China Busca Autonomia em Chips Avançados com Projeto Secreto

Economia

Em um avanço tecnológico sigiloso, a **China busca autonomia em chips avançados** por meio de um protótipo de máquina capaz de fabricar semicondutores de última geração. Desenvolvido em um laboratório de alta segurança na cidade de Shenzhen, este equipamento representa um esforço para romper a dependência ocidental em tecnologia crucial para aplicações de inteligência artificial, smartphones e defesa militar.

A conclusão do protótipo, prevista para o início de 2025 e atualmente em fase de testes, revelou a criação de um dispositivo que preenche grande parte do chão de fábrica. A equipe responsável pela engenharia reversa das máquinas de litografia ultravioleta extrema (EUV) da ASML, uma gigante holandesa, é composta por ex-engenheiros dessa própria empresa, conforme detalhado por fontes próximas ao projeto. Estas máquinas são essenciais na fabricação de circuitos minúsculos em discos de silício, uma tecnologia dominada atualmente pelo Ocidente.

China Busca Autonomia em Chips Avançados com Projeto Secreto

Embora a máquina chinesa já esteja operacional e gerando luz ultravioleta extrema, a produção de chips funcionais ainda não foi concretizada, de acordo com as informações obtidas. O presidente-executivo da ASML, Christophe Fouquet, havia projetado que a China levaria “muitos e muitos anos” para desenvolver essa tecnologia. Contudo, a existência do protótipo indica que a China pode estar a poucos anos, e não décadas, de alcançar a independência na área de semicondutores do que a previsão de analistas.

Ainda assim, o país enfrenta desafios técnicos substanciais, particularmente na replicação dos sistemas ópticos de alta precisão produzidos por fornecedores ocidentais. A construção do protótipo foi viabilizada pela aquisição de peças de máquinas ASML mais antigas em mercados secundários. O governo chinês estabeleceu 2028 como meta para a produção de chips funcionais a partir do protótipo. No entanto, fontes ligadas ao projeto consideram 2030 uma meta mais factível, o que ainda representa uma antecipação de anos em relação às projeções de mercado.

Autoridades chinesas, consultadas pela agência Reuters, optaram por não comentar o tema. Este progresso é o ápice de uma iniciativa governamental de seis anos, priorizada pelo presidente Xi Jinping, para alcançar a autossuficiência em semicondutores. Embora os objetivos chineses no setor sejam de conhecimento público, o projeto de litografia EUV em Shenzhen tem sido conduzido em sigilo absoluto, conforme indicado pelas fontes.

A estratégia chinesa para o setor de chips é liderada por Ding Xuexiang, um confidente de Xi Jinping, que dirige a Comissão Central de Ciência e Tecnologia do Partido Comunista. A Huawei, uma das maiores empresas de eletrônicos do país, desempenha um papel central na coordenação de uma vasta rede de companhias e institutos de pesquisa estatais, que envolve milhares de engenheiros. Comparado ao “Projeto Manhattan”, que desenvolveu a bomba atômica pelos EUA, o objetivo chinês é fabricar chips avançados utilizando máquinas totalmente produzidas internamente, eliminando qualquer dependência dos EUA em suas cadeias de suprimentos. Huawei, o Conselho de Estado da China, a Embaixada da China em Washington e o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação não se manifestaram quando questionados sobre o assunto.

A Domínio da ASML e as Restrições Ocidentais

Até o momento, apenas a ASML, sediada em Veldhoven, Holanda, detém o domínio da tecnologia EUV. Suas máquinas, que podem custar cerca de US$250 milhões, são consideradas indispensáveis para a fabricação dos chips mais sofisticados, projetados por empresas como Nvidia e AMD e produzidos por companhias como TSMC, Intel e Samsung. A ASML revelou à Reuters que levou quase duas décadas e bilhões de euros em pesquisa e desenvolvimento para produzir seus primeiros chips comerciais com tecnologia EUV, a partir do protótipo funcional de 2001, comercializados apenas em 2019.

“Faz sentido que as empresas queiram replicar nossa tecnologia, mas fazer isso não é pouca coisa”, afirmou a ASML em comunicado à Reuters. Atualmente, os sistemas EUV da ASML são disponibilizados apenas para aliados dos EUA, incluindo Taiwan, Coreia do Sul e Japão. Desde 2018, os EUA têm pressionado a Holanda para impedir a venda de sistemas EUV à China, com as restrições se expandindo em 2022. Os controles de exportação impostos pelo governo Biden visam cortar o acesso chinês a tecnologias avançadas de semicondutores, incluindo máquinas de litografia ultravioleta profunda (DUV), que produzem chips menos avançados, como os utilizados pela Huawei, para manter a China com uma defasagem de pelo menos uma geração em capacidade de fabricação. A ASML confirmou que nenhum sistema EUV foi vendido a clientes na China.

O Departamento de Estado dos EUA informou que o governo anterior reforçou a fiscalização dos controles de exportação de equipamentos avançados de fabricação de semicondutores e está colaborando com parceiros para preencher quaisquer lacunas. O Ministério da Defesa holandês, por sua vez, está desenvolvendo políticas que exigem que instituições de conhecimento implementem triagens de pessoal para impedir o acesso a tecnologias sensíveis por indivíduos com más intenções ou vulneráveis a pressões. Tais restrições retardaram por anos o progresso da China rumo à autossuficiência e limitaram a produção de chips avançados da Huawei, conforme fontes.

Recrutamento Secreto e Engenharia Reversa

O recrutamento de engenheiros para o projeto em Shenzhen foi marcado pelo sigilo extremo. Um engenheiro chinês experiente da ASML, recrutado para o programa, relatou ter recebido um bônus generoso e uma carteira de identidade com um nome falso. No local de trabalho, ele reconheceu outros ex-colegas da ASML operando sob pseudônimos e foi instruído a manter o uso dos nomes falsos para preservar a confidencialidade do projeto. A diretriz era clara: classificado como segurança nacional, ninguém fora do complexo deveria ter conhecimento sobre o que estava sendo construído ou sobre a presença da equipe ali.

A equipe inclui ex-engenheiros e cientistas aposentados da ASML de nacionalidade chinesa, considerados alvos ideais de recrutamento devido ao seu conhecimento técnico sensível e às menores restrições profissionais após deixarem a empresa. Relatos de dois funcionários atuais da ASML na Holanda indicam que eles foram abordados por recrutadores da Huawei desde pelo menos 2020. A Huawei não comentou esses relatos. Leis de privacidade europeias limitam a capacidade da ASML de rastrear ex-trabalhadores. Apesar de acordos de não divulgação, a aplicação em outros países tem se mostrado um desafio.

A ASML venceu uma ação judicial de US$845 milhões em 2019 contra um ex-engenheiro chinês acusado de roubar segredos comerciais, mas o réu, que se declarou falido, continua operando em Pequim com o apoio do governo chinês. A empresa declarou à Reuters que protege rigorosamente segredos comerciais e informações confidenciais, e busca ações legais quando há roubo de propriedade intelectual, mesmo que não possa controlar onde ex-funcionários trabalham. Não foi possível determinar se alguma ação legal foi movida contra ex-funcionários da ASML envolvidos especificamente no programa de litografia da China. A empresa garante que o conhecimento sobre EUV é acessado apenas por funcionários selecionados, inclusive internamente.

Superando Obstáculos Técnicos e Logísticos

Um relatório de inteligência holandês de abril alertou que a China utiliza amplos programas de espionagem para adquirir tecnologia e conhecimento ocidentais, incluindo o recrutamento de cientistas e funcionários de alta tecnologia. A contribuição dos veteranos da ASML foi decisiva para o progresso em Shenzhen, pois sem seu conhecimento íntimo da tecnologia, a engenharia reversa das máquinas seria quase impossível. O recrutamento de especialistas em semicondutores trabalhando no exterior, com remunerações de 3 a 5 milhões de yuans (US$420.000 a US$700.000) e subsídios para compra de imóveis, foi parte de uma iniciativa agressiva lançada em 2019, segundo análise de documentos governamentais da Reuters.

Entre os recrutados está Lin Nan, ex-chefe de tecnologia de fontes de luz da ASML. Sua equipe no Instituto de Ótica de Xangai da Academia Chinesa de Ciências registrou oito patentes sobre fontes de luz EUV em 18 meses. O Shanghai Institute of Optics and Fine Mechanics não respondeu a pedidos de comentários, e Lin não pôde ser contatado. Duas outras fontes familiarizadas com os esforços de recrutamento chineses indicaram que alguns cidadãos naturalizados de outros países receberam passaportes chineses, sendo permitida a dupla cidadania, o que oficialmente é proibido na China.

Em contraste com os sistemas EUV mais avançados da ASML, que são do tamanho de um ônibus escolar e pesam 180 toneladas, o protótipo em Shenzhen é rudimentar. Após tentativas iniciais de replicar o tamanho, o protótipo chinês teve que ser significativamente maior para aumentar sua potência. Apesar disso, ele é considerado funcional o suficiente para testes. O protótipo chinês está aquém das máquinas da ASML, em grande parte, devido à dificuldade em obter sistemas ópticos, como os da alemã Carl Zeiss, fornecedora essencial da ASML. A Zeiss preferiu não comentar o assunto. As máquinas de litografia disparam lasers contra estanho fundido 50.000 vezes por segundo, gerando plasma a 200.000 graus Celsius, e a luz é focalizada por espelhos cuja produção leva meses, conforme informações do site da Zeiss.

Principais institutos de pesquisa chineses têm sido cruciais no desenvolvimento de alternativas nacionais. O Instituto de Óptica, Mecânica Fina e Física de Changchun (CIOMP) da Academia Chinesa de Ciências conseguiu avançar na integração da luz ultravioleta extrema no sistema óptico do protótipo, tornando-o operacional no início de 2025. O CIOMP não respondeu a questionamentos. Em uma chamada de recrutamento online em março, o instituto oferecia salários ilimitados para pesquisadores de litografia com doutorado, além de bolsas de até 4 milhões de yuans (US$560.000) e 1 milhão de yuans (US$140.000) em subsídios pessoais. Jeff Koch, analista da SemiAnalysis e ex-engenheiro da ASML, aponta que, tecnicamente, o avanço chinês é viável e é uma questão de cronograma, com a vantagem de que a tecnologia EUV comercial já existe.

Para contornar as restrições e obter as peças necessárias, a China está recorrendo a componentes de máquinas ASML mais antigas e adquirindo peças de fornecedores da ASML por meio de mercados de segunda mão, utilizando redes de empresas intermediárias para ocultar o comprador final. Componentes de exportação restrita das japonesas Nikon e Canon também estão sendo empregados no protótipo. Nikon e Canon não quiseram comentar sobre o uso. A Embaixada do Japão em Washington não respondeu ao pedido de comentário. Bancos internacionais leiloam regularmente equipamentos antigos de fabricação de semicondutores. Uma análise de listagens no Alibaba Auction revelou que leilões na China têm oferecido equipamentos de litografia ASML mais antigos até outubro de 2025.

Uma equipe de cerca de 100 recém-formados dedica-se à engenharia reversa de componentes de máquinas de litografia EUV e DUV. As estações de trabalho de cada funcionário são monitoradas por câmeras individuais para documentar os esforços de desmontagem e remontagem de peças, um trabalho crucial para as iniciativas chinesas. Bônus são concedidos aos funcionários que conseguem montar um componente com sucesso. Apesar de o projeto EUV ser administrado pelo governo, a Huawei está envolvida em todas as etapas da cadeia de suprimentos, desde o design e fabricação de chips até a integração em produtos. O presidente-executivo da Huawei, Ren Zhengfei, reporta diretamente aos líderes chineses seniores sobre o progresso. A Huawei, listada como entidade pelo governo dos EUA desde 2019, enfrentou restrições comerciais significativas.

A empresa mobilizou funcionários para escritórios, fábricas e centros de pesquisa em todo o país. Profissionais designados para equipes de semicondutores frequentemente permanecem no local e têm acesso telefônico restrito para as tarefas mais sensíveis. Internamente, poucos funcionários da Huawei têm conhecimento da abrangência desse trabalho. As equipes são mantidas isoladas para proteger a confidencialidade do projeto e não sabem no que as outras equipes trabalham. É crucial observar que, no contexto global atual, o cenário competitivo no mercado de semicondutores tem se intensificado, impactando a cadeia de suprimentos global.

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Em síntese, o projeto chinês em Shenzhen, com seu protótipo de litografia EUV, sinaliza um avanço significativo e inesperado na busca por autossuficiência em semicondutores, apesar dos enormes desafios técnicos e das sanções ocidentais. Este esforço, impulsionado por um recrutamento estratégico de talentos e o uso de métodos alternativos para obtenção de peças, pode redefinir o equilíbrio de poder na indústria de alta tecnologia. Para acompanhar mais aprofundadamente este e outros desenvolvimentos tecnológicos e suas ramificações globais, continue explorando nossas análises sobre o impacto da tecnologia na economia global.

Crédito da imagem: Sistema de litografia EUV operado pela Intel nos EUA. Handout via REUTERS

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