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Branko Milanovic: Trump e o Neoliberalismo de Mercado Nacional

O conceito de neoliberalismo de mercado nacional, uma abordagem distinta atribuída por alguns a Donald Trump, é objeto de análise detalhada por parte de economistas. Branko Milanovic, um dos maiores especialistas em desigualdade global, aborda essa perspectiva ao discutir transformações econômicas e sociais que redefiniram o cenário geopolítico. Enquanto isso, o Brasil se destaca como […]

O conceito de neoliberalismo de mercado nacional, uma abordagem distinta atribuída por alguns a Donald Trump, é objeto de análise detalhada por parte de economistas. Branko Milanovic, um dos maiores especialistas em desigualdade global, aborda essa perspectiva ao discutir transformações econômicas e sociais que redefiniram o cenário geopolítico. Enquanto isso, o Brasil se destaca como um dos países latino-americanos que mais avançaram na redução da desigualdade nos últimos vinte anos, contrastando com tendências mundiais e mitigando disparidades de renda na região, um feito que a América Latina em geral registrou. Essa diminuição da desigualdade, observada em várias nações latinas, configura um padrão atípico quando comparado ao resto do globo.

Aprofundando nas particularidades do Brasil, o debate sobre uma possível taxação dos super-ricos em discussão no Congresso Nacional emerge como um tópico crucial. De acordo com o economista Branko Milanovic, tal proposta possui um potencial inequívoco para intensificar ainda mais a redução da desigualdade de renda no país. Contudo, é fundamental considerar o risco de uma eventual fuga de capital para o exterior, um argumento frequentemente levantado pelos críticos. Milanovic, ex-economista-chefe do departamento de pesquisa do Banco Mundial por quase duas décadas e atualmente professor na City University of New York (Cuny), observa que essa ameaça, embora recorrente, nem sempre se materializa na prática. Ele salienta que, para muitos investidores de alta renda, os rendimentos gerados no Brasil ainda superam os potenciais ganhos em outros destinos, diminuindo o incentivo para realocar fundos. A reforma do Imposto de Renda (IR) em pauta no Brasil inclui a elevação da faixa de isenção para R$ 5 mil mensais, uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, prevê um abatimento parcial para quem declara entre R$ 5 mil e R$ 7,35 mil.

Branko Milanovic: Trump e o Neoliberalismo de Mercado Nacional

Para compensar a possível queda na arrecadação decorrente do aumento da isenção, a proposta do governo federal mira na progressividade da tributação. Indivíduos com rendimentos anuais acima de R$ 600 mil passariam a ser taxados progressivamente em até 10%, com a alíquota máxima aplicada para rendas anuais superiores a R$ 1,2 milhão. Adicionalmente, lucros e dividendos distribuídos por empresas a seus acionistas, superando R$ 50 mil mensais – incluindo aqueles enviados para o exterior –, seriam tributados na fonte em 10%. Apesar da aprovação do regime de urgência, permitindo votação direta em plenário, a tramitação da reforma foi temporariamente adiada para priorizar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como “PEC da Blindagem”, que visa a proteção de parlamentares contra processos criminais.

A Evolução do Pensamento sobre Desigualdade

Em sua obra mais recente lançada no Brasil, Visões da desigualdade: Da Revolução Francesa até o fim da Guerra Fria (Todavia, 2025), Branko Milanovic examina por que a desigualdade perdeu proeminência nos estudos econômicos durante o período da Guerra Fria. O economista percorre a história do pensamento ocidental sobre o tema, analisando as contribuições de seis figuras canônicas: François Quesnay, Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Vilfredo Pareto e Simon Kuznets. Milanovic indaga hipoteticamente o que a obra de cada um revela sobre a distribuição de renda em suas respectivas épocas e como ela poderia mudar. A relevância dessa abordagem histórica é tripla: validação pela autoridade dos autores, demonstração de como a visão da desigualdade é moldada pelas condições históricas, e um lembrete crucial de que dois pilares importantes – a estrutura de classes e a ascensão das elites – foram negligenciados nos debates contemporâneos.

Milanovic ressalta que antes de Vilfredo Pareto, a distribuição de renda era majoritariamente percebida sob uma ótica de classes sociais: proprietários de terras, capitalistas e trabalhadores. O estudo da desigualdade de renda era, para autores como Quesnay, Smith, Ricardo e Marx, essencialmente um exame de quanto da produção total ou da renda era direcionado a cada uma dessas categorias. Esse enfoque, ele argumenta, praticamente desapareceu dos estudos atuais, influenciado tanto por motivações políticas que desestimularam o estudo de classes quanto por transformações na própria estrutura da economia neoclássica. Com a chegada de Pareto, a desigualdade interpessoal ganhou espaço, substituindo o foco na desigualdade entre classes, mas introduzindo a importância de uma elite no topo, tema pouco explorado pelos economistas até tempos recentes. Simon Kuznets, por sua vez, analisava a desigualdade como um produto das divergências de renda e produtividade entre setores como agricultura e indústria, e entre áreas rurais e urbanas.

Por Que a Desigualdade Foi Ignorada por Anos?

O esquecimento da estrutura de classes e da emergência das elites trouxe uma grave implicação: a economia neoclássica, que dominou entre 1970 e 2010, frequentemente desconsiderou as questões de desigualdade de renda. Segundo Milanovic, nos países capitalistas, essa ignorância decorreu principalmente da Guerra Fria, durante a qual os Estados Unidos buscaram afirmar a ausência de classes em sua sociedade. Fatores adicionais incluíram o financiamento de pesquisas por indivíduos muito ricos, que naturalmente desfavoreciam estudos sobre desigualdade, e a evolução da própria economia neoclássica, que trocou o estudo de classes por “agentes”, considerados iguais por definição, diferenciados apenas por seus níveis de capital. Milanovic aponta a América Latina como uma notável exceção, onde a flagrante desigualdade levou a um histórico de estudos que se estende por mais de um século, com menor influência das pressões da Guerra Fria para disfarçar as clivagens sociais.

Os últimos 20 a 25 anos trouxeram uma tendência marcante para a América Latina: a significativa diminuição da desigualdade, uma realidade comprovada por pesquisas domiciliares em quase todos os países da região, com a Colômbia sendo a exceção. O Brasil se destaca nesse cenário, apresentando uma impressionante redução do coeficiente de Gini – um indicador que varia de 0 a 100, onde 100 representa a desigualdade máxima – que caiu de 60 para aproximadamente 48. Mesmo ajustando os dados para a subnotificação de renda no topo, o declínio da desigualdade permanece visível, ainda que em menor escala. Atualmente, a desigualdade brasileira é ligeiramente superior à da China, uma notável inversão de cenário em comparação com duas décadas atrás. Embora a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha tido um papel crucial, Milanovic acredita que esse processo de declínio da desigualdade no Brasil começou ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, impulsionado por forças econômicas e não apenas por políticas públicas.

A Grande Transformação Global e a Ascensão do “Neoliberalismo de Mercado Nacional” de Trump

O economista Branko Milanovic também antecipa o lançamento de seu novo livro nos Estados Unidos, em novembro: The Great Global Transformation: National Market Liberalism in a Multipolar World (que será editado no Brasil pela Todavia em 2026). Nele, Milanovic aprofunda a discussão sobre o impacto da ascensão econômica da Ásia – especialmente China, Índia, Indonésia e Vietnã – nas últimas décadas. Essa mudança redesenhou a distribuição global de renda, levando a uma crescente insatisfação das classes médias em países desenvolvidos e, consequentemente, a eventos políticos como a eleição de Donald Trump nos EUA e diversas instabilidades na Europa. Segundo o especialista, Trump representa um tipo de “neoliberal otimista” que adota políticas mercantilistas no âmbito da política externa.

Para Milanovic, a obra se propõe a explicar como os processos de recalibração do poder econômico entre a Ásia e o Ocidente influenciaram tanto a estabilidade geopolítica quanto a interna dos países. Há uma mudança no poder econômico entre nações que se reflete na alteração das posições de indivíduos na hierarquia de renda global. A insatisfação das classes médias ocidentais, que veem suas posições na ordem global declinar, manifesta-se no campo político, culminando em fenômenos como a eleição de Trump. A famosa “curva do elefante”, criada por Milanovic, é o ponto de partida dessa análise. Este gráfico ilustra as diferentes taxas de crescimento da renda para várias faixas de renda no mundo entre 1988 e 2008, elucidando a substituição gradual de parte da elite global, tradicionalmente ocidental, por uma nova elite emergente dos grandes países asiáticos e outras economias, como o Brasil. Milanovic já estendeu os dados da curva até 2023, observando que, embora o crescimento das classes médias globais persista e o das classes médias-altas ocidentais continue baixo, o topo da distribuição de renda tem crescido em ritmos muito menores desde a crise financeira de 2008.

A definição de Donald Trump como um “neoliberal otimista” por Branko Milanovic reside em uma diferenciação crucial entre o neoliberalismo doméstico e o externo. Internamente, Trump implementou medidas neoliberais como a desregulamentação, a redução de impostos – favorecendo o capital e os mais ricos – e o desejo por um estado menor. Internacionalmente, no entanto, sua política assume uma postura mercantilista, com foco em protecionismo e intervencionismo comercial. Milanovic chama isso de “liberalismo de mercado nacional”, onde o neoliberalismo se restringe ao mercado interno e não se estende à esfera social ou internacional. O confronto de Trump com o Federal Reserve (Banco Central dos EUA) é visto como uma manifestação desse “otimismo neoliberal”. Milanovic argumenta que a independência dos bancos centrais, historicamente um projeto neoliberal que buscava resguardar decisões econômicas do controle popular por receio de partidos social-democratas ou socialistas, foi desafiada por Trump, que, confiante em seu próprio poder, não viu razão para não controlar o Fed. A independência dos bancos centrais, promovida fortemente nas décadas de 1980 e 1990 em muitos países, gerou discussões sobre a supervisão democrática dessas instituições.

Quanto ao impacto das tarifas mais elevadas impostas pelo governo Trump sobre nações mais pobres em comparação com as mais ricas, Branko Milanovic reconhece que elas podem afetar as tendências globais de desigualdade. Cita o caso da Índia e do Brasil, que sofreram taxações de 50%, gerando um impacto estimado em cerca de 1% a 1,5% do PIB, o que não é desprezível. No entanto, o economista relativiza a longevidade e o impacto profundo dessas medidas no cenário global de desigualdade, descrevendo-as como parte de um “jogo” de negociação de Trump, cujas tarifas podem mudar rapidamente. Embora relevantes no curto prazo para os países afetados, a escala da desigualdade global é tão vasta que, em um horizonte de tempo maior, tais medidas podem não ter uma visibilidade tão clara ou um efeito duradouro.

Confira também: artigo especial sobre leis e valortrabalhista

Branko Milanovic, com suas análises sobre a complexidade da desigualdade e as mudanças globais de poder, oferece uma lente valiosa para compreender tanto a reforma tributária no Brasil quanto as dinâmicas econômicas de figuras como Donald Trump e seu “neoliberalismo de mercado nacional”. Suas perspectivas históricas e contemporâneas convidam à reflexão sobre a estrutura de classes, o papel das elites e as transformações econômicas globais. Para aprofundar seu conhecimento sobre o cenário político-econômico e outras análises relevantes, convidamos você a explorar mais artigos em nossa editoria de Política.

Crédito da imagem: BBC News Brasil

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