A personagem Odete Roitman, vilã imortalizada na telenovela “Vale Tudo”, foi revisitada recentemente com a morte de sua nova intérprete no remake. A versão original, contudo, é a que permanece gravada na memória do público, muito graças à atuação magistral de Beatriz Segall. A atriz, falecida em 2018, expressou em uma entrevista rara suas impressões sobre a figura que a catapultou à consagração e, ao mesmo tempo, a marcou para sempre na cultura popular brasileira.
Em um contexto de renovada atenção à obra original, por ocasião de uma reexibição no canal Viva há aproximadamente 15 anos, Beatriz Segall, então com 84 anos, recebeu a equipe da Folha em seu apartamento no Leblon, Rio de Janeiro. A veterana artista acompanhou um dos capítulos iniciais da trama, aquele que marca a primeira aparição de sua icônica vilã. Sua participação no clássico de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères transcendeu a tela, tornando-se um marco televisivo.
Beatriz Segall sobre Odete Roitman: verdades amargas do Brasil
Na conversa, Segall manifestou seu orgulho por Odete Roitman, mas confessou certa exaustão em ser constantemente questionada sobre o misterioso assassinato da personagem, ocorrido décadas antes. “É chato”, comentou, revelando o cansaço diante de uma indagação perene. Mais relevante do que a intriga sobre a morte de Odete, para Beatriz Segall, era o conteúdo de suas falas. Segundo a atriz, as “coisas horrorosas” proferidas por Odete sobre o Brasil eram, na realidade, verdades incontestáveis, ainda que proferidas com uma arrogância peculiar.
A Lenda de Odete Roitman: Impacto nos Vilões Televisivos
A entrevista revelou detalhes íntimos da experiência de Beatriz Segall com a personagem. Ao assistir à sua entrada em cena, com o mordomo Eugênio (Sérgio Mamberti) comparando a chegada de Odete à da Bruxa Má do Oeste de “O Mágico de Oz”, Segall reagiu com um irônico “Que horror o que fizeram de mim”. A atriz destacou o papel transformador de Odete Roitman na televisão brasileira. Anteriormente, muitos atores relutavam em interpretar vilões por considerá-los prejudiciais à carreira publicitária. Com Odete, essa percepção mudou.
Beatriz Segall lembrou que antes de “Vale Tudo”, havia resistência em assumir papéis antagônicos. Ela citou Tônia Carrero em “Água Viva”, que se recusou a viver a vilã da trama, abrindo caminho para que Segall interpretasse a marcante Lourdes. Inclusive, Odete Roitman foi pioneira ao ser protagonista de uma campanha publicitária, antes mesmo de seu desfecho. O publicitário Washington Olivetto a contatou para um anúncio de companhia de seguro, utilizando uma foto da vilã com a frase: “Nunca se sabe o dia de amanhã. Faça seguro”.
Análise Política e o Cenário Brasileiro Pela Ótica de Segall
A discussão com Beatriz Segall inevitavelmente pendeu para questões sociais e políticas, ecoando a natureza crítica de sua personagem. Para ela, a sociedade brasileira de 2010 (época da entrevista) parecia “mais acostumada com os tipos vilões, principalmente na política”. A atriz avaliou o cenário como “mais escandaloso” do que em 1988, ano da exibição original de “Vale Tudo”.
Em sua análise, a percepção predominante era a de que o brasileiro tinha a “convicção absoluta de que tirar vantagem vale a pena”. Segall pontuou que os governos de sua contemporaneidade exibiam seus atos de forma mais transparente e, por vezes, até com a complacência das mais altas autoridades. “O Brasil continua merecendo uma banana”, sentenciou a atriz, em uma clara referência à cena icônica de “Vale Tudo”, onde o vilão Marco Aurélio (Reginaldo Faria) demonstra seu desprezo pelo país. A profundidade com que os folhetins nacionais refletem ou antecipam debates sociais e políticos é notável. Para saber mais sobre a relevância desses temas, confira um artigo detalhado sobre o impacto das novelas brasileiras na cultura do país.
Elenco e A Imagem Pública de Beatriz Segall
No meio de suas reflexões, Beatriz Segall pausou a análise para tecer elogios ao elenco de “Vale Tudo”. Ela enalteceu Claudio Corrêa e Castro como o “maior ator do Brasil” e reconheceu a “brilhante” atuação de Glória Pires, além da beleza de Nathália Timberg na época. A interpretação de Renata Sorrah como Heleninha, filha de Odete, também recebeu aplausos: “Olha só o estrago que ‘eu’ faço. A Renata fez muito bem esse papel. Agora, a Glória Pires realmente brilhou.”
Ainda que admirada por sua atuação, Beatriz Segall conviveu com uma reputação de “intratável”. Ela relata episódios de fãs que a abordavam na rua chamando-a de Odete, ou que tentavam arrancar seus óculos. A atriz definia a experiência como “cansaço”, afirmando detestar “intimidade forçada” e recusando tirar fotos. Acreditava que essa fama de ser pouco acessível, pela qual não entendia a razão, era semelhante ao que se dizia de Bette Davis, figura por quem nutria profundo orgulho de ser comparada. Segall, contudo, fez a ressalva: era um “leão domado”, diferente de Davis, que seria “antipática por natureza”.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
As Novelas Atuais e o Legado de Odete Roitman nas Redes Sociais
O universo das redes sociais demonstrava, à época da entrevista, uma intensa devoção a Odete Roitman, inclusive entre gerações que não viveram a primeira exibição da novela. Perfis falsos dos personagens de “Vale Tudo” eram criados, reproduzindo falas icônicas e gírias da época. Essa geração, que aguardava ansiosamente a chegada da vilã ao remake, costumava comparar “Vale Tudo” com as produções atuais, que considerava de menor qualidade.
Beatriz Segall endossava essa crítica às novelas contemporâneas. Em sua avaliação, a indústria havia se transformado pela influência do dinheiro dos anunciantes e da crescente concorrência. Ela lamentava ver na Globo práticas e conteúdos que seriam impensáveis no tempo de Roberto Marinho: “Certo tipo de cena, de personagem, as bobagens que são ditas, a falta de consistência nos enredos…”. A atriz foi além, expressando ceticismo sobre a capacidade da Globo de “ter elenco para fazer um remake de ‘Vale Tudo’”, tamanha a diferença na qualidade dos talentos percebida por ela. Sobre seu relacionamento com o patriarca da Rede Globo, a atriz o descreveu como “muito distante”, apesar de alguns jantares e visitas sociais.
Os fãs da vilã de “Vale Tudo” no Twitter chegavam a organizar festas em homenagem a Odete. Em uma delas, chamada “Laje Tudo”, foram enviadas perguntas para Beatriz responder como se fosse sua personagem. A atriz gargalhou ao ouvir uma delas: “Odete, de que cor você pintaria aquela gentinha marrom [forma como se referia aos brasileiros]?”. Sua resposta, com o desprezo peculiar da vilã, foi: “De marrom mesmo. É uma cor triste”.
No clímax da entrevista, ao assistir novamente a uma cena da entrada de Odete Roitman, Beatriz Segall reforçou a importância do papel. “Ela era engraçada. Dizia coisas horrorosas sobre o Brasil, mas eram todas verdadeiras. Eram coisas que os brasileiros precisavam ouvir, não com aquele pedantismo todo. Eu até nem gosto de falar isso, porque o público me confunde com a personagem, mas eu tinha prazer em falar aquelas coisas, porque elas precisavam ser ditas”. Segall ainda apontou que “as roupas, embora hoje estejam fora de moda, eram sensacionais” e descreveu a cena como “emblemática” para a definição de Odete. A novela, em sua opinião, “tem cenas antológicas. Continua atual”. O auge da identificação com o papel veio ao responder a outro internauta: “Dona Odete, você se foi há 20 anos e isso aqui continua a mesma merda. Por que voltou?”. A resposta imediata e mordaz de Beatriz, assumindo o alter ego, foi: “Para lembrar às pessoas que continua tudo uma merda”.
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As reflexões de Beatriz Segall sobre Odete Roitman e o Brasil atestam a força atemporal de “Vale Tudo” e a perspicácia de uma atriz que soube dar vida a uma das maiores vilãs da televisão. Suas verdades ácidas continuam a provocar discussões sobre a cultura e a política brasileiras. Para aprofundar-se em outras figuras emblemáticas da nossa telinha, convidamos você a explorar mais sobre biografias e legados em nossa editoria de celebridades.
Crédito da imagem destacada: Beatriz Segall, a Odete Roitman da ‘Vale Tudo’ original – Globo
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