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Brasileiros deixam Portugal por alto custo de vida e burocracia

A crescente saída de brasileiros deixam Portugal em números cada vez mais expressivos, impulsionada principalmente pela elevação do custo de vida e pelas complexidades burocráticas que afetam a permanência no país. Essa movimentação migratória tem se tornado um fenômeno notório nos últimos anos, conforme relatos e dados oficiais, levando muitos a reavaliar suas escolhas e […]

A crescente saída de brasileiros deixam Portugal em números cada vez mais expressivos, impulsionada principalmente pela elevação do custo de vida e pelas complexidades burocráticas que afetam a permanência no país. Essa movimentação migratória tem se tornado um fenômeno notório nos últimos anos, conforme relatos e dados oficiais, levando muitos a reavaliar suas escolhas e a buscar alternativas em outros países europeus ou o retorno ao Brasil.

Entre os diversos relatos, a história de Lara Sheffer, tradutora de 30 anos, ilustra bem essa realidade. Após dois anos morando em Portugal com o namorado na cidade de Oeiras, próxima a Lisboa, ela decidiu voltar para Florianópolis em agosto deste ano. Lara enfatiza ter encontrado uma “melhor qualidade de vida” no Brasil. O principal gatilho para a mudança foi o acentuado aumento dos gastos mensais, que passaram a comprometer significativamente o orçamento do casal. Segundo Lara, as despesas com alimentação e saídas sociais, por exemplo, tiveram um incremento de 300 a 500 euros por mês, sem considerar o aluguel.

Brasileiros Deixam Portugal por Alto Custo de Vida e Burocracia

O Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE) revelou que a inflação no país registrou uma elevação em agosto de 2025, alcançando 2,8% no acumulado dos últimos 12 meses. Este índice representa o patamar mais alto desde dezembro de 2024, superando os 2,6% observados em julho. A escalada inflacionária foi majoritariamente impulsionada pela alta dos alimentos, que experimentaram uma variação de 4,0%, o maior aumento desde outubro de 2023. Para consultar os dados e relatórios completos, acesse o site oficial do INE Portugal.

Além da pressão sobre itens essenciais, o mercado de aluguéis apresentou um encarecimento alarmante. Lara Sheffer citou o exemplo de um apartamento de um dormitório (T1) na região metropolitana de Lisboa, cujo valor, que há dois anos era de 935 euros, saltou para 1.250 euros. Essa situação tornou o arrendamento, em suas palavras, um “valor absurdo” para esse tipo de imóvel. Complementando o cenário, o Idealista, plataforma europeia de imóveis, indicou que o preço médio nacional de aluguel atingiu 16,8 euros por metro quadrado em agosto de 2025, um acréscimo de 0,7% em relação a julho e de 3,3% comparado a agosto de 2024.

A percepção de Lara é que a crescente procura de inquilinos e hóspedes temporários europeus, com poder aquisitivo superior, é um dos fatores que impulsionam o aumento geral dos valores de aluguel e dos imóveis em Portugal.

Obstáculos Burocráticos e o Retorno ao Brasil

A dificuldade na renovação da autorização de residência foi outro fator determinante para a saída de muitos. Lara mencionou que sua autorização venceria em novembro, mas a estimativa era que ela ficasse “presa” no país por quase um ano sem poder viajar. Para ela e seu namorado, essa restrição descaracterizava um dos principais motivos de viverem na Europa. Após uma cuidadosa análise dos custos e da burocracia portuguesa, o casal decidiu retornar à capital catarinense. A situação dela é peculiar, pois atua como tradutora para clientes estrangeiros, recebendo em euros ou dólares. Dessa forma, residir no Brasil permite-lhe uma vida financeiramente mais confortável, sem o pesado encargo do aluguel, já que possuía um apartamento no Brasil e o trocou por uma casa.

Lara e o companheiro, por enquanto, não consideram a possibilidade de se reinstalar na Europa, consolidando a percepção de que, apesar das promessas iniciais, o custo de vida e os entraves burocráticos podem minar o planejamento de vida de muitos imigrantes.

Panorama Econômico Europeu e a Realidade Portuguesa

A disparada dos preços em Portugal não é um fenômeno isolado, inserindo-se num contexto mais amplo de elevação do custo de vida na Europa. Desde 2022, a crise energética exacerbada pela guerra na Ucrânia, a inflação de serviços e os juros elevados aplicados pelo Banco Central Europeu colaboraram para encarecer a moradia e frear a construção de novos imóveis. O professor de Geopolítica e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR, João Alfredo Lopes Nyegray, pontua que entre 2010 e 2025, os aluguéis médios na União Europeia subiram cerca de 28%, e o preço das casas avançou mais de 55%.

Em Portugal, fatores internos se somaram a essas pressões globais. A “turistificação” e a alta procura de imóveis por estrangeiros em Lisboa e Porto são exemplos claros. Em 2024, o turismo atingiu recordes, reduzindo drasticamente a oferta de aluguéis de longo prazo. Além disso, a implementação de vistos para nômades digitais e autorizações de residência para trabalho remoto atraiu profissionais com salários mais elevados, inflando os valores dos contratos e tornando-os inacessíveis para a renda média da população local e de muitos imigrantes.

Essa conjuntura cria um “duplo estrangulamento”, segundo Nyegray: enquanto a demanda por habitação cresce exponencialmente com turistas, expatriados e trabalhadores remotos, a construção de novas moradias é dificultada pelos custos de hipotecas e materiais. A consequência é um mercado imobiliário cujos preços se dissociam da realidade salarial dos portugueses e de grande parte da comunidade estrangeira, especialmente brasileiros que atuam em setores como serviços, construção civil e comércio, cujos rendimentos frequentemente oscilam entre o salário mínimo e médias baixas.

Nyegray observa que os aluguéis em cidades como Lisboa e Porto podem absorver entre 40% e 60% da renda familiar desses imigrantes, inviabilizando a permanência material e social, mesmo quando a situação legal está garantida.

Lisboa e o Processo de “Turbo-Gentrificação”

Para o geógrafo Luís Filipe Gonçalves Mendes, professor da Universidade de Lisboa, a capital portuguesa experimentou uma “turbo-gentrificação” e turistificação em tempo recorde, especialmente em comparação com outras metrópoles europeias que vivenciam esse fenômeno há décadas. Em Lisboa, essa transformação ocorreu em pouco mais de uma década, intensificada pela combinação de turismo de massa, plataformas digitais e investimento internacional, fatores que Mendes aponta como catalisadores em muitas capitais europeias.

Dentre os motivos, Mendes destaca a proliferação do alojamento local (Airbnb), a crescente demanda de estrangeiros com maior poder de compra e a atuação de fundos imobiliários que veem a moradia como um ativo financeiro. A insuficiência de políticas públicas de regulação e habitação social agrava a situação, contribuindo para a escalada dos preços. A estagnação salarial, com o salário mínimo de 870 euros (equivalente a cerca de R$ 5,4 mil), também é um fator crítico, já que a produtividade econômica do país não foi acompanhada por uma redistribuição de riqueza que protegesse as famílias mais vulneráveis ao encarecimento dos aluguéis.

Novos Horizontes: Espanha e Bélgica

Diante do cenário desafiador, alguns brasileiros que saem de Portugal buscam refúgio em outros países da Europa. Lucas Carrera, um bibliotecário de 37 anos, deixou Lisboa em setembro deste ano, após sete anos na cidade, para se estabelecer em Barcelona, na Espanha. Embora o valor de seu aluguel não tenha subido drasticamente (de 250 euros em 2018 para 280 euros em 2025), o lazer e os gastos fixos tornaram-se impeditivos.

Carrera relata que os gastos com mercado passaram de 20 euros para 50 euros por semana e a conta de luz, que antes era de 15 euros, chegou a 75 euros. Ganhando uma média de 1.000 euros brutos mensais em Portugal, ele percebeu uma diminuição no poder de compra e poucas perspectivas de crescimento. Em Barcelona, vivendo há pouco tempo, já aluga um apartamento no centro por 630 euros – algo que ele consideraria inviável em Lisboa – e trabalha como recepcionista de hotel, com o dobro do salário que recebia em Portugal. Ele ressalta que, tirando o aluguel, outros custos como comida, lazer e transporte são mais acessíveis na cidade catalã.

Lucas também notou um aumento nos discursos anti-imigração em Portugal. Em junho, o governo português anunciou que quase 34 mil estrangeiros, incluindo 5.386 brasileiros, seriam notificados para deixar o país. Mesmo possuindo passaporte europeu, ele acredita que a xenofobia se intensificou, fator que, somado à instabilidade financeira, motivou sua decisão. Para Lucas, o retorno ao Brasil não está nos planos.

Outro exemplo é Glauco Brandão, 42, que chegou a Lisboa em 2019 e, após cinco anos, mudou-se para Ghent, na Bélgica, em 2024. Trabalhando como moderador de conteúdo, recebia cerca de 900 euros mensais, valor similar ao do marido. Com o aluguel de 700 euros, o casal com renda de 1.600 euros mal conseguia fechar as contas, frequentemente dependendo da família no Brasil. O aumento constante dos aluguéis foi o principal motivo da mudança.

Na Bélgica, Glauco e seu marido alcançaram estabilidade financeira. O marido conseguiu um salário três vezes maior na mesma função, e Glauco, trabalhando em uma empresa de limpeza, recebe mais que o dobro do que ganhava em Portugal. Embora o custo de vida geral seja similar ao português, a Bélgica oferece aluguéis mais baixos e uma estrutura de imóveis superior, além de um transporte público que funciona perfeitamente, segundo ele. Glauco também menciona os discursos anti-imigração em Portugal, que considera um fator, mas reforça que a questão financeira foi o ponto crucial para a decisão. Um ano e meio após a mudança, Glauco não cogita retornar ao Brasil, exceto para visitar familiares.

Implicações da Gentrificação Acelerada e Desafios para Imigrantes

O processo de gentrificação em Lisboa e Porto, que provocou a saída de aproximadamente 20% da população dos centros históricos entre 2011 e 2021, transformou o comércio local e impulsionou a substituição de moradores por turistas e estrangeiros com maior poder aquisitivo. Luís Filipe Gonçalves Mendes salienta uma correlação direta entre o crescimento de unidades em plataformas como Airbnb e a elevação dos valores imobiliários. Ele sugere medidas como expansão da habitação pública, regulação do alojamento local e taxação sobre segundas residências de não residentes, além de políticas anti-despejo para combater a situação.

Valter Caldana, arquiteto e urbanista e professor da FAU-Mackenzie, ressalta que Lisboa e Porto seguem uma tendência europeia, mas com um ritmo sem precedentes nas últimas duas décadas, acentuada pela mercantilização da terra urbana e pelo impacto da chegada de estrangeiros com alta renda. O professor adverte que essa dinâmica provoca o deslocamento de famílias para a periferia, gerando desorganização social e econômica. A comunidade brasileira em Portugal contava com 513 mil pessoas legalmente em 2023. Apesar disso, o relatório da Aima (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) de 2023 mostra que mais da metade (52,4%) das Notificações de Abandono Voluntário são para brasileiros, e 81,2% dos beneficiários do programa de Retorno Voluntário também são brasileiros.

João Alfredo Lopes Nyegray avalia que as políticas migratórias de Portugal, apesar de serem historicamente abertas a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), como os brasileiros, não garantem condições sustentáveis de permanência. A criação do visto D8 para nômades digitais, por exemplo, atraiu trabalhadores remotos de alta renda, exacerbando a concorrência no mercado de aluguéis de médio prazo e dificultando a vida de muitos brasileiros recém-chegados. Mendes finaliza afirmando que uma cidade que perde sua população imigrante, em termos de diversidade e força de trabalho essencial, perde sua identidade cosmopolita e se “higieniza” socialmente.

Confira também: crédito imobiliário

Em suma, a conjunção de alta inflação, aumento exorbitante nos aluguéis, gentrificação e entraves burocráticos no processo migratório está reformulando a paisagem demográfica de Portugal. Muitos brasileiros buscam estabilidade e poder de compra em outras nações europeias ou decidem retornar ao Brasil, o que impacta não apenas a vida dos indivíduos, mas também o tecido social e econômico das cidades portuguesas. Para se aprofundar em mais temas sobre economia global e as dinâmicas de cidades pelo mundo, explore outras notícias e análises em nossa editoria de Economia.

Crédito da imagem: Arquivo pessoal/via BBC News Brasil

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