O Banco Central estabelece regras para criptoativos no Brasil, demarcando um novo patamar para a negociação de ativos digitais e serviços financeiros relacionados no país. Em uma série de três resoluções publicadas nesta segunda-feira, 10 de julho, a autarquia formalizou diretrizes cruciais que impactam desde as operações cambiais até a constituição de empresas dedicadas ao setor, as chamadas Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (SPSVAs).
As normativas abrangem aspectos vitais para o ecossistema de criptoativos, esclarecendo quais tipos de transações com esses ativos são consideradas operações de câmbio e definindo as circunstâncias em que estão sujeitas às regulamentações de capitais internacionais. Esta movimentação visa trazer maior transparência e segurança jurídica para um mercado em constante evolução.
Banco Central Estabelece Regras Para Criptoativos no Brasil
A iniciativa do Banco Central reflete um cenário global de discussão e regulamentação do universo cripto. Gilneu Vivan, diretor de Regulação do Banco Central, destacou a importância do tema. Segundo ele, é um debate com grande ressonância em múltiplos fóruns, tanto nacionais quanto internacionais, dada a sua conexão com a estabilidade do sistema financeiro e os riscos de uso desses instrumentos para atividades ilícitas, como a ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro. O grande desafio, conforme Vivan, consistiu em encontrar o equilíbrio entre estimular a inovação e garantir a segurança nas operações do setor financeiro nacional.
Os Pilares da Regulamentação e Visão Estratégica
Apesar dos desafios inerentes ao ambiente dos criptoativos, o Banco Central reconhece seu vasto potencial. A instituição enfatiza que os ativos virtuais oferecem uma oportunidade significativa para a inovação no sistema financeiro, impulsionada pela gestão descentralizada, pela redução de custos transacionais, pelos ganhos em transparência e pela maior integração entre distintos tipos de produtos e serviços. O órgão ressaltou que essas ferramentas são instrumentais para impulsionar a eficiência e ampliar a inclusão financeira em diversas camadas da sociedade.
A essência da regulamentação reside em um duplo objetivo: mitigar os riscos associados aos sistemas virtuais que operam sem uma administração centralizada, ao mesmo tempo em que se busca evitar a obstrução do surgimento de novas tecnologias e soluções no setor. Os princípios basilares que guiaram a elaboração dessas regras incluem a livre iniciativa e a livre concorrência, ao lado da proteção e da defesa dos direitos dos consumidores e usuários de ativos virtuais, garantindo um ambiente equilibrado e justo para todos os participantes.
Enquadramento Legal e Participação Multisetorial
O processo regulatório é o desdobramento de uma estrutura legal pré-existente. Em 2022, a Lei 14.478 delineou as diretrizes para a prestação de serviços de ativos virtuais em todo o território nacional. Em 2023, o Decreto 11.563 confirmou a atribuição do Banco Central como o órgão regulador competente para o setor de criptoativos. A construção dessas normas não foi um trabalho isolado do Banco Central. Receita Federal e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contribuíram de forma integrada e transversal, consolidando uma abordagem colaborativa para o tema complexo.
As propostas dos textos que deram origem às resoluções foram submetidas a rigorosas consultas públicas. Este processo democrático permitiu a coleta de contribuições de uma gama variada de atores: instituições que operam no mercado de ativos virtuais, entidades já reguladas pelo Banco Central, associações setoriais, escritórios de advocacia, pessoas físicas e entidades estabelecidas em outros países. Essa ampla participação ressalta o caráter abrangente e representativo da nova regulamentação, visando cobrir as múltiplas facetas e interesses envolvidos.
As Resoluções Detalhadas e Seus Impactos
A nova estrutura regulatória é materializada por três resoluções chave. A Resolução nº 519 foca especificamente na prestação de serviços de ativos virtuais, detalhando quem pode oferecer esses serviços e os requisitos para a constituição e o funcionamento das Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (SPSAVs). Esta normativa, que entrará em vigor em 2 de fevereiro de 2026, marca a integração definitiva das negociações de ativos virtuais dentro do arcabouço do mercado regulado brasileiro, conforme explicitou o diretor Gilneu Vivan. A expectativa é que tais medidas resultem em uma significativa diminuição da incidência de golpes, fraudes e, primordialmente, do uso desse mercado para lavagem de dinheiro e atividades afins.
O Banco Central salientou que a nova resolução estende às SPSAVs todas as normativas já aplicáveis a instituições financeiras em aspectos como a proteção e a transparência nas interações com os clientes. Incluem-se também diretrizes rigorosas para a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, além de requisitos de governança corporativa, segurança operacional, controles internos e prestação de informações, consolidando uma vasta gama de obrigações e responsabilidades. Tais serviços poderão ser ofertados tanto por instituições financeiras já autorizadas pelo Banco Central, como bancos e corretoras, quanto por novas SPSAVs criadas exclusivamente para este fim, com classificações específicas de atuação (intermediária, custodiante e corretora de ativos virtuais).
Por sua vez, a Resolução nº 520, que também começa a vigorar em 2 de fevereiro de 2026, define as regras para a autorização de funcionamento das SPSAVs. Além de regular as novas entidades, a norma atualiza os procedimentos de autorização para segmentos já supervisionados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), como sociedades corretoras de câmbio, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários. Esta resolução estabelece regras gerais que se aplicam a todos esses segmentos, bem como normas específicas para assegurar uma transição ordenada e segura para o recém-criado segmento das SPSAVs. Detalham-se, ainda, os processos e prazos que as instituições já atuantes no mercado de criptoativos devem seguir para solicitar autorização e se adequar aos requisitos da nova norma.
Câmbio e Capitais Internacionais com Ativos Virtuais
Finalizando o pacote regulatório, a Resolução nº 521 direciona-se a atividades específicas das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs), passando a classificá-las como operações do mercado de câmbio e de capitais internacionais. A norma terá sua vigência iniciada em 2 de fevereiro de 2026. A partir de 4 de maio de 2026, será mandatória a prestação de informações ao Banco Central relativas a estas operações, garantindo total supervisão e coleta de dados estratégicos. Este movimento regulatório busca solidificar a posição do Banco Central na supervisão dessas operações que transacionam a divisa nacional por moedas digitais e vice-versa, seja em um contexto doméstico ou internacional.
A partir da vigência desta resolução, serão consideradas operações no mercado de câmbio as seguintes atividades realizadas com ativos virtuais:
- Pagamento ou transferência internacional mediada por ativos virtuais.
- Transferência de ativos virtuais para liquidar obrigações originadas pelo uso internacional de cartões ou outros meios de pagamento eletrônicos.
- Movimentações de ativos virtuais de ou para uma carteira autocustodiada, desde que não configurem pagamento ou transferência internacional diretos.
- Operações de compra, venda ou troca de ativos virtuais cuja referência de valor seja em moeda fiduciária.
As PSAVs receberão permissão para operar no mercado de câmbio para a prestação de serviços com ativos virtuais, desde que obtenham a devida autorização para atuar nesse segmento específico. Para outras instituições financeiras autorizadas, que operam com limites de valor por operação de câmbio para clientes, como as corretoras e distribuidoras, as operações de pagamento e transferências internacionais com criptoativos deverão seguir os mesmos limites aplicados quando a contraparte não for uma instituição autorizada a atuar no mercado cambial.
Importante ressaltar que as SPSAVs também estão autorizadas a prestar serviços com ativos virtuais no mercado de câmbio, mas com uma restrição fundamental: a vedação de operações que envolvam moedas em espécie, sejam elas nacionais ou estrangeiras. Nesses casos, o valor máximo para pagamento ou transferência internacional com ativos virtuais fica limitado ao equivalente a US$ 100 mil, sempre que a contraparte não for uma instituição devidamente autorizada a operar no mercado de câmbio, consolidando um limite de risco prudencial.
Além das operações de câmbio, a regulamentação do Banco Central ainda se estende ao uso de ativos virtuais em operações de crédito externo e de investimento estrangeiro direto no Brasil. A medida, de acordo com o Banco Central, tem como finalidade primordial conferir uma eficiência aprimorada e maior segurança jurídica a essas transações. Os objetivos adicionais incluem evitar potenciais arbitragens regulatórias e proteger a fidedignidade das estatísticas e das contas nacionais, que podem ser indiretamente impactadas pelas características específicas dessas operações no ambiente de ativos virtuais, consolidando uma abordagem de controle macroprudencial e sistêmico.
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Com a implementação dessas novas e abrangentes regulamentações, o Banco Central consolida sua atuação na busca por um ambiente mais seguro e transparente para o promissor, mas complexo, mercado de criptoativos no Brasil. A série de resoluções marca um passo decisivo para equilibrar o avanço tecnológico e a proteção do sistema financeiro. Para mais informações e análises sobre o impacto dessas medidas na economia nacional, continue acompanhando a editoria de Economia do Hora de Começar.
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