O Banco do Brasil (BBAS3), protagonista no financiamento do agronegócio brasileiro, está implementando uma nova e mais rígida política de concessão de crédito. Em resposta a uma crescente onda de inadimplência no setor rural, a instituição ameaça vetar novos empréstimos para produtores que entrarem com pedido de recuperação judicial. Esta decisão representa uma guinada significativa na relação histórica do banco com o segmento agropecuário, refletindo um cenário econômico desafiador e uma mudança estratégica em seu gerenciamento de riscos.
Felipe Prince, diretor de riscos do Banco do Brasil, manifestou-se claramente sobre a nova abordagem em entrevista, declarando que esses produtores “não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais”. Segundo o executivo, a recuperação judicial configura uma “armadilha” para o produtor, pois resulta na interrupção do acesso ao financiamento essencial, comprometendo severamente a capacidade de planejar e executar a safra seguinte. Esta declaração sublinha a seriedade com que o banco vê a situação e sua determinação em conter os riscos associados.
Além da interdição de novos empréstimos, o banco tem endurecido sua posição em outras frentes. As negociações de dívidas estão mais severas, e a concessão de crédito exige maior cautela, com pedidos de pagamentos acelerados e garantias mais robustas. Essa reconfiguração na estratégia do maior financiador do setor se sucede à decisão judicial que permitiu a produtores individuais pleitearem proteção contra credores, bem como a ajustes contábeis internos que culminaram no registro do menor lucro da instituição em quase cinco anos, reportado no segundo trimestre do ano corrente.
Banco do Brasil Restringe Crédito a Produtores Rurais com RJ
Os números divulgados pelo próprio Banco do Brasil ilustram a magnitude do problema: um montante de R$ 5,4 bilhões em empréstimos está inadimplente em decorrência de solicitações de recuperação judicial, englobando 808 produtores rurais. Esse universo de clientes, entre 1 milhão de correntistas, contrasta com uma carteira de crédito destinada ao agronegócio que alcançou R$ 404,9 bilhões até junho. Os dados demonstram o impacto financeiro direto que a onda de recuperação judicial tem causado no caixa da instituição.
Prince, com mais de 25 anos de dedicação ao Banco do Brasil, observa que o agronegócio atravessa um período de “transformação profunda”. Ele destaca a inédita situação de 75% dos produtores em mora financeira enfrentarem essa condição pela primeira vez, evidenciando uma alteração no perfil de endividamento do setor. A taxa de inadimplência da carteira rural ascendeu 2,2 pontos percentuais em um ano, atingindo 3,5% em junho, mesmo entre aqueles que não acionaram a proteção judicial. Esse cenário alarmante demonstra uma vulnerabilidade crescente entre os agricultores.
Esse cenário de crescente inadimplência forçou o Banco do Brasil a aumentar as provisões para perdas com crédito, impactando diretamente sua rentabilidade. O retorno sobre o patrimônio líquido da instituição declinou de 21,6% para 8,4% no mesmo período, sublinhando que a queda no lucro do Banco do Brasil é um indicador palpável das adversidades enfrentadas por agricultores e entidades financeiras num dos mais proeminentes polos agrícolas globais. As consequências dessa instabilidade financeira ressoam por toda a cadeia produtiva.
Os elevados custos relacionados ao crédito rural colocaram o Banco do Brasil na lanterna entre os grandes bancos nacionais no primeiro semestre do ano. Analistas de mercado antecipam que essa diferença se manterá nos próximos balanços. Pedro Leduc, analista do Itaú BBA, comentou em relatório sobre o terceiro trimestre que o Banco do Brasil “deve ser o último a divulgar resultados e provavelmente o mais fraco do grupo”. A publicação do balanço está prevista para 12 de novembro. Gustavo Schroden, analista do Citigroup, corrobora essa expectativa, prevendo que o terceiro trimestre será o mais desfavorável do ano para o Banco do Brasil, dada a persistência dos desafios no agronegócio.
A expectativa é que um programa de renegociação de dívidas lançado pelo governo ainda não surta efeitos expressivos no balanço iminente, pois o banco só o disponibilizou no final de outubro. No entanto, quaisquer sinais de adesão dos clientes a esta iniciativa serão observados como um “indicador relevante” por analistas como Schroden, fornecendo pistas sobre a capacidade do governo em aliviar as tensões no setor. Os resultados efetivos das renegociações são cruciais para a estabilidade futura.
Tradicionalmente, os produtores rurais conferiam prioridade ao pagamento de suas dívidas junto ao Banco do Brasil, instituição responsável por aproximadamente 60% do crédito rural no país, parte dele concedido com juros subsidiados. O BB era visto como um “parceiro de longo prazo”, como salientou Prince: “Fomos sempre o banco que voltava, negociava, prorrogava vencimentos e não cortava linhas de crédito”. No passado, em situações de falta de acordo, a perda da propriedade rural era um risco iminente, uma vez que muitos empréstimos eram garantidos por hipotecas. Esse panorama, contudo, sofreu profundas alterações após a recente autorização judicial. Saiba mais sobre essa matéria no portal do Conselho Nacional de Justiça.

Imagem: Divulgação via infomoney.com.br
A pujança do agronegócio, impulsionada em especial durante e após a pandemia, atraiu novos players para o setor financeiro, a exemplo dos Fiagros – fundos de investimento que operam com títulos lastreados em recebíveis do campo. “Entrou mais crédito, mas foi justamente esse crédito que superalavancou o segmento”, afirmou Prince. Contudo, essa euforia foi seguida pela queda nos preços das commodities, pelo aumento das taxas de juros e pela recorrência de desastres climáticos, gerando um acréscimo nos calotes. Nesse novo panorama, os Fiagros começaram a demandar pagamentos antecipados, pressionando ainda mais os produtores.
Diante das mudanças, muitos produtores passaram a privilegiar a quitação de títulos vinculados aos Fiagros ou a recorrer à recuperação judicial. Essa última alternativa, conforme explicitado, impede o Banco do Brasil de reter as terras oferecidas como garantia. “Há uma mudança de comportamento”, pondera Prince, e “essa mudança nos obriga a nos adaptar a uma nova realidade”. Em resposta, a instituição financeira implementou novas camadas de segurança para assegurar que as garantias imobiliárias não sejam resguardadas em processos de recuperação judicial. A substituição das hipotecas pela alienação fiduciária é a nova modalidade em vigor, onde a propriedade do bem permanece com o credor até que a dívida seja completamente quitada.
Contudo, a adoção da alienação fiduciária eleva o custo do crédito para os produtores rurais, tornando o acesso ao financiamento mais oneroso e, em alguns casos, inviável para pequenos e médios agricultores. Relatórios de analistas do JPMorgan, liderados por Yuri Fernandes, indicam que as alterações também freiam a liberação de novos financiamentos. “Os novos desembolsos estão ocorrendo, mas de forma mais lenta, porque há exigência de mais garantias, o que demanda mais tempo”, pontuaram, alertando para os impactos na fluidez dos investimentos no campo.
Paralelamente, o Banco do Brasil reduziu significativamente os prazos de ação em caso de atraso nos pagamentos. O contato com o produtor passou de 30 para 5 dias após o vencimento, e o acionamento judicial, antes efetuado entre 90 e 180 dias, agora ocorre em apenas 30 dias. Adicionalmente, o banco investe em inteligência artificial para classificar seus clientes conforme a capacidade de pagamento, otimizando as estratégias de concessão, renegociação ou suspensão de crédito de forma mais ágil e assertiva.
As iniciativas de renegociação, visando prevenir calotes, também foram intensificadas, embora com um limite bem definido. “Não existe dívida que não possa ser negociada conosco”, reforçou Prince. Ele concluiu que “o produtor tem toda nossa disposição para conversar, não importa a complexidade da situação — exceto se ele pedir recuperação judicial”. A clareza e a rigidez desta posição redefinem as condições de parceria entre o Banco do Brasil e o agronegócio, moldando um novo futuro para o crédito rural no país.
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Em suma, a redefinição da política de crédito do Banco do Brasil, em resposta à elevação da inadimplência e à nova dinâmica da recuperação judicial no agronegócio, marca uma nova era na relação entre a instituição e os produtores rurais. Com maior rigor nas exigências de garantia e nos prazos de negociação, o banco busca adaptar-se a um cenário complexo, equilibrando a proteção de seu patrimônio com a manutenção do fluxo de financiamento para um setor vital da economia brasileira. Para se aprofundar sobre o impacto das políticas financeiras na economia brasileira, explore outras análises em nossa editoria de Economia e mantenha-se informado sobre os acontecimentos que moldam o cenário financeiro do país.
Crédito da imagem: Bloomberg L.P.

 
						