Uma ação civil pública de indenização de R$ 400 mil contra um vereador de Cuiabá por transfobia e dano moral coletivo foi protocolada nesta sexta-feira (10). O parlamentar em questão é Rafael Ranalli (PL), que também atua como policial federal. A iniciativa partiu de Clóvis Arantes, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso, em conjunto com a Defensoria Pública estadual.
Em comunicado oficial, o vereador Ranalli afirmou não ter sido notificado sobre o processo, destacando seu respeito por “todas as opções sexuais e escolhas individuais, entendendo que a vida privada é de foro íntimo.” Este procedimento judicial surge apenas uma semana após a decisão da Justiça em manter a proibição de pessoas trans participarem de competições femininas organizadas pela prefeitura. A lei que estabelece essa vedação foi de autoria do próprio Ranalli e havia sido contestada pela Associação e pela Defensoria.
Vereador de Cuiabá: Ação de R$ 400 mil por Transfobia
A respeito da legislação de sua autoria, Ranalli justificou que o propósito era fundamentado em preceitos biológicos e científicos. Ele reiterou que qualquer declaração feita durante seu mandato tinha o objetivo de aprofundar o debate de forma pedagógica, e nunca de proferir ofensas a qualquer grupo social. No entanto, as entidades autoras da ação apontam que as declarações públicas do vereador descredibilizaram a identidade de gênero, exemplificando com a afirmação de que “João vira Sheila para competir com Maria.”
Com base nessas e outras falas, a Associação e a Defensoria Pública interpretaram que a conduta do vereador Ranalli transcendeu a ofensa individual, atingindo diretamente toda a comunidade. Para elas, suas manifestações negaram o reconhecimento de pessoas trans como titulares de direitos. No texto da ação, as entidades delineiam um padrão de comportamento por parte do vereador, que “evidencia não apenas desprezo pelas garantias constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana, mas também a intenção clara de criar e perpetuar um ambiente de hostilidade e exclusão contra uma comunidade historicamente vulnerabilizada, utilizando o espaço institucional que ocupa para legitimar e difundir preconceitos.”
As organizações enfatizam a gravidade da postura de Ranalli, considerando sua posição de vereador. A ação sugere que, diante da contestação da lei de sua autoria, ele poderia ter se limitado a reconhecer a legitimidade do processo democrático e o direito constitucional da população afetada de questionar uma norma vista como discriminatória. No entanto, o parlamentar optou por adotar uma postura que rebaixa a população trans, “incitando o desprezo e a hostilidade, e posicionando-se como verdadeiro agente estigmatizador, que fomenta preconceito e coloca cidadãos em condição de subsociedade”, conforme descrito no documento.
A ação elenca, ainda, os seguintes elementos para fundamentar o pedido de indenização e a caracterização do dano coletivo:
- **Conduta:** Consiste em declarações públicas de teor transfóbico, amplamente veiculadas, que estão diretamente associadas à defesa da lei municipal que promove a exclusão.
- **Ilícito:** Refere-se à afronta explícita à dignidade humana, à igualdade e ao princípio da não discriminação, configurando claramente um discurso de ódio.
- **Dano Coletivo:** Evidencia a ofensa aos valores imateriais da coletividade trans e da sociedade cuiabana como um todo, com efeitos que são difusos e indivisíveis.
- **Nexo Causal:** Aponta para o vínculo direto e inequívoco entre as manifestações proferidas pelo requerido e o abalo moral coletivo, potencializado pela repercussão na mídia e pela autoridade de sua posição.
Sobre a defesa, Rafael Ranalli reafirmou em nota que não foi citado ou intimado judicialmente em relação à ação mencionada, nem possui conhecimento formal do conteúdo da demanda que veio à tona pela imprensa. Dessa forma, declarou estar impedido de apresentar sua defesa ou qualquer manifestação sobre o mérito da ação enquanto não for devidamente notificado pela justiça.

Imagem: g1.globo.com
Em relação à lei de sua autoria que proíbe a participação de pessoas trans em disputas femininas realizadas em Cuiabá, o vereador Ranalli sustentou que “a ciência já demonstrou que, mesmo após tratamentos hormonais, atletas trans mantêm vantagens biológicas relacionadas a cromossomos, testosterona da puberdade, massa muscular, estrutura óssea e circulação sanguínea.” Ele prosseguiu, afirmando que o objetivo é “garantir que a categoria feminina permaneça justa e equilibrada, sem vantagens biológicas. O esporte precisa de regras claras, para que todas as mulheres que treinam, se dedicam e sonham em competir possam fazê-lo em condições iguais.”
É crucial entender que a transfobia se manifesta como o preconceito, a discriminação ou a hostilidade dirigidos a indivíduos transgêneros – aqueles cuja identidade de gênero diverge do sexo atribuído no nascimento. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a transfobia ao crime de racismo em 2019, uma decisão de grande impacto para a proteção legal dessa comunidade.
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A situação jurídica envolvendo o vereador Rafael Ranalli de Cuiabá sublinha a complexidade e a relevância das discussões sobre transfobia e os direitos da população LGBTQIA+ na esfera pública. O desdobramento deste caso poderá definir importantes precedentes sobre discursos de ódio e responsabilidade de agentes políticos. Continue acompanhando nossa editoria de Política para todas as atualizações.
Crédito da imagem: Foto: Reprodução
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