Uma análise aprofundada sobre o reequilíbrio das concessões aeroportuárias no Brasil expôs desafios significativos na gestão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A pesquisa, conduzida por Danielle Pinho Soares Alcântara Crema, que já atuou como ex-superintendente da própria agência, oferece uma radiografia inédita sobre a tramitação e os resultados dos pedidos de revisão econômica-financeira protocolados pelas concessionárias do setor de 2012 a 2024. O estudo fundamenta-se em ampla pesquisa teórica e análise minuciosa de casos reais, focando especificamente nas revisões extraordinárias em que os operadores alegaram terem sido impactados por riscos de responsabilidade do poder público concedente.
A dissertação de mestrado, desenvolvida na renomada Harvard Law School e agora compartilhada publicamente, detalha cada instância onde os operadores aeroportuários buscaram compensações, fornecendo um panorama claro das interações entre o setor privado e o órgão regulador. A amplitude da investigação permite identificar padrões e gargalos na aplicação das normativas, com implicações diretas na segurança jurídica e na previsibilidade para futuros investimentos em infraestrutura aeroportuária nacional, conforme ressaltou Mauricio Portugal Ribeiro, sócio do Portugal Ribeiro & Jordão Advogados e mestre em direito.
Anac: Reequilíbrio de Concessões Aeroportuárias Revela Falhas
O levantamento revela números expressivos e um contraste marcante entre as solicitações das concessionárias e o reconhecimento por parte da Agência Nacional de Aviação Civil. Atualizado até agosto de 2024, foram protocolados 126 pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, somando uma quantia global de R$ 47 bilhões. Destes, a Anac deferiu 65 pleitos, o que representa aproximadamente 51,5% do total. Contudo, o valor efetivamente reconhecido nesses deferimentos alcançou apenas R$ 6,5 bilhões. Por outro lado, os 61 pedidos que foram indeferidos correspondiam a uma cifra muito superior, de R$ 37 bilhões, o que corresponde a quase 79% do valor total originalmente reivindicado. Este notável contraste salienta um descasamento pronunciado entre o que as empresas esperavam receber e a forma como a prática regulatória foi aplicada, gerando um desalinhamento de expectativas no crucial setor de concessões aeroportuárias.
É importante ressaltar que todos os valores citados no estudo são históricos, ou seja, não foram submetidos a qualquer tipo de atualização monetária por inflação. Um aprimoramento nessa dimensão dos dados, se aplicado, concederia uma precisão ainda maior à análise e uma visão mais realista do poder de compra e das perdas financeiras ao longo do tempo. Apesar de a pesquisa não se propor a julgar as decisões da Anac, ela permite a criação de cenários de simulação de custos esperados de riscos que caberiam ao poder concedente durante a vigência dos contratos de concessão. Tal capacidade de previsibilidade tem o potencial de levar a propostas de licitações mais adequadas à realidade econômica e operacional no futuro, contribuindo para um ambiente de maior solidez e confiança para as partes envolvidas nas concessões.
A análise, contudo, também trouxe à luz falhas operacionais e regulatórias evidentes no tratamento de algumas situações específicas. A mais grave, segundo o estudo, diz respeito à forma como a pandemia de Covid-19 foi tratada pela agência reguladora. Este evento de proporções globais foi oficialmente reconhecido como um caso de força maior, classificando-o como um risco intrínseco e atribuível ao poder concedente. Dessa forma, a prerrogativa da Anac deveria ser, de maneira direta e de acordo com a lógica contratual, calcular os impactos decorrentes da crise sanitária e compensar adequadamente as concessionárias, pautando-se nas projeções para a totalidade do prazo contratual, com revisões quinquenais programadas, um processo alinhado aos princípios dos contratos de concessão de infraestrutura.
Em contraste com a metodologia contratual esperada para o reequilíbrio econômico-financeiro, a Anac optou por um modelo de compensação de perdas realizado ano a ano. Além disso, a agência estabeleceu a condição de que novas revisões estariam atreladas à reclassificação contínua do próprio evento (pandemia de Covid-19) como uma ocorrência ordinária ou extraordinária. Ao reiteradamente submeter a pandemia de Covid-19 a um novo juízo de classificação, a Anac desvirtuou a lógica inerente ao processo de reequilíbrio contratual, que preconiza a compensação integral de eventos imprevistos e de grande magnitude. Essa abordagem diferencia-se de outras agências federais e até de decisões anteriores tomadas pela própria Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em que a compensação seguia um regime mais previsível e aderente às cláusulas de reequilíbrio de força maior, especificamente no contexto de eventos extraordinários.
O impacto dessa divergência metodológica não é superficial e acarreta sérias consequências para as concessões aeroportuárias e o mercado financeiro. A compensação anualizada, ao contrário do modelo previsto originalmente que consideraria a projeção de todo o prazo contratual, impede que as instituições financiadoras considerem esses valores em suas análises de projeção de receitas. Essa prática, por sua vez, afeta diretamente a capacidade das concessionárias em honrar seus compromissos e dívidas financeiras. O desfecho é um cenário de elevada insegurança jurídica, que culmina na desconfiança por parte dos investidores e em uma maior complexidade para angariar financiamento para novos e atuais projetos de infraestrutura aeroportuária, que são cruciais para o desenvolvimento econômico do país.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
No Brasil, uma nação que mantém uma dependência significativa das concessões como alavanca fundamental para a expansão de seus investimentos em infraestrutura, a lição derivada deste estudo é cristalina: a ausência de respeito às metodologias contratuais estabelecidas compromete seriamente a credibilidade e a sustentabilidade do sistema de reequilíbrio econômico. Embora os aeroportos brasileiros continuem a ser percebidos como ativos atrativos no mercado global, eles operam, em geral, com margens de lucro bastante estreitas. Consequentemente, equívocos e desalinhamentos regulatórios têm o potencial de reduzir ainda mais a atratividade do setor, desencorajando aportes de capital. Não é mera coincidência que grandes e importantes players do mercado tenham decidido listar seus portfólios de aeroportos para venda, sem qualquer intenção declarada de retornar ao setor em um futuro próximo, o que sinaliza um recuo estratégico e uma preocupante percepção de risco regulatório.
Dessa forma, fica evidente que, embora os erros de regulação talvez não sejam os únicos fatores a explicar a crise que o setor atravessa atualmente, tampouco contribuem para a reversão desse cenário desafiador. A necessidade de alinhamento e consistência regulatória torna-se um pilar indispensável para o reestabelecimento da confiança e para a sustentabilidade de um dos mais vitais segmentos de infraestrutura do Brasil, conforme evidenciado pela pesquisa de Danielle Pinho Soares Alcântara Crema e corroborado pela análise de Mauricio Portugal Ribeiro, reforçando a importância da conformidade nas regras de reequilíbrio da Anac para as concessões aeroportuárias.
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Para se aprofundar nas discussões sobre regulação, os desafios dos reequilíbrios contratuais e as tendências do mercado de concessões no Brasil, continue acompanhando as análises e notícias detalhadas em nossa editoria de Economia. Mantenha-se informado sobre os impactos dessas decisões no cenário nacional e os possíveis desdobramentos para o futuro da infraestrutura e dos investimentos no país.
Crédito da imagem: Bruno Santos – 24.ago.2023/Folhapress
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