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Análise dos Dados da Receita Federal Aponta Crescimento na Saída de Milionários, Mas Proporção é Minoritária

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O Brasil vive, atualmente, uma retomada do debate acerca de uma suposta “fuga de milionários” do país. Esta discussão é intensificada pelo avanço, na Câmara dos Deputados, da proposta de reforma do Imposto de Renda (IR). Tal reforma contempla um aumento da carga tributária para os contribuintes de maior renda, com o objetivo de custear a isenção de impostos para quem possui rendimentos mensais de até R$ 5 mil. Contudo, informações inéditas obtidas junto à Receita Federal indicam uma realidade mais matizada sobre o movimento dos indivíduos mais ricos que deixam o território nacional.

Uma projeção divulgada em junho por uma consultoria especializada em migração de fortunas, a Henley & Partners, contribuiu para o aquecimento desta discussão. A empresa, conhecida por facilitar a mudança de países para pessoas de alta renda por meio de programas de visto por investimento, os chamados “golden visas”, estimou que 1,2 mil milionários devem deixar o Brasil em 2025. Este número representa um incremento de 50% em relação às saídas registradas em 2024. Caso essa estimativa se concretize, o Brasil passaria a deter a posição de país latino-americano com o maior “êxodo de milionários” no corrente ano, de acordo com o relatório da consultoria.

Apesar da projeção da Henley & Partners, a metodologia utilizada pela empresa tem sido questionada por especialistas em tributação de diversas nações. Diante dessa ressalva, e buscando oferecer uma perspectiva baseada em informações oficiais para esclarecer a dimensão de uma eventual evasão de milionários, a BBC News Brasil obteve, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), dados da Receita Federal.

A pesquisa se concentrou nas “Declarações de Saída Definitiva do País” (DSDP), um documento fiscal de entrega obrigatória para qualquer indivíduo que deixa o Brasil por um período igual ou superior a 12 meses, ou que decide mudar-se permanentemente para outro país. A DSDP é crucial para a regularização da situação fiscal do contribuinte, visando evitar a bitributação, ou seja, a cobrança duplicada de impostos tanto no Brasil quanto na nova nação de residência. Essa obrigatoriedade torna o documento um indicador pertinente para aferir o movimento de indivíduos que alteram seu domicílio fiscal, especialmente aqueles que visam a regimes tributários mais vantajosos.

Os Números Oficiais da Receita Federal

O levantamento da Receita Federal, considerado inédito e surpreendente até mesmo para renomados especialistas em tributação e finanças públicas no Brasil, revelou que o volume absoluto de milionários que saem do país tem apresentado crescimento desde o término da pandemia. Entretanto, uma análise mais aprofundada desse fenômeno oferece um cenário de maior complexidade, distante da caracterização de uma “fuga” em massa.

Quando se avalia a proporção desses milionários em relação ao total de indivíduos com alta renda no Brasil, os dados indicam que anualmente menos de 1% desse grupo de contribuintes deixa o país. Mais do que isso, essa percentagem tem se mantido em declínio desde 2017, período que precede o atual fortalecimento do debate sobre a elevação da carga tributária para as parcelas mais abastadas da população nos últimos dois anos.

Essa análise de proporção, e não apenas do número absoluto de saídas, é considerada fundamental, pois o montante de milionários no Brasil tem apresentado um crescimento contínuo ano após ano. A relação entre as declarações de saída e o universo total de milionários oferece, portanto, uma forma mais precisa de dimensionar a real relevância desse movimento, conforme apontado por especialistas no campo. Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), pondera que, ao observar os dados em sua totalidade, torna-se desafiador afirmar que a pauta tributária está impulsionando uma fuga generalizada de milionários, mesmo que se observem saídas que podem ter outras motivações.

Definição de Milionário e os Detalhes da Proposta de Reforma do IR

A proposta de reforma do Imposto de Renda em discussão é uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida de isentar o IR para rendimentos de até R$ 5 mil é vista como uma estratégia do Palácio do Planalto para angariar apoio do eleitorado, por ser popularmente bem recebida.

O projeto de lei, que tem como relator o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prevê também um sistema de desconto parcial para os rendimentos que variam entre R$ 5 mil e R$ 7.350. A urgência da proposta foi aprovada, e ela se encontra apta para votação em plenário da Câmara dos Deputados. Entre as principais previsões da reforma estão:

  • A tributação progressiva para quem auferir ganhos acima de R$ 600 mil por ano, com uma alíquota que pode atingir até 10%. Essa alíquota máxima seria aplicada a rendas anuais superiores a R$ 1,2 milhão.
  • A taxação de lucros e dividendos distribuídos por empresas a seus acionistas, caso estes excedam R$ 50 mil mensais.
  • Uma taxa de 10% sobre dividendos enviados para fora do país.

Entretanto, parte dos críticos à reforma argumenta que tais medidas poderiam desincentivar os ricos a manter seus recursos no Brasil, induzindo-os a evitar a incidência desses impostos ao migrar. O documento DSDP foi selecionado para o levantamento de dados, justamente porque ele formaliza a situação fiscal de quem muda de nação, minimizando a dupla tributação. Embora a Declaração de Saída Definitiva seja um instrumento obrigatório, nem todos que deixam o país o preenchem. Contudo, a expectativa é que indivíduos de alta renda que buscam reduzir sua carga tributária em decorrência da mudança de domicílio fiscal, utilizem o documento para garantir os benefícios fiscais no exterior.

A solicitação da BBC News Brasil à Receita Federal incluiu o número de Declarações de Saída Definitiva, segmentado pelas faixas de renda declarada no Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) do ano imediatamente anterior à saída. As categorias de renda anual analisadas foram:

  • Até R$ 600 mil;
  • De R$ 600.000,01 a R$ 1 milhão;
  • De R$ 1.000.000,01 a R$ 1 bilhão;
  • Acima de R$ 1 bilhão.

Essa segmentação permite discernir os contribuintes que não seriam diretamente impactados pelo previsto aumento de tributação na reforma do IR (aqueles com renda anual até R$ 600 mil); os que estariam sujeitos à alíquota progressiva de até 10% (na faixa de R$ 600 mil a R$ 1 milhão); e, finalmente, os milionários.

Para os fins deste estudo, considerou-se “milionário” qualquer pessoa com uma renda anual superior a R$ 1 milhão. Esse critério é o mesmo empregado, por exemplo, em análises do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre tributação de renda. Diferentemente, a consultoria Henley & Partners define milionários como indivíduos com um patrimônio disponível para investimento igual ou superior a US$ 1 milhão (o equivalente a aproximadamente R$ 5,4 milhões, considerando a cotação atual da moeda norte-americana). Por sua vez, o banco suíço UBS, em seu Relatório Global de Riqueza, caracteriza como milionários aqueles com patrimônio superior a US$ 1 milhão.

A escolha do critério do Ipea, que adota o Real brasileiro como parâmetro, teve como razão a eliminação da volatilidade cambial. Tal volatilidade pode distorcer os dados de quem é classificado como milionário no Brasil, quando se utilizam padrões baseados no dólar. Adicionalmente, este critério se alinha de forma mais consistente tanto com a metodologia de declaração de riqueza à Receita Federal no Brasil quanto com os critérios do governo para a reforma do IR, que consideram a renda anual dos contribuintes em Real para a definição das distintas faixas de tributação.

Panorama Histórico dos Dados da Receita

Os registros da Receita Federal confirmam que, em todos os anos da série histórica iniciada em 2011, algumas centenas de milionários optaram por mudar seu domicílio fiscal para fora do Brasil. O ápice dessas saídas foi observado em 2017, quando o país havia recentemente enfrentado dois anos de recessão econômica (em 2015 e 2016) e passava por uma acentuada crise política, que incluiu o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Paralelamente, a Operação Lava-Jato se encontrava em pleno andamento, resultando na prisão de indivíduos de alta renda. Este período de turbulência econômica e política coincide com o maior número de saídas definitivas de milionários registrado.

Pedro Humberto Carvalho Junior, pesquisador do Ipea e especialista em tributação, destaca outro fator relevante para o recorde de saídas em 2017. Em 2016, uma legislação foi aprovada concedendo aos contribuintes a possibilidade de legalizar bens e patrimônios que não haviam sido declarados no exterior. Carvalho Jr. explica que, naquela época, havia uma intensificação dos acordos de cooperação fiscal entre diferentes nações, bem como um aumento na fiscalização. Com o acesso a informações financeiras de outros países se tornando mais robusto, um contribuinte cujo patrimônio não declarado fosse descoberto estaria sujeito a multas que poderiam chegar a 225%, além de possíveis implicações penais. Assim, aqueles que possuíam essa opção decidiram regularizar seus ativos e alterar sua residência fiscal, motivados a evitar maiores penalidades. Isso, somado ao ambiente de incerteza, contribuiu significativamente para o aumento no número de saídas em 2017.

Após um período de desaceleração nas saídas de milionários durante a pandemia, este movimento de mudança de domicílio fiscal retomou a tendência de crescimento a partir de 2022. Em 2025, até o mês de agosto, 1.446 milionários declararam sua saída do Brasil. Este número figura como o segundo maior na série histórica, ficando logo abaixo dos 1.461 registrados em 2017. Adicionalmente, as 1.446 saídas em 2025 até agosto representam um aumento de 2,5% em comparação com as saídas documentadas durante todo o ano de 2024.

Contrários à reforma tributária, muitos argumentam que as alterações podem comprometer a competitividade do país. Em entrevista recente, Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, manifestou a necessidade de observar a questão com cautela. Ele ressaltou que a isenção para a baixa renda é compreensível, mas apontou que os “aumentos generalizados para pessoas de renda mais alta ou para empresas” podem “prejudicar um pouco a competitividade, com o país sendo visto pelos investidores e etc como de taxação ainda mais elevada.”

Incentivos para a Migração de Milionários e Brechas Fiscais

Apesar de haver consenso entre alguns especialistas, como o pesquisador Pedro Humberto Carvalho Jr., de que a atual proposta de reforma tributária não se mostra como uma justificativa para um aumento expressivo na saída de milionários, o especialista do Ipea reconhece que, de fato, existem fatores que estimulam os milionários a deixar o Brasil. Estes incentivos se manifestam principalmente por parte de países que oferecem regimes fiscais mais atraentes e benefícios para a residência de pessoas com grandes fortunas.

Carvalho Jr. cita diversos exemplos de países que disponibilizam ou disponibilizaram tais incentivos, entre eles Argentina, Costa Rica, Emirados Árabes, Espanha, Grécia, Paraguai, Portugal, Reino Unido, Suíça e Uruguai. Ele esclarece que, embora Portugal e Espanha tenham, recentemente, suspendido a concessão de novos vistos por investimento, aqueles que já foram concedidos e estão em vigor continuam garantindo os benefícios fiscais a seus portadores.

Para ser formalmente reconhecida como não residente fiscal, uma pessoa não pode permanecer no Brasil por mais de 183 dias, consecutivos ou intermitentes, em um período de 12 meses. Contudo, não há informações claras sobre a efetividade da fiscalização para garantir o cumprimento rigoroso dessa regra, observa o economista. Além disso, Carvalho Jr. detalha algumas das “brechas” ou características do sistema tributário brasileiro que servem como estímulo para os super-ricos buscarem uma mudança de domicílio fiscal. O Brasil, por exemplo, não impõe um “imposto de saída” sobre a alteração de domicílio fiscal, diferentemente do que ocorre em 14 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Outros pontos destacados incluem a isenção de Imposto de Renda para fundos exclusivos destinados a não residentes, como fundos de títulos públicos e fundos de ações. Adicionalmente, o Brasil mantém acordos de bitributação com várias nações que oferecem tais incentivos fiscais, o que facilita o planejamento tributário internacional. Um aspecto relevante apontado por Carvalho Jr. é que não é necessário retirar os bens do Brasil para usufruir das vantagens de ser considerado um não residente fiscal. Ele enfatiza que, devido ao sistema de tributação global da renda vigente no Brasil – que, em princípio, taxa todos os rendimentos auferidos dentro e fora do país –, os investimentos realizados no exterior (inclusive em paraísos fiscais, ou em países como os Estados Unidos, com os quais o Brasil não possui tratado de bitributação) deixam de ser tributados na origem com a simples alteração do país de residência fiscal.

Diante desse cenário, o especialista do Ipea defende a implementação de um “imposto de saída” na mudança de domicílio fiscal por parte do Brasil. Sugere também que o país deixe de conceder isenções para fundos exclusivos destinados a não residentes, visando mitigar essas lacunas fiscais. Por sua vez, o economista Gobetti reforça a importância da tributação sobre os dividendos enviados ao exterior, medida que está prevista na atual proposta de reforma do Imposto de Renda. A justificativa para isso é que, com a tributação de lucros e dividendos no Brasil, a ausência de uma taxação similar sobre o envio desses recursos para o exterior tornaria mais atrativa a opção de um indivíduo se tornar não residente e remeter seu capital para fora do país. Isso permitiria que o indivíduo ficasse livre da tributação sobre dividendos que se pretende instaurar com a reforma, além de se desvincular de impostos mínimos.

Com informações de Folha de S.Paulo

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