Desde a posse de Javier Milei na presidência, a expectativa era de um período de sacrifícios para a população, um aviso dado pelo próprio chefe de Estado. Diante de décadas de má gestão e inflação de três dígitos, o presidente libertário defendeu a implementação de medidas severas de austeridade como “a única alternativa”, prevendo que afetariam empregos, rendimentos e a atividade econômica já em seu primeiro ano de mandato.
“Este é o último remédio amargo que temos de engolir antes de começarmos a reconstruir a Argentina”, declarou Milei em seu discurso de posse para a multidão presente.
Argentinos Perdem Paciência Com Economia Estagnada de Milei
Entretanto, decorridos dois anos de seu governo, grande parte da população argentina ainda aguarda os efeitos positivos do tratamento. Embora a inflação tenha sofrido uma queda drástica e a taxa de pobreza tenha reduzido de 42% em 2023 para 32%, a economia do país permanece estagnada. A promessa de uma recuperação econômica que se desenhava para o final de 2024 perdeu força na metade deste ano, com uma leve contração na atividade econômica observada a partir de abril. Além disso, o desemprego registrou aumento e os salários do setor privado não apresentam valorização desde o início de 2023, contribuindo para a frustração geral.
Na capital da província de Buenos Aires, La Plata, o cenário econômico adverso reflete-se diretamente no dia a dia dos cidadãos. Nadina Abril Casagrande, uma jovem de 22 anos que gerencia um pequeno negócio de roupas com sua mãe, relata as dificuldades enfrentadas. “As vendas praticamente pararam no ano passado… houve uma melhora desde então, mas não uma grande”, afirmou Nadina, que complementou dizendo que as pessoas ainda se esforçam para conseguir suprir suas necessidades básicas até o fim do mês.
A percepção de desapontamento transcende o âmbito pessoal e se traduz em atos políticos. Casagrande, que havia votado em Javier Milei nas eleições presidenciais de 2023, optou por anular seu voto na eleição provincial de Buenos Aires no mês passado. Nessa ocasião, os candidatos libertários do presidente foram superados pelos peronistas de esquerda, registrando uma diferença de 13 pontos percentuais. “Não estou mais entusiasmada”, admitiu Casagrande, resumindo o sentimento de uma parte considerável do eleitorado.
Escândalos Políticos Aprofundam Crise de Credibilidade
A frustração não se limita à estagnação econômica, mas se estende a escândalos de corrupção envolvendo figuras-chave da gestão Milei, incluindo seus principais assessores. Esses incidentes ameaçam comprometer a implementação das reformas de livre mercado propostas pelo presidente. A expressiva derrota nas urnas na província de Buenos Aires alarmou os investidores, culminando em uma corrida contra o peso argentino. Essa instabilidade foi parcialmente mitigada apenas após o anúncio de um possível auxílio financeiro pelo Tesouro dos Estados Unidos.
As eleições legislativas nacionais, programadas para 26 de outubro, representam um obstáculo crucial para o governo. Milei almeja ampliar sua participação minoritária no Congresso, esperando com isso angariar o apoio necessário para formar alianças com partidos da oposição centrista e fortalecer sua base política. No entanto, se o presidente falhar nesse objetivo, analistas políticos alertam para a dificuldade que seu governo enfraquecido pode enfrentar para aprovar reformas essenciais, como as propostas tributária e trabalhista. Sem um avanço nessas frentes, o mercado financeiro pode perder o otimismo em relação à Argentina, aprisionando o país em seu ciclo crônico de inadimplência da dívida pública. Para um panorama mais amplo sobre a economia sul-americana e os desafios financeiros de alguns países, clique aqui e confira algumas análises publicadas por um renomado jornal de economia.
Perspectivas e Desafios para a Recuperação Econômica
Martin Rapetti, diretor executivo da Equilibra, um influente think-tank econômico sediado em Buenos Aires, prevê um cenário de estabilidade ou recessão econômica perdurando até as próximas eleições. Ele ressalta que “Se ele [Milei] não conseguir encontrar força política depois… é difícil ver uma recuperação econômica real.” Esse cenário aponta para a importância do desempenho do governo nas eleições legislativas como um termômetro para a capacidade de implementação de políticas de recuperação.
Historicamente, La Plata, uma cidade densamente arborizada e relativamente próspera com cerca de 750 mil habitantes, tem uma inclinação política mais à direita em comparação com a média da província de Buenos Aires, que é notoriamente um reduto peronista. Nas eleições de 2023, a cidade ofereceu um apoio apertado a Milei. Contudo, em setembro, os peronistas conquistaram a vitória por uma margem de quase 8 pontos percentuais, sinalizando uma mudança no comportamento do eleitorado local.
Pesquisadores atribuem o baixo comparecimento de potenciais eleitores de Milei ao desapontamento, tanto com o lento progresso econômico quanto com as acusações de corrupção envolvendo Karina, irmã e chefe de gabinete do presidente, as quais ela categoricamente nega. Juan Germano, diretor da consultoria política Isonomía, observa a complexidade do eleitorado de Milei em 2023, caracterizado por sua diversidade — incluindo ricos e pobres, jovens e idosos. No contexto provincial, o eleitorado era “muito mais tradicional de direita argentino”, e as classes trabalhadora e média baixa não se mobilizaram para apoiar o presidente nesta recente disputa.
O Cotidiano da População e Medidas de Contenção de Custos
Os relatos de empresários em La Plata convergem para a mesma realidade de escassez de recursos entre os consumidores. Pablo Miró, proprietário de uma padaria, ilustra a situação: “As pessoas têm pagado pão com cartões de crédito”. Apesar da desaceleração da inflação, Miró nota um aumento da desigualdade. Belén Aguilar, que abriu sua loja de chocolates em 2022, anunciou seu fechamento devido à diminuição acentuada da demanda. “As vendas caíram cerca de 50% este ano”, revelou Aguilar, que considera insustentável a manutenção do estabelecimento físico.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Economistas apontam que a dedicação exclusiva de Milei à redução da inflação, que afligiu a economia argentina na última década, tem exercido um peso considerável sobre a atividade produtiva do país. A estratégia de manter o peso valorizado, embora tenha controlado os preços de importação, simultaneamente reduziu a competitividade das exportações argentinas e do turismo interno. Além disso, essa política exacerbou as dificuldades de indústrias protegidas, como têxteis e manufatura, que foram impactadas pelas tarifas mais baixas implementadas pelo governo de Milei e pela flexibilização das restrições de importação.
O governo de Javier Milei também manteve um controle rigoroso sobre os aumentos de pensões e salários no setor público. No início de 2025, houve a aprovação de aumentos salariais abaixo da taxa de inflação nas negociações com os influentes sindicatos locais. Paralelamente, os cortes nos subsídios de energia e transporte contribuíram para corroer ainda mais a renda disponível das famílias, apertando o orçamento doméstico da população.
Flutuação do Peso e o Cenário Futuro
Em julho, a situação monetária experimentou uma reviravolta quando o peso argentino começou a perder valor, após Milei relaxar os rígidos controles cambiais do país e alterar algumas políticas monetárias. Em resposta, o Banco Central elevou as taxas de juros visando fortalecer a moeda, elevando as taxas anuais para empréstimos destinados a pequenas e médias empresas para mais de 60%, encarecendo o acesso ao crédito.
Para resgatar o impulso econômico, a maioria dos economistas argentinos sugere que Milei permita a flutuação total do peso. Isso, argumentam, melhoraria a competitividade das exportações, embora com o risco de um possível ressurgimento inflacionário. Além disso, a construção de maiorias no Congresso é vista como fundamental para aprovar as ambiciosas reformas estruturais pró-negócios, um passo indispensável para a sustentabilidade da recuperação econômica.
O primeiro grande obstáculo a ser superado são as eleições de meio de mandato. Nelas, obter cerca de 40% dos votos – uma performance superior aos 34% alcançados na recente eleição da província de Buenos Aires – seria considerado um resultado positivo. Contudo, a campanha dos libertários para essas eleições sofreu um revés adicional no último domingo (5) na província, que representa mais de um quarto dos assentos na câmara baixa. O principal candidato do partido, José Luis Espert, retirou sua candidatura devido a controvérsias sobre seus vínculos com um empresário investigado por tráfico de drogas, o que adiciona mais incerteza ao cenário eleitoral.
Esforços Recentes e o Apelo à Paciência
Em um esforço para reconquistar a confiança dos eleitores desiludidos nas últimas semanas, o governo de Milei anunciou um novo programa de descontos para aposentados em supermercados, com o ônus de custeio a cargo dos próprios varejistas. Além disso, a proposta de orçamento para 2026, apresentada no mês anterior, incluiu aumentos moderados de gastos em áreas cruciais como pensões, saúde e educação. No entanto, o presidente enfatizou que esses aumentos não comprometerão a rigidez fiscal do orçamento, buscando equilibrar a necessidade social com a austeridade prometida.
No último domingo, o presidente concedeu uma entrevista e pediu paciência à população. “É verdade que a situação é difícil. Nunca disse que seria fácil”, afirmou Milei, reforçando seu apelo: “Estou pedindo aos argentinos que façam um esforço, que não desistam, porque estamos na metade do caminho.” Este pronunciamento reflete a delicadeza do momento e a pressão crescente para que os resultados das medidas econômicas comecem a surgir.
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Este panorama da economia argentina sob a gestão de Milei mostra uma nação em um momento crucial. Para aprofundar a compreensão sobre os caminhos da política econômica e seus desdobramentos na América Latina, explore mais em nossa editoria de Política e fique por dentro das análises mais recentes.
Crédito da imagem: Agustin Marcarian/Reuters
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