A mais recente visão do clássico gótico de Mary Shelley, ‘Frankenstein’, dirigida por Guillermo del Toro, alcançou um feito notável no Festival de Cinema de Veneza, recebendo uma ovação de pé de treze minutos. A acolhida calorosa sublinha o status de um dos destaques mais esperados da 82ª edição do prestigiado evento cinematográfico. O longa-metragem tem sua estreia aguardada nos cinemas brasileiros para o mês de outubro, e posteriormente integrará o catálogo global da plataforma Netflix em novembro.
O percurso que culminou na realização deste projeto cinematográfico teve início anos atrás, quando Ted Sarandos, o então chefe da Netflix, se reuniu com Guillermo del Toro. Durante o encontro, Sarandos inquire sobre os filmes que o renomado diretor ainda almejava produzir, mas que não haviam sido concretizados. Del Toro prontamente respondeu com duas obras literárias emblemáticas: “Pinóquio e Frankenstein”. A reação do executivo da gigante do streaming foi encorajadora: “Então faça”, uma declaração que selou o compromisso da Netflix em financiar ambas as produções. A primeira destas visões, a aclamada e sombria fantasia de Pinóquio, foi lançada em 2022, solidificando a parceria e pavimentando o caminho para o audacioso ‘Frankenstein’.
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Ainda na fase inicial do desenvolvimento de ‘Frankenstein’, Guillermo del Toro fez questão de advertir sobre a magnitude do empreendimento, caracterizando-o como “grande”. Sua afirmação se provaria verdadeira à medida que o projeto progredia. Este filme, uma elaboração ambiciosa do cineasta mexicano sobre a história do cientista obsessivo e sua criação monstruosa, representa uma culminância de décadas de dedicação pessoal. Em declarações à imprensa durante o festival, del Toro confessou que a narrativa de Frankenstein se consolidou como “uma espécie de sonho, ou mais do que isso, uma religião para mim desde criança”, indicando a profundidade de sua conexão com o material fonte. A atuação de Boris Karloff na adaptação de 1931 é mencionada por ele como uma influência singular e marcante para a fascinação duradoura que cultiva pela história original.
Del Toro explicou a longa gestação de sua versão para o cinema, afirmando que sempre nutriu a esperança de que o filme fosse concebido sob as “condições certas”. Essas condições abarcavam tanto a liberdade criativa quanto a capacidade de atingir o escopo necessário para distinguir sua obra das demais, de forma a viabilizar uma escala que permitisse a reconstrução de um universo ficcional integral. Com o processo de produção agora concluído e a obra prestes a ser lançada para o grande público, o diretor descreveu o sentimento que o envolve como uma espécie de “depressão pós-parto”, expressando uma mistura de alívio e melancolia pós-criação. O clímax dessa jornada, a exibição inaugural na 82ª edição do Festival de Veneza, resultou em treze minutos de aplausos ininterruptos, uma rara manifestação de apreço registrada pela agência de notícias Associated Press (AP).
Desde a publicação do romance original ‘Frankenstein’, escrito por Mary Shelley em 1818, a história tem sido revisitada e reinterpretada em centenas de filmes, séries de televisão e histórias em quadrinhos, imortalizando o célebre personagem em diversas mídias e épocas. A mais recente adaptação de Guillermo del Toro traz Oscar Isaac no papel de Victor Frankenstein, o brilhante, mas atormentado, cientista que eventualmente se arrepende de seu experimento audacioso. Para dar vida à icônica criatura monstruosa, Jacob Elordi assume um visual irreconhecível, apresentando uma nova faceta para um personagem com um rico histórico cinematográfico e literário. A escalação cuidadosa dos atores demonstra a intenção de del Toro em explorar a profundidade e a complexidade dos personagens, renovando o interesse na trama central e nas suas subjacentes reflexões.
Oscar Isaac, ao relembrar o início de sua colaboração no projeto, compartilhou a maneira pela qual Guillermo del Toro o cativou. O diretor, com sua forma peculiar de comunicar o entusiasmo pelo trabalho, disse ao ator: “Estou criando este banquete para você, você só precisa aparecer e comer.” Isaac corroborou a verdade contida nessa afirmação, descrevendo uma sinergia quase imediata e orgânica com o cineasta. Ele detalhou que houve uma fusão de visões, permitindo-lhe “simplesmente conectar-se com Guillermo e mergulhar de cabeça” na produção. O ator expressou incredulidade e admiração pelo ritmo acelerado com que a obra foi concebida, notando: “Não acredito que estou aqui agora. Que chegamos a este ponto em dois anos. A sensação é de que aquilo era um auge”, evidenciando o quão imersiva e recompensadora foi a experiência criativa.
Originalmente, Andrew Garfield havia sido escalado para interpretar a complexa figura da criatura. Contudo, desdobramentos inesperados forçaram sua saída do projeto. Conflitos de agenda, decorrentes das extensas greves que assolaram Hollywood na época, tornaram impossível sua permanência. Com a vaga de último minuto, Jacob Elordi assumiu o papel com pouquíssimo tempo de preparação. Elordi rememorou a celeridade do processo: “Guillermo me procurou com o processo bem adiantado”, o que lhe concedeu um período de “cerca de três semanas antes de começar a filmar”. Embora reconhecendo a “tarefa monumental” que se apresentava, ele ecoou o sentimento de Isaac ao afirmar que “o banquete estava lá e todos já estavam comendo quando cheguei, então tive só que puxar uma cadeira. Foi um sonho que se tornou realidade”, destacando a acolhida da equipe e a empolgação com o desafio.
Além das atuações de destaque de Oscar Isaac e Jacob Elordi, o elenco estelar conta também com a presença de Cristoph Waltz, adicionando sua reconhecida intensidade dramática ao conjunto. Mia Goth interpreta Elizabeth, a personagem que se casa com Frankenstein, mas que, ao longo da trama, desenvolve uma crescente distância emocional do marido, uma vez que sua compaixão e gentileza para com a criatura se mostram mais acentuadas do que as manifestadas para com seu próprio esposo. Essa dinâmica explora as complexidades dos relacionamentos humanos e a natureza da empatia em face do “monstruoso”, tecendo uma intrincada tapeçaria de emoções e dilemas morais.
A estrutura narrativa do filme de del Toro é meticulosamente elaborada, dividindo-se em três partes distintas. O enredo é introduzido por um prelúdio, que contextualiza os eventos subsequentes, seguido por duas versões dos mesmos acontecimentos, apresentadas a partir de pontos de vista alternados: o de Victor Frankenstein e o de sua criação. Essa dualidade narrativa permite uma exploração aprofundada da infância de Frankenstein e dos diversos fatores que o impulsionaram a embarcar em seu audacioso experimento científico. Mais do que isso, a narrativa deliberadamente incentiva o público a perceber a história sob a perspectiva da criatura, um ser inicialmente inocente que se vê vítima de maus-tratos e rejeição por parte de seu próprio criador. Com uma duração que se estende por quase duas horas e meia (totalizando 149 minutos), o filme oferece amplo espaço para que os personagens e suas complexas trajetórias se desenvolvam de forma plena e impactante, permitindo uma imersão profunda na psicologia de cada um deles.
As primeiras avaliações críticas acerca da obra de del Toro têm apontado para a validade da sua extensão. Pete Hammond, do Deadline, expressou em sua crítica que a duração do filme, embora extensa, é quase totalmente justificada. Ele observa que o universo concebido por del Toro se mostra “tão irresistível”, e o retorno a um modelo de “grande produção cinematográfica de Hollywood” é “tão pronunciado”, que conter o ímpeto criativo do diretor seria uma tarefa árdua. Hammond complementou sua análise com uma questão retórica que reflete bem o sentimento de muitos: “Quando você solta um cineasta do porte de del Toro no laboratório, por que encurtar o filme?”, defendendo a liberdade artística do realizador diante de uma narrativa de tal magnitude e impacto visual.

Imagem: g1.globo.com
No entanto, a recepção crítica não foi unânime em seu entusiasmo. Avaliações menos generosas também foram pontuadas, com alguns críticos argumentando que o trabalho estava aquém do melhor do diretor. Geoffrey McNab, do The Independent, descreveu o filme como “só espetáculo e pouca substância”, sugerindo que, “apesar de toda a maestria formal de Del Toro, este Frankenstein carece, em última análise, da energia necessária para realmente lhe dar vida”. Essa perspectiva indica uma preocupação com a profundidade emocional e temática do filme, contrastando com o seu apelo visual.
Em contraponto, David Rooney, do The Hollywood Reporter, demonstrou considerável entusiasmo por ‘Frankenstein’, de Guillermo del Toro, ao descrever o filme como “um dos melhores trabalhos de Del Toro”. Ele o enalteceu como “uma narrativa em escala épica, de beleza, sentimento e arte incomuns”, ressaltando a capacidade do diretor de infundir a história com uma profundidade artística notável. De modo semelhante, Jane Crowther, da Total Film, concedeu quatro estrelas à produção. Sua análise destacou que o filme é “magistralmente elaborado e com temática pertinente”, classificando-o como “uma adaptação elegante, embora não tão ousada, com potencial para premiações”. Essas avaliações sublinham a polaridade na recepção do filme, que conseguiu impressionar pela sua execução técnica e ressonância temática, ao mesmo tempo em que gerou algumas discussões sobre sua audácia e energia intrínseca.
Guillermo del Toro, com seus sessenta anos de idade, consolidou-se como um dos diretores mais admirados e estimados de sua geração no cenário cinematográfico mundial. Sua profunda paixão pelo cinema e sua ambição ilimitada quanto ao potencial que a sétima arte pode atingir são características que o tornam uma figura respeitada na indústria. Hollywood frequentemente recorre a del Toro para dar vida a histórias que envolvem monstros e outras criaturas fantásticas, um campo no qual ele demonstrou maestria inigualável. Seu portfólio inclui obras aclamadas como ‘O Labirinto do Fauno’, ‘Círculo de Fogo’ e, notavelmente, ‘A Forma da Água’, que em 2018 lhe rendeu os prestigiosos prêmios Oscar de melhor filme e melhor diretor. Essa trajetória evidencia sua habilidade singular de transitar entre a fantasia e o drama, sempre com uma assinatura visual e narrativa marcante.
A grande afeição de Guillermo del Toro por monstros e sua notável habilidade em humanizá-los em seus filmes são traços distintivos de sua obra, que frequentemente despertam a simpatia do público por personagens antes percebidos como vilões ou figuras unicamente aterrorizantes. No contexto de ‘Frankenstein’, ele articulou sua intenção específica em relação à criatura. O diretor afirmou: “Eu queria que a criatura nascesse de novo. Muitas das interpretações são como vítimas de acidentes, e eu queria beleza”. Essa declaração revela o desejo de del Toro de reverter a representação comum da criatura como um ser meramente deformado ou azarado, buscando, em vez disso, infundir-lhe uma dimensão de beleza e dignidade que ressoa com sua visão artística de reabilitação e empatia para com o “monstruoso”, subvertendo as expectativas tradicionais da audiência e aprofundando a discussão sobre a percepção do diferente.
A atenção meticulosa de Del Toro aos detalhes e sua visão artística em ‘Frankenstein’ se estenderam por todos os aspectos da produção, manifestando-se com especial cuidado nos figurinos e, particularmente, nos cenários. O diretor enfatizou o uso de construções físicas e realistas, priorizando a tangibilidade sobre os recursos digitais de geração de imagens, conhecidos como CGI (do inglês “computer generated imagery”). Christoph Waltz, em tom provocativo e arrancando risadas da plateia, ironizou: “CGI é para perdedores”, uma afirmação que encapsula a predileção do time pela autenticidade prática. Del Toro corroborou essa postura, complementando que as filmagens em cenários concretos frequentemente resultam em interpretações mais aprofundadas e convincentes por parte dos atores, em comparação com as limitações impostas pelo trabalho diante de telas verdes. Ele, frequentemente, utiliza uma analogia marcante para distinguir o CGI do trabalho manual artesanal, descrevendo o primeiro como “colírio para os olhos” e o segundo como “proteína para os olhos”. Essa comparação serve como um forte argumento do cineasta, que insiste que seus filmes transcendem a mera espetacularidade visual, aspirando a ser obras com substância e alma, embora reconheça e utilize efeitos digitais apenas quando considerados absolutamente necessários para a concretização de sua visão artística.
A ideia intrínseca à trama de Frankenstein, a saber, a criação de um ser inteligente que, em última análise, age sob os seus próprios termos e possui autonomia, pode soar particularmente familiar no cenário contemporâneo, dada a emergência da inteligência artificial e suas ramificações sociais e filosóficas. Contudo, Guillermo del Toro faz questão de esclarecer que seu filme “não pretende ser uma metáfora” direta para a inteligência artificial, ao contrário do que alguns críticos ou espectadores poderiam ter sugerido. Em vez disso, ele convida à reflexão sobre questões mais elementares e atemporais da condição humana. Del Toro pontua que “vivemos em uma época de terror e intimidação”, e para ele, a “resposta, da qual a arte faz parte, é o amor”. Ele reitera que a pergunta central do romance de Mary Shelley, desde a sua concepção, sempre foi: “O que é ser humano?”.
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O diretor prossegue em sua análise, argumentando que “não há tarefa mais urgente do que permanecer humano em uma época em que tudo caminha para uma compreensão bipolar da nossa humanidade”, uma visão que ele prontamente descarta como irrealista e “inteiramente artificial”. Del Toro ressalta a complexidade inerente ao ser humano, definindo a “característica multicromática de um ser humano” como a capacidade de “ser preto, branco, cinza e todos os tons intermediários”, combatendo qualquer tentativa de simplificar a natureza humana a dicotomias redutivas. Para o cineasta, sua versão de Frankenstein se empenha em “mostrar personagens imperfeitos e o direito que temos de permanecer imperfeitos”, promovendo uma mensagem de aceitação da falibilidade humana e da diversidade inerente à existência, reiterando a profundidade filosófica de sua abordagem.
Com informações de g1.globo.com
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