Acidente Elevador Glória: Relatório Aponta Falta de Manutenção

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O acidente no Elevador da Glória, em Lisboa, ocorrido em 3 de setembro, que resultou na trágica morte de dezesseis pessoas, teve como causa primordial a ausência de manutenção adequada, conforme aponta um relatório preliminar recém-divulgado. O documento, assinado pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), órgão pertencente ao Ministério das Infraestruturas, responsabiliza diretamente a Companhia Carris de Ferro de Lisboa (Carris), responsável pela operação e conservação do histórico veículo.

As vítimas não foram apenas tragadas por um colapso mecânico, mas por uma combinação nefasta de fatores, que incluíram o apelo do passado lisboeta tanto para moradores quanto para turistas, e, principalmente, as falhas sistêmicas de uma empresa incumbida de manter um meio de transporte considerado um clássico patrimônio. A investigação policial portuguesa ainda não está plenamente finalizada, mas este relatório preliminar, tornado público na segunda-feira, 20 de outubro, já estabelece uma série de graves equívocos na gestão da manutenção pela Carris.

Acidente Elevador Glória: Relatório Aponta Falta de Manutenção

Um dos pontos mais críticos evidenciados pelo GPIAAF reside na singularidade regulatória que excluía o Elevador da Glória do escopo da fiscalização federal. Diferente de outros bondes e transportes da cidade, este elevador, junto ao Elevador da Bica – inaugurado em 1884, um ano antes do da Glória, de 1885 –, estava categorizado como “carro elétrico de tipo clássico movido por cabo”. Essa classificação os deixava à margem da supervisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), o órgão federal encarregado de verificar a segurança dos transportes elétricos lisboetas. Tal lacuna de fiscalização delegava integralmente à Carris a responsabilidade exclusiva pela segurança operacional e manutenção destes emblemáticos meios de transporte.

A Companhia Carris de Ferro de Lisboa, uma empresa pública de vasto alcance na capital portuguesa, gerencia uma complexa rede de ônibus e veículos elétricos. Após a repercussão das conclusões iniciais do relatório do GPIAAF, a Carris confirmou ter procedido com a demissão do diretor da área de Manutenção do Modo Elétrico, segmento que supervisionava bondes e elevadores como o da Glória, reconhecendo implicitamente falhas em seus processos internos.

A principal falha mecânica identificada no relatório foi o rompimento da conexão vital entre o veículo e o cabo, em uma seção que estava inacessível durante as inspeções de rotina. Para que tal área crítica pudesse ser verificada adequadamente, seria indispensável um processo de desmontagem de várias peças do elevador. Essa operação, por sua vez, exigiria a paralisação completa do serviço por um mínimo de dois dias, cenário não contemplado nos protocolos de segurança da Carris, provavelmente devido ao elevado fluxo turístico e à centralidade do elevador na vida urbana de Lisboa.

O Elevador da Glória, que se constituiu numa das principais atrações e vias de ligação da capital, foi projetado por Raoul Mensnier du Ponsard, um engenheiro franco-português que orgulhosamente rememorava seus estudos em Paris sob a tutela do renomado Gustave Eiffel. O mecanismo do elevador consistia em dois bondes interdependentes, unidos por um cabo e deslocando-se sobre trilhos em uma íngreme ladeira que conectava as regiões alta e baixa da cidade. A engenhosa arquitetura operava em um sistema de contrapeso: enquanto um veículo descia, o outro ascendia, em um movimento coordenado. O desastre materializou-se no instante em que o cabo mestre se partiu, resultando na descida desgovernada do veículo que se encontrava no topo da inclinação, chocando-se violentamente contra uma edificação localizada a meio do percurso.

O documento é contundente em suas análises sobre a procedência da tragédia. “A utilização de cabos multiplamente desconformes com as especificações e restrições de utilização deveu-se a diversas falhas acumuladas no seu processo de aquisição, aceitação e aplicação pela CCFL [Carris], cujos mecanismos organizacionais de controlo interno não foram suficientes ou adequados para prevenir e detectar tais falhas”, assinalam as conclusões do relatório. Essa passagem ressalta não apenas um erro pontual, mas uma série de deficiências graves nos procedimentos de compra, aprovação e utilização dos materiais, demonstrando uma falha profunda nos mecanismos de controle interno da empresa. Para mais informações sobre a regulamentação do setor de infraestruturas, visite o site oficial do Ministério das Infraestruturas.

Acidente Elevador Glória: Relatório Aponta Falta de Manutenção - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

Os procedimentos de segurança estabelecidos foram seguidos imediatamente após o rompimento do cabo: tanto os freios automáticos quanto os manuais foram acionados. No entanto, estes mecanismos de emergência se revelaram ineficazes para conter a força do desastre. O relatório é ainda mais revelador ao apontar uma lacuna fundamental nos testes de segurança: “Não há memória de alguma vez na Carris ter sido testado o freio de emergência na situação de falha no cabo”, evidencia o documento. Essa constatação corrobora as críticas levantadas por diversos especialistas após o incidente, que apontaram a inadequação de um sistema concebido no século XIX, que não parecia ter evoluções de segurança para lidar com um tipo de falha tão catastrófico.

Diante da gravidade da situação e das conclusões preliminares do GPIAAF, a Carris divulgou um comunicado oficial. Nele, a empresa buscou direcionar parte da responsabilidade à MNTC, uma companhia terceirizada contratada para a manutenção, sugerindo que ela “poderá não ter cumprido devidamente o contrato”. A demissão do diretor foi justificada com a alegação de que “este incumprimento nunca foi reportado pela Direção de Manutenção do Modo Elétrico”, indicando uma possível falha de comunicação ou supervisão interna.

Adicionalmente, a Carris informou que está em andamento uma auditoria externa e independente, cujo objetivo é aprofundar a investigação das causas do acidente. As conclusões dessa auditoria, segundo a empresa, serão cruciais para uma análise mais detalhada e para complementar os dados da presente investigação conduzida pelo GPIAAF, esperando-se que contribuam para evitar futuros incidentes dessa natureza e aprimorar os protocolos de segurança dos seus serviços.

Desde a fatalidade de 3 de setembro, os três elevadores históricos de Lisboa – o da Glória, o da Lavra e o da Bica – permanecem desativados. Esta medida visa garantir a segurança dos passageiros e permitir que as autoridades concluam as investigações e que a empresa implemente as correções necessárias para que o sistema de transporte volte a ser totalmente confiável. A interrupção desses serviços afeta não apenas o trânsito diário de moradores, mas também o fluxo turístico que se beneficia dessas atrações centenárias.

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Em suma, o relatório sobre o incidente no Elevador da Glória expõe graves falhas de manutenção e fiscalização que levaram a uma tragédia evitável em Lisboa. Este episódio serve como um alerta crucial para a importância da revisão constante dos protocolos de segurança em infraestruturas urbanas, especialmente aquelas consideradas patrimônio histórico. Continue acompanhando a nossa editoria de Cidades para ficar por dentro dos principais acontecimentos e debates sobre segurança e transporte em centros urbanos ao redor do mundo.

Patrícia de Melo Moreira/AFP

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