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Agrotóxicos Contaminam Peixes e Ameaçam Saúde no Ceará

Um estudo alarmante da Universidade Federal do Ceará (UFC) revelou que **agrotóxicos contaminam peixes e ameaçam a saúde no Ceará**, expondo comunidades tradicionais no interior do estado a riscos graves, como câncer e disfunções hormonais. Publicada em agosto, a pesquisa focou nos impactos do uso intensivo de inseticidas na agricultura sobre os pescados em um […]

Um estudo alarmante da Universidade Federal do Ceará (UFC) revelou que **agrotóxicos contaminam peixes e ameaçam a saúde no Ceará**, expondo comunidades tradicionais no interior do estado a riscos graves, como câncer e disfunções hormonais. Publicada em agosto, a pesquisa focou nos impactos do uso intensivo de inseticidas na agricultura sobre os pescados em um trecho do Rio Poti, que banha os distritos de Oiticica e Ibiapaba, localizados no município de Crateús.

Maria do Carmo Silva, uma professora aposentada de 68 anos e moradora de Oiticica, recebeu as descobertas com profunda apreensão. Ela, assim como muitos outros residentes, consome ocasionalmente os peixes do rio e teme as implicações para a saúde da comunidade. Embora a maioria não tenha manifestado problemas até o momento, a potencial conexão com doenças sérias como o câncer levanta um alerta crucial para a subsistência e bem-estar dessas populações ribeirinhas que dependem dos recursos naturais para sua alimentação.

Agrotóxicos Contaminam Peixes e Ameaçam Saúde no Ceará

O estudo foi impulsionado por relatos de moradores locais, que notaram alterações visíveis nos peixes, como vermelhidão nos olhos. Com o suporte de equipamentos específicos e a colaboração de pescadores da região, as estudantes Ana Clara Rosendo e Isadora Brandão, ambas engenheiras ambientais pela UFC, embarcaram na zona rural de Crateús. A investigação inicial começou em 2023, quando foram observadas essas anomalias em um trecho do rio em Ibiapaba. Em agosto de 2024, a UFC Crateús, em colaboração com o Laboratório de Avaliação de Contaminantes Orgânicos (Lacor) do Instituto de Ciências do Mar (Labomar-UFC), iniciou oficialmente os trabalhos que culminaram na identificação e quantificação de poluentes emergentes e persistentes nos tecidos musculares dos peixes, cujos resultados preliminares foram divulgados em abril deste ano. A pesquisa se tornou o trabalho de conclusão de curso das estudantes, orientadas pela professora Janaina Lopes Leitinho.

As comunidades de Oiticica e Ibiapaba, embora distantes da sede de Crateús por cerca de uma hora de carro, partilham a dependência da agricultura familiar e da pesca. Oiticica, descrita por Maria do Carmo como uma “cidade-fantasma”, tem apenas 17 famílias e cerca de 50 moradores, resultado do abandono de uma antiga estação ferroviária nos anos 60. Em contrapartida, Ibiapaba é um distrito maior. Em ambas, o uso intensivo de pesticidas, aliado a práticas como o descarte inadequado de resíduos sólidos e a ausência de saneamento básico, contribuem para a degradação do Rio Poti.

A origem dos agrotóxicos identificados no estudo é multifacetada e difusa, dificultando a rastreabilidade pontual, conforme explicaram as pesquisadoras. A contaminação pode ocorrer de diversas formas, incluindo a dispersão aérea dos resíduos, o arraste pela água da chuva e a infiltração direta do pesticida na terra, alcançando os lençóis freáticos e, subsequentemente, os rios. Ana Clara Rosendo enfatiza que a intenção da pesquisa não é atribuir culpa, mas buscar soluções eficazes. A carência de serviços básicos, como coleta de esgoto e lixo, especialmente em Oiticica, uma localidade remota, agrava significativamente o cenário.

Impactos dos Contaminantes na Saúde Humana e Animal

O aspecto mais alarmante do estudo concentra-se nos potenciais riscos à saúde humana. Conforme Maurício Macedo, químico industrial e mestre em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente, a exposição crônica a resíduos de agrotóxicos provoca “efeitos diversos e muitas vezes silenciosos”. A literatura e a prática clínica associam tais exposições a:

  • Perturbação endócrina: Agrotóxicos que agem como desreguladores hormonais, afetando hormônios sexuais, tireoidianos e de crescimento.
  • Déficits neurológicos: A exposição recorrente a classes específicas, como os organofosforados, é vinculada a problemas de memória, dificuldades cognitivas, alterações comportamentais e, em longo prazo, um maior risco de doenças neurodegenerativas.
  • Comprometimento hepático e renal: O fígado e os rins, essenciais na detoxificação, são sobrecarregados, podendo levar a lesões funcionais por compostos bioacumuláveis.
  • Problemas reprodutivos e no desenvolvimento fetal: Há evidências da associação entre exposição materna a agrotóxicos e baixo peso ao nascer, malformações congênitas e alterações no desenvolvimento neurológico infantil.

O relatório da UFC adverte que a ingestão diária de apenas 150 gramas de filé de peixe contaminado por um período de 70 anos pode estar ligada ao desenvolvimento de doenças severas, como câncer, além de distúrbios hormonais e neurológicos. Em um ponto de preocupação, a professora Janaína Leitinho destaca que Crateús lidera as taxas de mortalidade por câncer no Norte do Ceará. Embora o câncer seja uma doença multifatorial e não se possa estabelecer uma causalidade direta apenas pelo consumo de peixes, a coincidência gera um estado de alerta e a necessidade de aprofundar as investigações. Mais informações sobre os impactos gerais dos agrotóxicos na saúde podem ser consultadas em fontes como a Agência Fiocruz de Notícias, que frequentemente aborda o tema.

Detalhes da Contaminação e Agrotóxicos Identificados

Para a coleta, 47 exemplares de diversas espécies de peixes, incluindo Tilápia, Bodó, Piau, Tucunaré, Curimatã, Branquinha, Piranha, Traíra, Cangati, Voador e Cará-preto, foram retirados de trechos do Rio Poti, tanto dentro quanto fora da Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti, a maior Unidade de Conservação estadual do Ceará. A análise concentrou-se no tecido muscular dos peixes, a parte mais frequentemente consumida pelos humanos.

Os testes, realizados no Laboratório de Contaminantes Orgânicos da UFC, em Fortaleza, confirmaram a presença de múltiplos agrotóxicos. Os piretróides (PPs) foram os inseticidas predominantes, associados a riscos neurológicos e endócrinos. Outras substâncias encontradas incluem os Organoclorados (OCPs) e Bifenilos Policlorados (PCBs), ambos com potencial cancerígeno, e os Éteres Difenílicos Polibromados (PBDEs), que também apresentam riscos neurológicos e endócrinos.

Agrotóxicos Contaminam Peixes e Ameaçam Saúde no Ceará - Imagem do artigo original

Imagem: g1.globo.com

Curiosamente, as maiores concentrações desses contaminantes foram registradas no distrito de Ibiapaba, uma área fora da APA, o que sugere uma maior exposição a fontes agrícolas intensas. As espécies Curimatã e Bodó foram as mais afetadas, preocupante por serem habitualmente consumidas por ribeirinhos que vivem próximos às várzeas do rio. Nos próprios peixes, os agrotóxicos causaram necrose severa e irreversível nos músculos, além de outras condições como parasitas, congestão vascular e infiltração leucocitária, conforme observado pela pesquisadora Isadora Brandão.

Impactos Ambientais e Climáticos Agravam o Cenário

As alterações climáticas globais também desempenham um papel crucial no agravamento da situação. Ondas de calor e a escassez de chuvas em Crateús resultam em níveis de água dramaticamente baixos no Rio Poti. Essa redução do volume de água leva a uma maior concentração dos poluentes existentes, expondo os peixes e, consequentemente, os seres humanos a cargas mais elevadas de agrotóxicos. Janaína Leitinho ressalta que a alta incidência de raios solares na região também acelera a evaporação dos reservatórios, exacerbando o problema da seca e da concentração de contaminantes.

A situação é um dilema para os sertanejos, que buscam alimentos em um ambiente cada vez mais desafiador, ao mesmo tempo em que lidam com a necessidade de controle de pragas em suas culturas. As pesquisadoras enfatizam a necessidade de pensar em soluções urgentes para proteger tanto o Rio Poti quanto a saúde das comunidades que dependem dele, especialmente diante da dificuldade de acessar áreas remotas como Oiticica para fornecer infraestrutura básica como saneamento ou coleta de lixo.

Apesar da seriedade das descobertas, a rotina nas comunidades ainda segue com relativa tranquilidade. Maria do Carmo planeja conversar com seus vizinhos para alertá-los sobre os riscos e incentivar mais cuidado, mas reconhece que o assunto ainda não gerou grande alarme. A moradora, que também foi agente de saúde na região, testemunhou ao longo de sua vida as carências estruturais do distrito, incluindo o difícil acesso a serviços de saúde, com o posto mais próximo estando a 21 quilômetros em Ibiapaba. Sua história reflete a resiliência e a dependência contínua dessas comunidades em relação ao rio.

As pesquisadoras da UFC estão em constante contato com as comunidades, repassando os resultados e conscientizando sobre o problema. Além disso, a prefeitura de Crateús já foi alertada sobre os achados do estudo. O plano é expandir a pesquisa, com um foco ainda maior na vertente da saúde. A conscientização, para Ana Clara Rosendo, é fundamental: “Cada pequena mudança na cabeça da pessoa faz diferença. É o que vai mudar a realidade do meio ambiente.” O desafio, porém, é maior do que o inicialmente percebido, exigindo um monitoramento ambiental contínuo e intensificado ao longo de todo o curso do Rio Poti, bem como o planejamento urgente de políticas públicas.

Confira também: artigo especial sobre redatorprofissional

A investigação da UFC ilumina uma “contaminação silenciosa” que põe em risco não apenas a biodiversidade local, mas também a vida e a saúde de comunidades tradicionais. Compreender a dimensão deste problema e a urgência de medidas é o primeiro passo para salvaguardar o futuro. Continue acompanhando nossas análises na editoria de Cidades para mais atualizações sobre temas de impacto ambiental e social.

Crédito da imagem: Lincoln de Sousa (Arte)

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