O café brasileiro, um item onipresente na rotina de milhões de pessoas, transcende seu papel de simples bebida para se consolidar como um pilar fundamental na história política e econômica do Brasil. Apesar de não ser nutricionalmente essencial para a sobrevivência humana, conforme apontado por especialistas, a sua importância cultural é inegável, solidificando o Brasil como um ator central na propagação dessa cultura por todo o mundo. A dimensão da relevância do grão foi detalhada por Milena Serafim, professora de administração pública da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, durante sua participação no podcast “O Assunto” na quarta-feira, dia 8.
A influência do café é palpável tanto no cotidiano doméstico quanto nas grandes esferas de poder internacional. A análise da professora Milena Serafim evidencia que, embora o café não possua valor nutricional direto, ele está profundamente arraigado à nossa rotina e identidade cultural, aspecto visível não só no Brasil mas também em países como os Estados Unidos. Esta conexão cultural atribui ao grão uma projeção que vai além do consumo, inserindo-o no rol de elementos que definem uma nação e suas interações com o globo. Esse patamar é conquistado devido à forma como a bebida integra costumes, encontros sociais e até mesmo o imaginário popular de diferentes povos, tornando-o um componente intrínseco de suas identidades.
Café Brasileiro: Da Economia à Diplomacia Global
No cenário geopolítico recente, o café revisitou seu papel como instrumento de política e diplomacia. Isso ficou evidente quando Donald Trump, em uma decisão de tarifas que impactou diversos produtos, citou especificamente o café brasileiro, revelando o seu poder de influência econômica. Contudo, essa relevância do café não é uma novidade na história nacional. Desde o alvorecer do século XIX, o café já atuava como um dos principais motores da economia brasileira, capaz de redefinir o destino do país e suas relações internas de poder. A professora Serafim rememora que, em épocas passadas, “quem tinha café mandava”, um aforismo que ressalta o controle e a força econômica que o cultivo e a exportação do grão conferiam.
Esta máxima de poder se manifestava explicitamente na conhecida “política do café com leite”, um período marcante da Primeira República brasileira. Durante essa era, o governo era revezado entre elites políticas dos estados de São Paulo e Minas Gerais, evidenciando como a economia agropecuária pautava a agenda política nacional, uma prática com profundas raízes na história política brasileira. São Paulo, por sua vez, representava os interesses dos cafeicultores, dominantes na produção nacional do grão, enquanto Minas Gerais, grande produtor pecuário, representava a indústria do leite. Essa dinâmica não só ilustra a hegemonia do café na política nacional como também a interligação profunda entre a produção agrícola e a condução dos assuntos de Estado. Embora o Brasil contemporâneo viva uma realidade distinta, o peso histórico e cultural da bebida permanece inabalável, reiterando sua perene importância na estrutura do país.
A menção direta de Donald Trump ao café durante uma videoconferência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada reforçou a percepção do grão como um ativo estratégico. Segundo relatos da BBC News Brasil, o ex-presidente americano expressou a falta de produtos brasileiros no mercado norte-americano, com o café figurando de maneira proeminente entre os itens tarifados em julho do ano corrente pelos Estados Unidos. A fala de Trump ressalta como as relações comerciais e diplomáticas podem ser diretamente influenciadas pela cadeia produtiva do café, elevando a bebida a um status de elemento-chave nas negociações bilaterais.
Milena Serafim analisa este fenômeno como uma “nova rodada de conversas entre os dois países”, em que o famoso cafezinho brasileiro novamente emerge como um facilitador de diálogos e negociações de alto nível. Para a acadêmica da Unicamp, o impacto das tarifas no mercado norte-americano conferiu ao café uma renovada posição de instrumento diplomático. “No atual contexto, a gente volta a sentar à mesa de negociações por causa do café”, pontua a professora, evidenciando o poder catalisador da commodity em momentos de tensão ou rearranjos nas relações internacionais. Este episódio sublinha a capacidade de produtos culturalmente arraigados em um país de atuarem como alavancas geopolíticas inesperadas.
Não há dúvidas de que o café brasileiro conquistou o paladar e o imaginário norte-americano. Milena Serafim observa a naturalidade com que a bebida é incorporada no cotidiano dos Estados Unidos, como é frequentemente retratado em séries e filmes. Essa onipresença demonstra não apenas um hábito de consumo, mas um comportamento cultural consolidado: “Você tomar aquela bebida, você portar aquela bebida faz parte da forma como o norte-americano, enfim, desempenha as suas funções, interage”, explica a professora. Ela descreve uma imagem recorrente e autêntica de indivíduos que, ao sair de casa, fazem da parada na cafeteria a primeira etapa de sua jornada, seja a pé ou de carro, atestando o enraizamento da bebida na vida urbana americana e sua transposição de mero alimento a um acessório cultural.
O Café Brasileiro como Símbolo Cultural e Ferramenta de Branding
Além de ser uma commodity e um motor econômico, na primeira metade do século XX, o café brasileiro foi estrategicamente utilizado para construir e projetar uma imagem de Brasil moderno no cenário mundial. Conforme apontado por Milena Serafim, o governo brasileiro da época arquitetou uma narrativa cuidadosamente elaborada, em que o café não era apenas um produto, mas estava intrinsecamente ligado a um estilo de vida aspiracional. Era uma ferramenta de branding nacional, vendendo não apenas o grão, mas um conceito de nação progressista e sofisticada capaz de influenciar a percepção internacional sobre o país e suas inovações.

Imagem: g1.globo.com
Para impulsionar essa estratégia, o Brasil soube aproveitar inteligentemente a “Política de Boa Vizinhança” iniciada em 1933 pelo então presidente americano Franklin Roosevelt. Esta política, que buscava fortalecer os laços e a influência dos Estados Unidos na América Latina através da cooperação e do respeito mútuo, ofereceu o palco ideal para o Brasil disseminar a sua narrativa do café. Foi nesse contexto diplomático que a venda e a imagem do café brasileiro se consolidaram em solo americano, transformando-o em um embaixador cultural e econômico de grande impacto, estreitando as relações entre as duas nações e cimentando o café como parte da identidade global brasileira.
Este percurso multifacetado do café brasileiro – de sustento econômico a pilar cultural e, finalmente, a ativo político e diplomático – ressalta sua capacidade de se reinventar e manter a relevância ao longo das décadas. A trajetória da bebida demonstra como um produto agrícola pode transcender sua função primária, influenciando governos, moldando a percepção internacional e integrando-se profundamente no tecido social e econômico de diversos países.
A resiliência do café, em um contexto de desafios comerciais e relações diplomáticas complexas, solidifica a ideia de que certos elementos da cultura e economia nacional são mais do que meros bens. Eles são catalisadores de diálogo, promotores de identidade e verdadeiros embaixadores de uma nação em escala global, evidenciando que, embora não seja um item essencial para a vida, é indispensável para a compreensão de muitos capítulos da história do Brasil.
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O café brasileiro, portanto, continua a ser um fascinante estudo de caso sobre como a cultura e a economia se entrelaçam com a política e a diplomacia internacional. Para aprofundar-se em temas que moldam o panorama nacional e internacional, convidamos você a explorar outras análises e notícias em nossa editoria de Economia, mantendo-se sempre informado sobre os desdobramentos mais relevantes.
Crédito da imagem: Canva
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