A atuação da bancada das bets no Congresso Nacional demonstra uma articulação discreta, porém robusta, que resultou no arquivamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e na contenção de propostas de aumento de impostos, encaminhadas pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A influência do segmento das casas de apostas tornou-se um ponto central nos debates sobre a regulação do setor no país, destacando-se pela capacidade de articulação junto ao Poder Legislativo.
A força do lobby em torno do setor de apostas online se manifestou por meio de uma série de movimentos estratégicos no parlamento. Diversos relatos apontam para uma teia de relações que buscou salvaguardar os interesses dessas empresas em cenários de escrutínio e de tentativas de readequação tributária por parte do governo federal.
Bancada das Bets Abafa CPI e Freia Plano Fiscal de Haddad
Dentre as estratégias observadas, destaca-se o transporte de senadores em jatinhos particulares. Em um episódio notório, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) foi citado em reportagem da revista Piauí por ter viajado para assistir ao Grande Prêmio de Mônaco de Fórmula 1 a bordo de uma aeronave pertencente a um empresário do ramo de apostas. Esse evento evidenciou as conexões entre legisladores e o setor de apostas, gerando questionamentos sobre a transparência e a influência. O parlamentar é, inclusive, apontado por integrantes da Câmara e do Senado como um dos principais líderes da bancada ligada às casas de apostas no Congresso Nacional.
Uma investigação conduzida pelo portal UOL identificou doze parlamentares – seis deputados federais e seis senadores – com atuação expressiva em favor dos interesses das casas de apostas. Esses políticos, provenientes de partidos diversos que incluem desde o PT até o PL, teriam apresentado projetos de lei, redigido propostas ou proposto emendas que beneficiavam diretamente o segmento. Entre os nomes citados figuram o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), e o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), conhecido por suas ligações com o agronegócio e o setor de combustíveis. Os parlamentares mencionados não emitiram comentários ao UOL, apesar das tentativas de contato por e-mail e assessoria.
Impasse com o Plano Fiscal de Fernando Haddad
A bancada das apostas também desempenhou um papel decisivo na rejeição de parte de um pacote fiscal enviado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O objetivo do pacote era arrecadar R$ 20 bilhões para cobrir um déficit nas contas governamentais do ano subsequente. Uma das propostas-chave incluía o aumento da alíquota de imposto sobre as bets de 15% para 18%. Essa e outras medidas fiscais estavam contidas em uma Medida Provisória (MP) que necessitava de aprovação congressual.
No decorrer das tramitações na Câmara, parlamentares, agindo em defesa das casas de apostas, apresentaram três emendas opostas ao aumento de impostos. Uma dessas emendas, de autoria do deputado Gabriel Motta (Republicanos-RR), propunha a diminuição dos repasses das empresas para a seguridade social. Outra, do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), visava proteger o segmento de “mudanças tributárias inesperadas”. A mobilização surtiu efeito, e o aumento do imposto foi, de fato, barrado.
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), encarregado de negociar o parecer governamental, acabou cedendo à pressão para desistir da elevação da alíquota para 18%. Ele relatou que a manutenção da alíquota em 15% renderia ao governo o apoio do Centrão para aprovar outras partes do relatório. Zarattini argumentou que a decisão foi tomada com base em cálculos que indicavam que, apesar de perder R$ 1,7 bilhão em arrecadação com as apostas, o governo asseguraria votos cruciais para um valor global próximo ao originalmente almejado. No entanto, o acordo foi desfeito, a MP não foi votada e caducou, privando o governo da arrecadação esperada.
O Fim da CPI no Senado
Paralelamente à disputa fiscal, o Senado Federal havia instituído uma CPI para investigar as casas de apostas, instalada em novembro do ano passado. Essa comissão foi marcada por discussões acaloradas, denúncias de esvaziamento e um desfecho previsto de “pizza”, termo que popularmente descreve o arquivamento sem conclusões ou punições. Senador Ciro Nogueira, inclusive, era membro da CPI e teve sua exclusão requerida após a revelação de sua viagem no jatinho do empresário de bets. Os trabalhos da CPI também incluíram a investigação de jogadores de futebol. Um inquérito da Polícia Federal, focado no atacante Bruno Henrique, do Flamengo, foi compartilhado com a comissão, apurando suspeitas de manipulação de apostas por parte do atleta, envolvendo seu irmão, cunhada e dois amigos. A presidente da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), vocalizou que houve um esforço coordenado de “caciques” do Congresso para esvaziar as sessões e estagnar as apurações.

Imagem: noticias.uol.com.br
O relatório final da comissão, que pedia o indiciamento de dezesseis indivíduos, incluindo o proprietário do jatinho utilizado por Ciro Nogueira, foi rejeitado. A votação resultou em quatro votos a favor do arquivamento contra três votos que defendiam a continuidade do relatório. Os senadores que contribuíram para o arquivamento foram Angelo Coronel (PSD-BA), Eduardo Gomes (PL-TO), Efraim Filho (União-PB) e Professora Dorinha Seabra (União-TO). A derrota do relatório impediu a adoção de quaisquer medidas concretas provenientes da investigação. As relações entre o setor de jogos e a esfera política merecem um exame aprofundado, conforme apontam diversos veículos, como o Nexo Jornal em uma de suas análises sobre a regulamentação do mercado de apostas.
Acusações de Propina em Outra CPI
Uma CPI similar, instituída na Câmara dos Deputados para investigar apostas esportivas, também não produziu resultados efetivos. Durante seus trabalhos, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) foi acusado de solicitar propina. A denúncia partiu de José Francisco Manssur, ex-assessor especial do Ministério da Fazenda, que afirmou que o parlamentar teria solicitado R$ 35 milhões a Wesley Cardia, presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias. O caso foi reportado pela revista Veja em setembro de 2023.
Os valores supostamente teriam como finalidade a proteção das casas de apostas no contexto da CPI, na qual Carreras atuava como relator, sendo o responsável pela elaboração do relatório final e pela indicação de culpados. Embora negando as acusações e admitindo apenas reuniões com representantes das bets, Carreras repudiou veementemente os alegados pedidos de propina, qualificando-os como “uma grande injustiça”. Manssur, o denunciante, reiterou que não houve apresentação de provas concretas do pedido de propina, mas afirmou ter alertado a ouvidoria e o gabinete de Haddad sobre a situação. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) tomou a iniciativa de acionar o Ministério Público em virtude dessas sérias acusações.
Confira também: crédito imobiliário
Este panorama da influência da bancada das bets no cenário legislativo brasileiro demonstra os complexos desafios que permeiam a regulamentação de novos mercados e a garantia da fiscalização. Os desdobramentos dessas articulações no Congresso e suas implicações fiscais continuam a ser acompanhados de perto por analistas e pela sociedade civil, conforme noticiam os principais portais. Para entender mais sobre os bastidores da política nacional, confira nossas últimas análises políticas e continue conectado à nossa editoria, onde você encontra a cobertura mais completa sobre temas cruciais para o país.
Crédito da imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

