizou que “a desigualdade não é inevitável. É uma escolha política — e uma escolha perigosa, que ameaça a saúde de todos. Quem se preocupa com o impacto das pandemias precisa se preocupar com a desigualdade. Os líderes podem quebrar esse ciclo aplicando as soluções políticas apresentadas neste relatório.”
A ex-ministra da Saúde do governo Lula e renomada pesquisadora da Fiocruz, Nísia Trindade, desempenhou um papel relevante na construção do relatório, inclusive contribuindo com um artigo sobre a temática central. Segundo Trindade, o material elaborado demonstra de maneira inequívoca que as desigualdades não são apenas um efeito das crises sanitárias, mas um fator que as torna mais frequentes, mais virulentas e mais demoradas. A pesquisadora sublinhou que “as evidências reunidas revelam o círculo vicioso: desigualdades internas e globais ampliam a vulnerabilidade das sociedades. E pandemias reforçam essas mesmas desigualdades, dinâmica vista em emergências como as de Covid-19, HIV/Aids, Ebola, Influenza e Mpox.” Para aprofundar-se nos estudos sobre Determinantes Sociais da Saúde, consulte a Fiocruz.
Nísia Trindade aponta que “educação, renda, moradia e condições ambientais definem os grupos mais atingidos pelas emergências.” Ela citou dados alarmantes: pessoas sem educação básica tiveram uma probabilidade de morrer por Covid-19 até três vezes maior em comparação com aquelas que possuíam ensino superior. Adicionalmente, populações negras, indígenas e residentes em áreas de favelas e periferias registraram taxas mais elevadas tanto de infecção quanto de mortalidade. Em seu artigo, a ex-ministra também detalha como a desigualdade gerada pelas pandemias impacta fortemente as mulheres, em particular as pretas, que vivenciam “perdas de emprego e elevação alarmante da mortalidade materna, que saltou de 57,9 óbitos por 100 mil nascidos vivos em 2019 para 110 em 2021, sendo 194,8 entre mulheres pretas”.
Vulnerabilidade e O Aprofundamento das Desigualdades
O estudo detalha que níveis elevados de desigualdade entre países potencializam a vulnerabilidade em escala global, contribuindo para que as pandemias persistam por mais tempo e ocasionem um maior número de fatalidades. Em uma análise prática, o risco de óbito durante pandemias é consistentemente superior em sociedades mais desiguais, enquanto a melhoria nos índices de pobreza emerge como um fator decisivo para aumentar a resiliência das comunidades frente ao avanço de epidemias e pandemias. Nos últimos cinco anos, essas disparidades foram intensificadas, notadamente entre diferentes nações.
A pandemia de Covid-19 foi um período que acelerou a concentração de renda. Agora, à medida que tecnologias inovadoras, como as injeções de longa duração para a prevenção do HIV, começam a ser integradas às redes de saúde, a dimensão econômica continua a ser o principal determinante para o acesso e a disseminação dessas soluções. O estudo reforça uma conclusão já presente em pesquisas das últimas décadas: quanto maior a demora no combate às pandemias, mais profundos e negativos serão seus impactos no desenvolvimento humano e econômico. Segundo o relatório, dado que as pandemias ampliam a desigualdade e fragilizam a capacidade global de resposta, a permanência de enfermidades como Aids, malária e tuberculose representa uma das mais graves ameaças globais.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
Estratégias para um Futuro Mais Seguro e Equitativo
Para o Conselho Global sobre Desigualdades, Aids e Pandemias, as evidências são cristalinas de que este ciclo de perpetuação da desigualdade pelas pandemias e vice-versa pode e deve ser interrompido. É crucial adotar uma nova metodologia para a segurança sanitária global, capaz de quebrar este padrão através de ações concretas e realizáveis, tanto no contexto nacional quanto no internacional. Um especialista ressaltou: “Precisamos agir juntos contra as desigualdades, as quais tornam as pandemias mais prováveis, letais e custosas. Políticas de proteção social e sistemas de saúde resilientes são fundamentais para a preparação e a resposta. Garantir que medicamentos e vacinas possam ser desenvolvidos e produzidos em todo o mundo, em uma perspectiva regional e local, é outro aspecto vital para a saúde global.”
Como proposta para melhorar e estabelecer um panorama de segurança sanitária mais robusto, o conselho delineou quatro recomendações principais. Elas estão estruturadas sob uma abordagem de Prevenção, Preparação e Resposta (PPR). São elas:
- **Reorganização do Sistema Financeiro:** Isso envolve a renegociação de dívidas de países vulneráveis, a revisão das linhas e instituições de financiamento de emergência, e a erradicação de políticas de austeridade pró-cíclicas.
- **Investimento na Prevenção de Determinantes Sociais:** Ações focadas na mitigação dos fatores sociais que predispõem às pandemias, por meio de mecanismos robustos de proteção social.
- **Fortalecimento da Produção Local e Regional:** Estimular a criação de uma nova governança em pesquisa e desenvolvimento, garantindo que o compartilhamento de tecnologias seja reconhecido e tratado como um bem público essencial para o enfrentamento de pandemias.
- **Construção de Confiança, Equidade e Eficiência:** Melhorar a resposta às pandemias por meio do estabelecimento de redes de governança multissetorial que integrem a sociedade civil e os governos em uma colaboração eficaz.
As propostas da ex-ministra Nísia Trindade em seu artigo coadunam com o relatório da Unaids. Ela advoga pela preparação do Brasil e do mundo para “emergências futuras, o que exige sistemas de saúde resilientes, gestão qualificada e investimentos contínuos em políticas sociais, ciência, tecnologia e inovação”. Nísia também acrescenta a importância de fortificar a produção local e regional de vacinas, a capacidade de realizar testes diagnósticos, e o desenvolvimento e acesso a medicamentos e outros insumos essenciais.
A ex-ministra enfatiza que uma das recomendações mais relevantes do relatório do Unaids é a superação de desafios financeiros globais por meio de “propostas como renegociação de dívidas de países vulneráveis e mecanismos automáticos de financiamento de emergências, evitando políticas de austeridade que comprimem gastos sociais”. A colaboração e a inovação em políticas sociais e de saúde são, portanto, caminhos inegáveis para edificar um futuro onde as pandemias causem menos sofrimento e onde a equidade seja uma realidade tangível.
Confira também: Imoveis em Rio das Ostras
Este relatório do UNAIDS representa um chamado claro à ação. É evidente que as escolhas políticas relacionadas à o impacto das políticas sociais na saúde pública no Brasil e globais têm um impacto direto na capacidade de sociedades enfrentarem futuras crises de saúde. Para continuar a acompanhar discussões aprofundadas sobre política, saúde global e questões sociais, mantenha-se conectado com nossa editoria, onde abordamos temas de relevância para o Brasil e o mundo.
Crédito da imagem: UNAIDS Brasil/Kayo Oliveira


