As enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul há um ano e quatro meses catalisaram uma mudança paradigmática no país, que agora consolida um novo modelo para a infraestrutura brasileira e risco climático. Ministérios e órgãos reguladores em todo o Brasil passaram a considerar a variável climática como um fator determinante no planejamento de grandes obras e em novos contratos de concessão. Ao mesmo tempo, empresas privadas e concessionárias intensificam seus aportes para desenvolver sistemas mais robustos e capazes de suportar eventos extremos. As iniciativas abrangem desde a reconstrução de eixos viários e ferroviários até a modernização de redes de energia e a adaptação de aeroportos.
Na vanguarda da formulação dessas novas diretrizes, o Ministério dos Transportes (MT) tem como eixo central de suas atividades a promoção da resiliência climática. Em 2023, a pasta elevou o orçamento para manutenção e conservação de R$ 6 bilhões (registrados em 2022) para expressivos R$ 22 bilhões, com um foco particular em aprimoramentos de drenagem, estabilização de encostas e reforço de pontes e bueiros. As Portarias nº 622 e nº 995, por sua vez, estabeleceram como imperativas as diretrizes de sustentabilidade e resiliência em todas as novas concessões rodoviárias. Conforme Cloves Benevides, subsecretário de sustentabilidade do MT, a infraestrutura nacional deve ser concebida para resistir ao clima futuro, e não apenas ao que já se passou.
Brasil Integra Risco Climático à Infraestrutura e Concessões
Essa orientação se manifesta na prática nos acordos de concessão recentes. Esses novos documentos alocam 2,5% da receita bruta dos pedágios para programas de sustentabilidade, destinando especificamente 1% desse montante para iniciativas de resiliência climática – uma recomendação do Banco Mundial. Benevides explica que essa estratégia possibilita à iniciativa privada investir parcialmente nesse segmento, liberando recursos públicos para outras prioridades essenciais. Estimativas do subsecretário indicam que, anualmente, cerca de 8% da malha de transportes do Brasil é afetada por inundações, deslizamentos e incêndios.
Diante desse cenário desafiador, o Ministério dos Transportes procedeu à revisão dos padrões construtivos e incorporou novas especificações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), como pavimentos com maior capacidade de drenagem e materiais asfálticos mais tolerantes à umidade e às oscilações térmicas. Adicionalmente, o ministério está em processo de elaboração do Projeto AdaptaVias, um programa dedicado à inovação tecnológica e ao emprego de ferramentas digitais e inteligência artificial (IA) para a antecipação de riscos e a orientação de ações preventivas. Em cooperação com a Coalition for Disaster Resilient Infrastructure (CDRI), a pasta também colabora na formulação de metodologias regionais de avaliação de riscos e na troca de conhecimentos com outros países.
Viviane Esse, secretária nacional de transporte rodoviário, ressalta que essa política pública igualmente redefine o dimensionamento das grandes obras de arte, como pontes e túneis, e os parâmetros para calcular sua vida útil. Os eventos climáticos no Rio Grande do Sul transformaram a maneira como se estima a durabilidade dessas estruturas, fazendo com que os novos contratos já sejam firmados com adaptações às condições climáticas atuais. Ela ainda aponta que todos os 18 leilões realizados desde 2023 já incluem as cláusulas ambientais, e essa diretriz será mantida para as concessões futuras. Para os contratos já em vigor, está prevista a realização de reequilíbrios econômicos, preservando, no entanto, a segurança jurídica.
A agenda de adaptação e reforço da resiliência estende-se também à regulação setorial. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estabelece que sustentabilidade e resiliência climática são aspectos prioritários nas novas concessões e diretrizes. Como órgão regulador e fiscalizador, a ANTT implementou, em 2024, o Programa de Sustentabilidade, oficializado pela Resolução nº 6.057, após um período de audiência pública. Essa iniciativa integra os critérios de adaptação e sustentabilidade para as rodovias e ferrovias federais, alinhando os termos de concessão às metas ESG e às mais recentes políticas públicas sobre clima.
Nas rodovias federais, as exigências de adaptação aos riscos climáticos já se traduzem em iniciativas concretas por parte do setor privado. A ViaSul, sob controle da Motiva Rodovias, intensificou suas operações após as inundações de 2024 no Rio Grande do Sul, identificando mais de cem ocorrências na BR-386, particularmente no trecho entre Estrela e Lajeado, onde houve deslizamentos de terra e danos à ponte sobre o rio Taquari. A concessionária mobilizou uma força-tarefa de 500 profissionais para restabelecer a trafegabilidade em um período inferior a 30 dias. Fernando de Marchi, diretor-presidente da ViaSul, enfatiza que a segurança dos usuários e colaboradores e a rápida restauração da via foram as prioridades absolutas da empresa.
De acordo com De Marchi, os prejuízos somaram aproximadamente R$ 300 milhões, cobrindo a reconstrução de taludes, obras emergenciais e o fortalecimento de fundações de pontes. De maneira integrada, o grupo Motiva elaborou quase cinco mil planos de adaptação para a totalidade dos trechos sob sua gestão. Esses planos são embasados em projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e dados coletados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e da Climatempo. Conforme explicado por Juliana Silva, diretora de sustentabilidade, essas informações são direcionadas ao centro de controle operacional e subsidiam as decisões em tempo real. O sistema utiliza inteligência artificial (IA) para correlacionar dados de solo, drenagem e meteorologia, viabilizando respostas céleres a deslizamentos e alagamentos. Para um entendimento aprofundado sobre o cenário global, é crucial consultar fontes autorizadas como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), cujas projeções científicas são um pilar para estratégias de adaptação em todo o mundo.
Na vertente da mitigação, o grupo Motiva firmou parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, aportando R$ 1 milhão na recuperação de 16 hectares em áreas dos rios médio Tietê e médio Paraíba do Sul (SP), que resultou no plantio de 40 mil mudas de espécies nativas. Juliana Silva complementa que é inviável discutir adaptação sem progredir também na mitigação. As metas de sustentabilidade do grupo, consolidadas na Agenda ESG 2030, incluem a diminuição das emissões de gases de efeito estufa e o uso de materiais recicláveis nas suas obras.
Paralelamente, a Ecovias Sul, pertencente ao grupo EcoRodovias, investe R$ 40 milhões, com aval da ANTT, na reconstrução de três pontes na BR-116, na seção entre Camaquã e Cristal (RS). As novas estruturas apresentam elevação aprimorada e fundações reforçadas para expandir a vazão hidráulica e elevar a segurança do trajeto em épocas de cheias. Este modelo integra um monitoramento meteorológico e geotécnico contínuo, além de sensores para taludes e treinamento regular das equipes operacionais. Miquéias Neuenfeld, diretor-superintendente da Ecovias Sul, afirma que, com estruturas devidamente dimensionadas, a concessionária consegue mitigar os impactos de eventos climáticos extremos e assegurar a fluidez do tráfego mesmo em condições desafiadoras. O plano de adaptação da Ecovias Sul, articulado com o Programa de Sustentabilidade e Resiliência Climática da EcoRodovias, também se fundamenta em projeções do IPCC e dados do Cemaden, orientando intervenções preventivas em seções consideradas críticas. A eficácia das medidas de resiliência foi comprovada em setembro, quando o rompimento de uma barragem particular ocasionou danos na pista sul da BR-116, mas o fluxo veicular foi normalizado em menos de um mês, precisamente em 14 de outubro de 2024.
O processo de adaptação também avança de maneira significativa no setor elétrico. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promoveu uma consulta pública com o propósito de aperfeiçoar normativas e fortificar a resiliência das redes de distribuição. As proposições incluem a implementação compulsória de planos de contingência, manejo preventivo da vegetação nas faixas de servidão, e o estabelecimento de protocolos de comunicação otimizados entre as distribuidoras e as administrações municipais. Novos indicadores para o controle de interrupções durante situações de emergência também estão em debate. A agência ainda delibera sobre a criação de mecanismos de ressarcimento e de solidariedade mútua entre as empresas em cenários de crise. Agnes da Costa, diretora da Aneel, sintetiza a premissa fundamental: “Resiliência custa, mas não agir custa mais”.
As inundações de 2024 no Rio Grande do Sul representaram um teste crucial para o plano de contingência da CPFL Energia, que deslocou quase seis mil colaboradores para restaurar o fornecimento de energia em 72 municípios atendidos pela Rio Grande Energia (RGE), sua distribuidora na região. No ápice do desastre, aproximadamente 315 mil consumidores tiveram o serviço interrompido, e cerca de 8% dos ativos da rede sofreram avarias. Em um intervalo de poucos dias, 95% do sistema foi restabelecido, após a substituição de 580 transformadores e 3.580 postes. O uso de helicópteros e drones foi vital para acessar localidades isoladas. Luís Henrique Ferreira Pinto, vice-presidente de operações reguladas, salienta que a empresa vem se preparando para eventos extremos há mais de oito anos. A cada novo incidente, a CPFL revisa e aprimora seus protocolos e investe em tecnologia de ponta para reduzir o tempo de resposta e restauração do serviço.
A CPFL Energia planeja um investimento de R$ 29,8 bilhões no período de 2025 a 2029, dos quais R$ 24,7 bilhões (correspondendo a 83%) serão destinados à distribuição. Este montante visa a modernização, digitalização e implementação de ações de resiliência em suas redes, com foco especial nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Neste último, a RGE concentrará aproximadamente R$ 9,3 bilhões do total. As frentes de atuação abrangem a implantação de redes automatizadas, a garantia de redundância de circuitos, o manejo proativo da vegetação adjacente às linhas de transmissão e o desenvolvimento de sistemas de previsão meteorológica potencializados por inteligência artificial. O programa “Arborização+Segura”, já agraciado com reconhecimento da ONU, já beneficiou 159 cidades e envolveu o plantio de 75 mil mudas e um investimento de R$ 18 milhões desde seu início, em 2015.
O avanço robusto das políticas públicas e os volumosos investimentos da iniciativa privada em adaptação climática marcam o início de um novo capítulo na interação entre infraestrutura e clima no Brasil. Esta é a análise de Cláudio Graeff, sócio-líder de infraestrutura da KPMG, que ressalta como as mudanças climáticas transitaram de uma variável secundária para um elemento intrínseco no planejamento e nos contratos de concessão. As portarias do MT, a Resolução nº 6.057 da ANTT e a Lei nº 14.904/2024 consolidaram essa transição. Entretanto, o país ainda se depara com o desafio de efetivar plenamente esse movimento.
Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), uma significativa parcela das agências reguladoras – 69% – ainda se encontra em estágios iniciais de gestão de riscos, um fator que limita a solidificação dos padrões de adaptação. Países e blocos como a União Europeia, Singapura, Austrália e Nova Zelândia já vinculam o financiamento público à precificação dos riscos climáticos, um modelo que o Brasil pode e deve considerar para acelerar sua transição. O verdadeiro desafio agora, como conclui Graeff da KPMG, é garantir que a resiliência climática ultrapasse o âmbito discursivo e se estabeleça como um critério palpável e central em todo o processo de investimento e construção de infraestrutura.
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Em suma, a emergência climática impõe uma reengenharia fundamental na forma como o Brasil planeja, constrói e opera sua infraestrutura. Desde o arcabouço regulatório até a atuação de grandes concessionárias e distribuidoras de energia, há um movimento contínuo para integrar a resiliência e a sustentabilidade no coração de cada projeto. Continue acompanhando a nossa editoria de Economia para mais análises aprofundadas sobre como o Brasil e o mundo estão se adaptando a um futuro em transformação.
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