Ato na Sé Marca 50 Anos do Assassinato de Vladimir Herzog

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Neste 25 de outubro, a **Catedral da Sé** em São Paulo se tornou palco de um concorrido ato ecumênico que celebrou a memória e reforçou a luta por justiça em relação aos **50 anos do assassinato de Vladimir Herzog**. O evento, organizado pela Comissão Arns e pelo Instituto Vladimir Herzog, lotou a catedral na capital paulista, repetindo a grandiosidade de uma histórica cerimônia inter-religiosa realizada em 1975, dias após a morte do jornalista, que então desafiou abertamente o regime militar ao reunir cerca de oito mil pessoas.

Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog, expressou a expectativa dos familiares de vítimas da ditadura militar no Brasil por um processo legal rigoroso. Ele sublinhou a importância de uma investigação completa das circunstâncias de cada crime cometido, o indiciamento de todos os envolvidos – vivos ou mortos –, e um julgamento transparente pelo Poder Judiciário que determine sua responsabilidade, ou não, nos fatos.

Ato na Sé Marca 50 Anos do Assassinato de Vladimir Herzog

O filho do jornalista salientou ainda que a revisão do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da Lei da Anistia de 1979 é uma batalha da sociedade brasileira. Ele lembrou que a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 320, que aborda essa interpretação da lei, aguarda análise do relator, ministro Dias Toffoli, por mais de oito anos. Segundo Ivo Herzog, a história republicana do Brasil demonstra uma recorrência de golpes ou tentativas de golpe, que possuem em comum dois elementos marcantes: a participação militar e a consequente impunidade.

A ADPF 320 tem como objetivo principal discutir a forma como o sistema judiciário e o poder público interpretam e aplicam a Lei de Anistia. Protocolada em 2014, a ação ainda não foi julgada e foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Para Ivo Herzog, a demora na análise do caso, ou a “abstenção” do ministro Toffoli, representa, infelizmente, uma “cumplicidade com essa cultura de impunidade”. Ele espera que a manifestação daquela noite na Catedral da Sé, carregada de “indignação pelos agentes de Estado que cometeram atrocidades”, possa sensibilizar os ministros do STF e, em particular, o ministro Dias Toffoli, prestando homenagem a todas as vítimas da ditadura e seus familiares.

O Instituto Vladimir Herzog, que foi admitido como amicus curiae (amigo da corte) na ADPF 320 em dezembro de 2021, sustenta que a atual leitura da Lei da Anistia concede impunidade aos responsáveis por crimes de lesa-humanidade praticados por agentes da ditadura militar, o que contraria tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Mais detalhes sobre o andamento e o teor da ação podem ser encontrados na página oficial do STF sobre a ADPF 320.

A Busca por Justiça e a Interpretação da Lei da Anistia

O conceito de anistia, conforme Ivo Herzog, tem sido “sequestrado pela extrema-direita”. Ele argumenta que a Lei da Anistia de 1979 foi, por sua própria natureza, uma “aberração”, já que o regime autoritário da época nunca reconheceu seus crimes. Para ele, não é possível anistiar alguém que não admitiu ter cometido nenhuma transgressão, comparando a situação à postura de indivíduos que, sendo julgados pelos eventos de 8 de janeiro, também não reconhecem suas próprias faltas.

A cerimônia contou com a presença do presidente em exercício Geraldo Alckmin, que sublinhou a natureza da morte de Vladimir Herzog como um resultado do “extremismo do Estado”, que “perseguia e matava” seus cidadãos em vez de protegê-los. Alckmin enfatizou a vitalidade de fortalecer os pilares da democracia, da justiça e da liberdade.

Questionado sobre a revisão da Lei da Anistia de 1979, o presidente em exercício declarou que “já demos bons passos nessa questão”, indicando um movimento em direção ao avanço.

A participação de Alckmin, conforme destacado por Ivo Herzog, reforça o compromisso do Estado com a democracia. Ele fez uma comovente comparação com o cenário de 50 anos atrás, quando mais de oito mil pessoas se reuniram na mesma catedral, enfrentando o “medo do Estado” e dezenas de atiradores prontos para justificar um massacre diante de qualquer desordem. Para Herzog, a presença do presidente em exercício naquele dia significava que o “Estado está de mãos dadas com a gente para reafirmar o compromisso com a democracia, com a justiça, os direitos humanos e a verdade”.

A Tragédia e o Legado de Vladimir Herzog

Vladimir Herzog, diretor de Jornalismo da TV Cultura, foi torturado e assassinado nas instalações do DOI-Codi, o órgão de repressão da ditadura militar, subordinado ao Exército, em 25 de outubro de 1975. Vlado, como era carinhosamente chamado por amigos e colegas, havia se apresentado voluntariamente àquele centro de repressão na manhã daquele dia fatídico, sem qualquer mandado judicial.

Ato na Sé Marca 50 Anos do Assassinato de Vladimir Herzog - Imagem do artigo original

Imagem:  Paulo Pinto via agenciabrasil.ebc.com.br

O jornalista Sérgio Gomes, que também estava preso no DOI-Codi na época do assassinato de Herzog, compartilhou seu doloroso relato. Confinado em uma “cela forte”, Gomes ouviu outra pessoa sendo torturada, com perguntas que giravam em torno de “quem são os jornalistas?”. Ele recorda ter pensado que “quem podia ser preso já foi preso ou fugiu”. Gomes descreveu o momento em que a tortura parou abruptamente, seguido por um silêncio total e a movimentação de pessoas de um local para outro, culminando na remoção de um corpo e na subsequente “simulação do suicídio”.

Desde a morte do marido, Clarice Herzog, viúva de Vladimir, liderou as denúncias, incansável em sua busca por verdade e justiça, expondo o assassinato político do esposo.

O ato histórico de 31 de outubro de 1975 na Catedral da Sé, um marco indelével na resistência democrática, foi conduzido por figuras religiosas de proeminência, como o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo Jaime Wright, e contou com o apoio do então presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJPSP), Audálio Dantas. Cinco décadas mais tarde, o recente ato inter-religioso foi uma dedicação à memória não apenas de Herzog, mas de todas as vítimas do regime ditatorial.

Na tarde do dia do ato, jornalistas de diferentes gerações realizaram uma passeata emocionante, partindo do auditório Vladimir Herzog, na sede do Sindicato da categoria em São Paulo (SJPSP), até a Sé. Thiago Tanji, presidente do SJPSP, relembrou a assembleia que, logo após o assassinato de Herzog, mobilizou centenas de jornalistas para organizar o ato de 1975, “o primeiro grande ato contra a ditadura militar pós-AI-5”. Ele descreveu a jornada de 2025 como “muito bonita”, contando com a presença de colegas de diversas faixas etárias.

Tanji reforçou a necessidade de combater a impunidade, lembrando que os torturadores e assassinos de Vladimir Herzog jamais foram condenados ou sequer investigados a fundo. Sua luta, pontuou, se estende tanto ao passado quanto ao presente, confrontando os “golpistas” de ambas as eras. Ele expressou a grande significância de realizar a atividade com a catedral repleta, em um local tão simbólico para a causa democrática.

Durante a homenagem, diversas pessoas que haviam participado do primeiro ato de 1975 e que retornaram à catedral 50 anos depois foram ovacionadas de pé, num emocionante reconhecimento. A cerimônia também reuniu personalidades como Luiza Erundina, Eugênia Gonzaga, Amelinha Teles, Jurema Werneck, Fernando Morais, José Dirceu, Ivan Valente, Sérgio Gomes, Eduardo Suplicy, José Genoíno, Paulo Teixeira, Paulo Vannuchi, Rui Falcão, Ariel de Castro Alves, José Trajano, Juca Kfouri, Andre Basbaum, José Carlos Dias e Frei Chico.

A cerimônia teve início por volta das 19h com uma apresentação do Coro Luther King, seguida de manifestações inter-religiosas. O cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, a reverenda Anita Wright (filha de Jaime Wright) e o rabino Rav Uri Lam participaram do ato, que foi intercalado por músicas do coral e discursos que rememoravam a vida de Herzog e a importância da democracia. Houve ainda a exibição de vídeos produzidos especialmente para a ocasião, apresentando imagens de manifestações e de vítimas do Estado desde os tempos da ditadura militar até a atualidade. Um dos destaques foi a leitura, pela atriz Fernanda Montenegro, de uma carta escrita por Zora Herzog, mãe de Vladimir, ao juiz Márcio José de Moraes, responsável por reconhecer o direito da família Herzog à indenização por parte da União.

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O ato na Catedral da Sé foi um lembrete contundente de que a memória de Vladimir Herzog e a luta contra a impunidade continuam vivas e essenciais para a construção de uma democracia robusta e justa. Para acompanhar mais notícias sobre os desafios da democracia, direitos humanos e a política brasileira, explore a editoria de Política.

Crédito da Imagem: Paulo Pinto/Agência Brasil

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