O colapso da economia de conteúdo na internet, uma preocupação crescente para criadores e estúdios, emerge como tema central de análise do advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos. O especialista aponta a inteligência artificial (IA) como o principal vetor dessa transformação, que começa a redefinir mercados outrora estáveis, desde Hollywood até os modelos de busca online.
Recentemente, Hollywood, tradicional potência da indústria do entretenimento, sentiu um golpe significativo. Dados do jornal WSJ revelam uma queda drástica na ocupação dos estúdios de gravação, passando de 95% estáveis nas últimas décadas para alarmantes 62% em meses. A procura por profissionais essenciais, como figurinistas, animadores, cenaristas e câmeras, diminuiu na mesma proporção. Muitos em Los Angeles, antes constantemente empregados, agora enfrentam meses de inatividade e ponderam buscar oportunidades em setores como varejo ou transporte. As razões para essa desaceleração são multifacetadas, incluindo a priorização de grandes produções (blockbusters) em detrimento de um fluxo constante e a acirrada concorrência da Netflix, que expandiu e internacionalizou sua capacidade produtiva.
Colapso da Economia de Conteúdo na Internet Pela IA
Contudo, a principal força catalisadora que ameaça transformar a capital do cinema em uma “Los Fantasmas” é a inteligência artificial. Geradores de vídeo avançados, como o Veo3 e o revolucionário Sora 2 da OpenAI, demonstraram a capacidade de criar material com qualidade profissional sem a necessidade de estúdios ou equipamentos caros. O lançamento do Sora 2 ilustra a magnitude da mudança, ao ser baixado por 1 milhão de pessoas em apenas cinco dias – um ritmo de adoção que superou até mesmo o do ChatGPT, mesmo estando acessível apenas por convite. Segundo especialistas na área de inteligência artificial, o advento dessas ferramentas marca um ponto de virada decisivo para o mercado.
A proliferação de softwares como o Sora 2 coloca cada usuário em posição de concorrente potencial para os grandes estúdios. O Brasil já experimentou essa nova realidade com o caso de Marisa Maiô. A apresentadora de televisão virtual, idealizada e criada com IA pelo desenvolvedor Raony Phillips, alcançou notável sucesso, tornando-se garota-propaganda para marcas renomadas como Magalu, Tim e OLX. Raony opera sozinho, a partir de Maricá, no Rio de Janeiro, utilizando o Veo3 para produzir os vídeos de Marisa, evidenciando como a tecnologia democratiza a criação de conteúdo e redefine os parâmetros da produção audiovisual.
Mas o impacto vai muito além de Hollywood e da produção de vídeos individuais. O verdadeiro cataclisma se manifesta na própria internet, abalando as fundações da economia digital. Tradicionalmente, o motor econômico para criadores digitais residia na indexação de seus conteúdos pelo Google e outros buscadores. Essa indexação gerava links que, por sua vez, atraíam tráfego aos sites e plataformas dos criadores, permitindo-lhes monetizar o acesso por meio de publicidade ou assinaturas. Esse modelo estabelecido, todavia, enfrenta um colapso iminente.
Com a ascensão da IA, cada vez mais usuários recorrem a ferramentas baseadas em inteligência artificial para suas buscas. Essas tecnologias fornecem respostas prontas e consolidadas, eliminando a necessidade de clicar em links adicionais. Essa mudança crucial sinaliza uma transição de um paradigma de “buscadores” para um de “respondedores”. O próprio Google já incorpora essa abordagem, exibindo no topo dos resultados uma resposta gerada por IA antes da tradicional lista de links. Em muitos casos, essa resposta pré-fabricada é suficiente para o usuário, que não prossegue com mais cliques, drenando o tráfego que antes alimentava a economia de criadores de conteúdo.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Essa reconfiguração da paisagem digital está gerando um divisor claro entre perdedores e vencedores. Produtores de conteúdo generalista tendem a figurar entre os primeiros, enquanto aqueles que se dedicam a conteúdos altamente específicos, nichados e granulares encontram-se em vantagem. Uma ilustração clara dessa disparidade é a diferença nos valores de licenciamento recebidos pelo Reddit e pelo New York Times de empresas de IA. Por cada dólar pago por um token (unidade de informação) do New York Times, o Reddit recebeu sete vezes mais. Isso se deve à natureza particular e frequentemente obscura dos conteúdos hospedados no Reddit, os quais as empresas de IA anseiam por adquirir para treinar seus modelos, reconhecendo o alto valor na especificidade. Consequentemente, redigir críticas detalhadas de restaurantes em cidades como Araguari pode se tornar financeiramente mais recompensador do que avaliar os estabelecimentos mais badalados de uma metrópole como São Paulo.
Nesse cenário de transformação, também emergem “pactos fáusticos”. Para continuar visível e indexado nos resultados de busca, os produtores de conteúdo frequentemente precisam aceitar que seu material disponível publicamente seja utilizado para treinar IAs. Aqueles que optam por bloquear robôs de IA, visando proteger seus dados, correm o risco de serem removidos da indexação nos buscadores, sacrificando visibilidade em troca de autonomia sobre seu conteúdo. Ronaldo Lemos sublinha que essas complexas transformações estão apenas no início, prometendo ainda muitos capítulos a serem desvendados.
O advogado também projeta a evolução das empresas de tecnologia. Enquanto em um passado recente elas se concentravam majoritariamente na criação de software, atualmente há uma guinada em direção à construção de infraestrutura física. A próxima fase, sugere Lemos, será a de companhias de tecnologia que se tornarão também empresas de energia, sinalizando uma contínua redefinição de suas atuações e papéis no cenário global.
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O impacto da inteligência artificial no colapso da economia de conteúdo na internet é um tema multifacetado que continuará a pautar as discussões sobre o futuro digital. A adaptação a este novo panorama exigirá estratégias inovadoras e uma compreensão profunda das dinâmicas tecnológicas. Continue acompanhando nossas análises na editoria de Economia para se manter atualizado sobre estas e outras tendências cruciais do mercado e da tecnologia.
Crédito da Imagem: DREW ANGERER/AFP
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