Autoescolas protestam na Ponte Estaiada contra o fim da CNH. Um expressivo movimento de empresários do setor de formação de condutores bloqueou a importante via de São Paulo em oposição à proposta do Ministério dos Transportes de flexibilizar o processo de habilitação. Desde a noite de quarta-feira, 22 de novembro, a ação mobilizou centenas de veículos na zona Sul da capital paulista.
A iniciativa, liderada por representantes da Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), reflete a crescente preocupação do segmento com as alterações propostas pelo governo federal. A minuta em discussão prevê tornar as aulas práticas e teóricas de autoescola opcionais, o que, para a categoria, pode impactar negativamente a segurança no trânsito e o próprio mercado de trabalho.
Autoescolas protestam na Ponte Estaiada contra fim da CNH
O protesto das autoescolas na Ponte Estaiada iniciou-se com a concentração e o estacionamento de cerca de 200 veículos ao longo de toda a extensão da Ponte Octávio Frias de Oliveira, no sentido Jabaquara, a partir das 23h17 de quarta-feira. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) confirmou a presença e a sinalização da área. Na manhã de quinta-feira, 23 de novembro, a mobilização evoluiu para uma carreata programada em direção à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), buscando reforçar a pressão política sobre as autoridades e a sociedade.
O Gesto de Resistência das Autoescolas de SP
A manifestação na Ponte Estaiada, um dos cartões-postais de São Paulo, teve como objetivo primordial chamar a atenção para as graves consequências que, segundo os proprietários, o fim da obrigatoriedade das autoescolas acarretaria. A Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto) argumenta que a perspectiva de mudança já provocou uma estagnação nas matrículas em cursos de habilitação em todo o país.
Ygor Valença, presidente da Feneauto, tem sido uma figura central na articulação desse movimento. Através das redes sociais, ele incentivou os proprietários de Centros de Formação de Condutores (CFCs) a resistirem ativamente à proposta. Entre as ações de resistência, estão a coleta de assinaturas para um Projeto de Lei no Congresso Nacional que visa interromper a consulta pública, além de buscar o apoio de políticos estaduais para a aprovação de legislações que preservem o atual modelo de formação de condutores.
Valença também prometeu levar o caso à esfera jurídica, com um pedido formal à Justiça para que a consulta aberta pelo Ministério dos Transportes seja suspensa. A entidade entende que o modelo vigente, mesmo passível de aprimoramentos, garante um nível de instrução formal indispensável aos futuros motoristas.
A Consulta Pública do Governo Federal e seus Impulsos
A proposta em debate, que originou todo o impasse, foi lançada por meio de uma consulta pública no site do governo federal pelo ministro Renan Filho e esteve acessível para manifestações da sociedade até o dia 2 de novembro. Até 21 de novembro, o governo já havia computado um total de 32.868 sugestões e opiniões, superando o recorde anterior de 2022, que registrou 23.911 participantes em um debate sobre a inclusão de crianças na campanha de vacinação contra a Covid-19.
A minuta de projeto submetida à discussão popular visa tornar as aulas de autoescola um processo opcional na jornada de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Essa flexibilização permitiria aos candidatos realizar exames práticos e teóricos sem a obrigatoriedade de ter cursado previamente uma autoescola. A consulta pública do Ministério dos Transportes, que aborda o fim da obrigatoriedade das autoescolas, estava disponível no site do governo federal até o dia 2 de novembro e já havia superado recordes de participação com mais de 32 mil sugestões registradas até 21 de novembro.

Imagem: g1.globo.com
Debate Especializado: Prós e Contras da Medida Proposta
A discussão sobre o fim da obrigatoriedade das autoescolas para tirar a CNH não se restringe apenas ao campo político ou dos empresários do setor. Especialistas em segurança e estudos de transporte têm apresentado argumentos contundentes a favor e contra a medida. O podcast “O Assunto” do G1, por exemplo, trouxe as perspectivas de Paulo Cesar Marques da Silva e David Duarte Lima para o debate.
Argumentos a Favor da Flexibilização
Paulo Cesar Marques da Silva, doutor em Estudos de Transporte pela Universidade de Londres e professor da UnB, defende a flexibilização do processo. Para ele, o alto índice de acidentes de trânsito no Brasil indica que o sistema atual não demonstra eficácia. O especialista apontou diversas razões para essa constatação:
- Fuga do Sistema: Marques da Silva argumenta que o custo elevado e a burocracia do processo atual estimulam uma “fuga do sistema” de habilitação, o que, na sua avaliação, representa um risco maior para o trânsito do que a própria flexibilização.
- Barreira de Acesso por Alto Custo: Em algumas regiões do país, o valor total para obter a CNH pode exceder R$ 4 mil. Este valor, segundo ele, impede que muitas pessoas que dependem da habilitação para trabalhar e sustentar suas famílias acessem o processo. A medida proposta é vista como uma forma de “democratizar” o acesso à CNH.
- Modelos Internacionais: O professor cita exemplos de países como os escandinavos e o Reino Unido, referências em segurança no trânsito, que não possuem um processo rígido de obrigatoriedade de autoescolas. Nesses locais, o foco recai sobre a qualidade dos testes práticos e teóricos, juntamente com uma fiscalização eficiente para inibir condutores não habilitados.
- Cultura e Comportamento: Para Paulo Cesar, as principais causas dos acidentes estão mais relacionadas ao comportamento dos motoristas do que à sua formação técnica. Ele menciona a agressividade, a falta de cidadania e de respeito no trânsito como fatores cruciais, defendendo que é um problema de educação da sociedade que as autoescolas sozinhas não conseguem resolver.
- Qualidade do Exame Prático: O especialista critica a deficiência da qualidade do exame prático brasileiro, principalmente para motociclistas. Segundo ele, os testes atuais priorizam a habilidade em baixa velocidade em vez de simular situações “reais” de trânsito. O Reino Unido é citado como exemplo positivo, onde os testes são realizados em vias públicas, sob condições verdadeiras.
Argumentos Contra a Medida Proposta
David Duarte Lima, doutor em segurança de trânsito pela Universidade Livre de Bruxelas, expressou preocupações significativas sobre o fim da obrigatoriedade das autoescolas. Seus argumentos enfatizam a importância da formação estruturada:
- Falta de um Plano de Substituição Coeso: Lima compara a situação a “destruir uma casa velha antes de construir uma nova”, apontando que não há um modelo concreto para substituir a obrigatoriedade. Ele reforça a necessidade de cautela extrema antes de implementar uma mudança tão profunda.
- Papel Fundamental das Autoescolas: Para o doutor, as autoescolas são o primeiro contato “formal” do candidato a motorista com a legislação de trânsito, a direção defensiva e o desenvolvimento das habilidades iniciais de condução. Ele descreve a autoescola como uma “sala de aula que anda”, onde o instrutor desempenha um papel didático complexo e orientador, necessitando de um sistema de ensino robusto.
- A Qualidade como Problema, Não a Obrigatoriedade: Embora admita que a qualidade de algumas autoescolas e instrutores possa ser deficiente, gerando motoristas com habilidades inadequadas, David vê isso como um motivo para reformar e aprimorar o sistema existente, não para eliminá-lo.
- Exemplo do Modelo Espanhol: Ele cita a Espanha, que enfrentava altos índices de violência no trânsito. A solução adotada não foi abolir a formação obrigatória, mas sim investir massivamente nela. O país definiu o perfil do bom condutor, melhorou a capacitação dos instrutores com apoio universitário e materiais de alta qualidade, resultando em uma queda de 80% na mortalidade no trânsito em menos de 10 anos.
- Custo Total da CNH: Lima reconhece que o alto custo é uma barreira. Contudo, ele enfatiza que o valor total da CNH engloba não apenas o treinamento em autoescola, mas também avaliação psicológica, exames médicos e taxas do Detran. Sendo assim, a simples remoção da obrigatoriedade da autoescola não solucionaria por completo a questão do custo para obtenção da habilitação.
A manifestação das autoescolas na Ponte Estaiada reflete a intensidade de um debate que polariza especialistas e segmentos sociais. Enquanto a consulta pública busca subsídios para uma potencial mudança significativa na forma como os brasileiros acessam a CNH, os proprietários de autoescolas e muitos especialistas ressaltam a importância da formação especializada para garantir a segurança no trânsito.
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Crédito da imagem: Imagem de arquivo mostra carros de autescola Foto: Reprodução/TV Globo


