Bolha no Mercado de IA: Sinais Preocupam Analistas e Investidores

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A possível formação de uma bolha no mercado de inteligência artificial (IA) tem gerado grande preocupação entre economistas e investidores, levando instituições financeiras a emitirem alertas. As projeções de investimentos trilionários nessa tecnologia futurista colocam em perspectiva duas realidades opostas: a validação de um setor revolucionário ou o estopim de uma implosão econômica significativa. A natureza exata desse “estouro” – seja ele o sucesso monumental ou o colapso de uma bolha especulativa – é a principal interrogação que paira sobre o cenário atual.

Nos últimos meses, a inquietação intensificou-se no mercado global. Diversas autoridades e analistas financeiros têm manifestado preocupação com a valorização exponencial das companhias atuantes no setor de IA. O temor reside na possibilidade de uma rápida e drástica correção, evento que se assemelha ao rompimento de uma bolha especulativa e pode desencadear consequências adversas para a economia global.

Bolha no Mercado de IA: Sinais Preocupam Analistas e Investidores

Em um sinal de alerta de grande relevância, o Banco Central da Inglaterra, por exemplo, demonstrou inquietação com a vasta valorização das empresas de inteligência artificial, destacando o risco iminente de uma “correção súbita” no mercado financeiro global. No mesmo período, Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), corroborou esses temores ao fazer um alerta similar. A apreensão acerca da estabilidade desse mercado não é nova; já em agosto, Sam Altman, o CEO da OpenAI, empresa precursora do ChatGPT, havia sugerido durante um encontro com jornalistas que uma bolha de mercado em torno da IA poderia estar em gestação, intensificando a discussão sobre a sustentabilidade do atual ritmo de crescimento e investimento.

Investimento Massivo e o Descompasso com a Receita Real

Uma série de indicadores financeiros e tendências de mercado tem levantado bandeiras vermelhas para especialistas econômicos. Desde a democratização do ChatGPT em 2022, o mercado de ações dos Estados Unidos registrou um crescimento substancial de US$ 21 trilhões, equivalente a aproximadamente R$ 113 trilhões. Deste montante, mais da metade é atribuída a apenas dez empresas, muitas das quais possuem forte atuação em inteligência artificial, incluindo gigantes como Amazon, Nvidia e Broadcom.

O fluxo de capital para as empresas de IA atingiu níveis sem precedentes. Estimativas do banco Morgan Stanley apontam que os investimentos no segmento podem totalizar quase US$ 3 trilhões (cerca de R$ 16 trilhões) no período entre 2024 e 2028. Contudo, grande parte desses vultosos montantes representa uma aposta ambiciosa em um futuro em que a IA, em teoria, terá alcançado seu potencial transformador em diversas economias. No momento presente, no entanto, a concretização desse cenário ainda se mostra incerta. Um ponto crucial de preocupação é o abismo existente entre o volume de investimentos atraídos e a efetiva receita gerada por essas companhias. Um exemplo marcante é a OpenAI, com uma avaliação de mercado estimada em US$ 500 bilhões (cerca de R$ 3 trilhões), mas que apresenta uma receita anual de aproximadamente US$ 13 bilhões.

Este descompasso numérico ilustra uma questão fundamental: quando, de fato, a demanda pela tecnologia de inteligência artificial se materializará de forma a justificar e sustentar esses gigantescos aportes financeiros? A incerteza paira sobre a sincronia entre as grandiosas promessas de longo prazo da IA e as expectativas de retorno financeiro que se delineiam em curto e médio prazos.

Adoção da IA: Usuários versus Empresas

No que tange aos consumidores comuns, a velocidade da adoção da inteligência artificial foi notável. O ChatGPT, logo após seu lançamento, conquistou a marca de 100 milhões de usuários em apenas dois meses, estabelecendo um recorde como o aplicativo de mais rápido crescimento na história. Atualmente, o chatbot conta com cerca de 800 milhões de usuários ativos; no entanto, apenas uma pequena parcela, aproximadamente 5%, efetua o pagamento de uma assinatura para ter acesso a funcionalidades premium.

Embora os dados sobre a adoção da IA por parte das empresas também sejam expressivos, eles levantam algumas ressalvas. Um estudo da Universidade Stanford indicou que 78% das empresas declararam ter adotado a IA em suas operações até 2024. Paralelamente, um relatório anual divulgado pela consultoria McKinsey em 2024 aponta que somente 1% dessas empresas que já implementaram a tecnologia consideram ter alcançado um nível de maturidade pleno em sua aplicação.

Paulo Carvão, ex-executivo da IBM com três décadas de experiência e atualmente pesquisador em Harvard, sublinha que a assimilação da IA no ambiente corporativo é um processo inerentemente mais complexo. Segundo Carvão, empresas tendem a ser mais cautelosas ao avaliar os potenciais riscos relacionados à segurança e à reputação, além de serem rigorosas na análise do retorno sobre o investimento. Para o especialista, o fervor e o engajamento observados no consumo individual de IA precisam, urgentemente, traduzir-se em uma adoção corporativa de mesma escala. Se esse movimento não ocorrer, alerta ele, o grande volume de investimentos em infraestrutura como chips e data centers poderá resultar em uma significativa capacidade ociosa.

Carvão reforça que “se houver um descompasso e a demanda não se concretizar antes que esses investimentos se tornem obsoletos, a bolha inevitavelmente irá estourar”. Este cenário acende um alerta sobre a necessidade de alinhamento entre a capacidade instalada e a efetiva utilização da tecnologia para garantir a sustentabilidade do setor.

Obsolescência e os Desafios de Infraestrutura

A constante evolução tecnológica, em particular a modernização de hardware, introduz um fator de temporalidade crítico para o mercado de inteligência artificial. As Unidades de Processamento Gráfico (GPUs), que representam um dos componentes mais custosos na construção e manutenção de data centers, possuem um ciclo de obsolescência relativamente rápido, variando entre três e seis anos. Essa característica exige que as empresas de IA realizem renovações contínuas de seu parque computacional, impondo um cronômetro ao investimento e retorno no setor.

O paralelo histórico com a “bolha pontocom”, que marcou a virada para o século 21, ressoa como um fantasma na mente de investidores e analistas do mercado de IA. Naquele período, muitos que apostaram em empresas de tecnologia tinham a premissa correta de que a internet seria a tecnologia dominante do futuro. O grande desafio, no entanto, foi o tempo de maturação da demanda e da infraestrutura. A consolidação da infraestrutura necessária para suportar o crescimento da internet demorou mais de duas décadas. O cerne da questão reside, portanto, na sincronia entre os ciclos de investimento de capital e a demanda real e consolidada pela tecnologia.

“Hoje somos os beneficiários dos investimentos daquela época”, analisa Carvão. No entanto, ele distingue: “Existe uma diferença entre a fibra óptica da era pontocom e a GPU da Nvidia. Hoje, ainda utilizamos os mesmos cabos daquela época. Já os chips, em contraste, precisarão ser atualizados em até seis anos. Ou seja, existe uma demanda contínua por novas GPUs, mas se a demanda por IA não se materializar… É como pedalar uma bicicleta: enquanto você pedala, ela não cai.” A metáfora ilustra a dependência do setor de IA de um crescimento contínuo e sustentável.

Além da questão da obsolescência tecnológica, o próprio desenvolvimento da infraestrutura de IA pode encontrar barreiras significativas. Limitações de espaço físico adequado com acesso a recursos essenciais como água e energia para os data centers, o fornecimento instável de eletricidade e a crescente escassez de mão de obra especializada representam desafios consideráveis. Embora a inteligência artificial frequentemente seja associada à computação na “nuvem” e a conceitos etéreos, ela está, de fato, firmemente ancorada no mundo material e sujeita às suas restrições inerentes.

Concentração de Mercado e Investimentos Circulares

Outros fatores mercadológicos apontados por Paulo Carvão e outros especialistas também sinalizam a potencial formação de uma bolha. Uma dessas evidências é a acentuada concentração do mercado financeiro em empresas de tecnologia. No auge da bolha pontocom, 17% da performance do índice S&P 500 era atribuível a companhias do setor. Atualmente, esse índice já ultrapassa um terço.

Adicionalmente, as sete empresas que lideram a Bolsa de Valores de Nova York são todas do segmento tecnológico: Nvidia, Microsoft, Apple, Google, Amazon, Meta e Tesla. Embora as principais empresas de inteligência artificial, como a OpenAI, possuam capital fechado e não constem diretamente nessa lista, seus acordos comerciais estratégicos com essas companhias de capital aberto impulsionam indiretamente o crescimento e a valorização destas últimas na bolsa.

Este arranjo, todavia, gera inquietação entre os analistas, que identificam um fenômeno de circularidade nos investimentos, característica comum em bolhas tecnológicas. Um exemplo evidente é o modelo observado: em setembro, a Nvidia anunciou um investimento de US$ 100 bilhões na OpenAI. Consequentemente, a OpenAI adquire GPUs da Nvidia. Ao mesmo tempo, a OpenAI mantém contratos com grandes empresas de computação em nuvem, como Microsoft e Oracle, que por sua vez, também dependem diretamente dos chips fabricados pela Nvidia. Essa interconexão levou alguns a apelidarem a Nvidia de “banco central da IA”.

Este emaranhado de acordos complexos resulta em uma intrincada engenharia financeira. Se qualquer uma das companhias nessa teia sofrer um revés, o risco de um efeito cascata que afete as demais aumenta substancialmente. Este sistema se solidificou em grande parte porque empresas de IA, com destaque para a OpenAI, foram bem-sucedidas em persuadir o Vale do Silício da necessidade de construir infraestruturas cada vez maiores para impulsionar o desenvolvimento de seus produtos, seguindo um modelo de ganho de escala.

De acordo com Sam Altman, o retorno sobre o investimento (ROI) desses esforços massivos virá de tecnologias ainda em fases de desenvolvimento. Como exemplo, a OpenAI anunciou o lançamento de seu próprio navegador web nesta semana, projeto visto como uma das novas fronteiras para a utilização da inteligência artificial e uma promessa de futuros rendimentos.

Argumentos Contrários e o Cenário Macroeconômico

É importante notar que nem todos os especialistas concordam com a visão de que o mercado de inteligência artificial está prestes a estourar em uma bolha. Um recente relatório do banco Goldman Sachs, por exemplo, contrariou a narrativa prevalente, defendendo que a ascensão das ações de tecnologia possui “fundamentos sólidos” e que a concentração de mercado, embora seja um ponto de atenção, não é necessariamente um indicativo inevitável de uma crise iminente.

Líderes de grandes empresas de tecnologia, como Jeff Bezos da Amazon, argumentam que, mesmo que algumas empresas fracassem nessa corrida pela IA, os avanços tecnológicos duradouros e o legado para a sociedade serão notáveis, da mesma forma que ocorreu após a bolha pontocom. Outra linha de argumentação defende que todo avanço tecnológico disruptivo é historicamente alvo de acusações de ser uma bolha e que, no contexto da IA, as empresas líderes são financeiramente robustas, operando majoritariamente com capital próprio e com baixa dependência de endividamento. Segundo essa perspectiva, o impacto de uma eventual ruptura seria restrito e não representaria uma ameaça sistêmica à economia global.

Contrariamente a essa visão, José Julio Senna, economista da FGV e ex-diretor do Banco Central, que monitora de perto a economia americana, adverte. Ele destaca que, desde o início do governo de Donald Trump, as projeções dos analistas apontavam para uma retração no consumo das famílias e nos gastos corporativos, mas o que se observa é o oposto: um cenário de demanda aquecida. Senna conecta esse dinamismo ao setor de IA: “O entusiasmo com a IA é grande. Mas o que isso tem a ver com o consumo? A valorização do mercado acionário cria um ambiente de entusiasmo e influencia o restante da sociedade também”, ele explica, lembrando que as famílias americanas possuem uma participação em ações muito maior do que as brasileiras. “A economia americana está muito bem. Isso tem a ver com a pujança do consumo e a riqueza gerada na bolsa.”

Para se ter uma dimensão do impacto, estima-se que a aceleração do PIB americano no último ano deva cerca de 40% ao crescimento impulsionado pela IA. A fervorosa aposta em inteligência artificial tem sido um elemento crucial para reverter prognósticos pessimistas associados à guerra comercial sob Donald Trump, a erosão democrática interna nos EUA e a ascensão da dívida pública. Dessa forma, uma significativa retração no segmento das empresas de tecnologia e, por consequência, da IA, representaria um golpe considerável para a economia do país.

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A discussão sobre a natureza do atual boom da inteligência artificial continua. Seja uma onda transformadora ou um fenômeno com riscos inerentes de uma bolha, o setor se posiciona como um dos motores mais importantes da economia global. Para aprofundar seu conhecimento sobre os movimentos econômicos e suas consequências, convidamos você a explorar outras matérias da nossa editoria de economia.

Crédito da imagem: Shelby Tauber/Reuters

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