O lançamento mundial de “A Terra da Doce Eternidade”, coletânea de contos inéditos da aclamada escritora Harper Lee, marca um evento significativo no cenário literário. A obra, considerada de excelente qualidade e aproximando-se da excelência, é composta por oito narrativas que superam a média das publicações frequentemente oferecidas pelo mercado editorial.
Disponibilizado para o público nesta terça-feira (21) pelo preço de R$ 69,90 e contando com 160 páginas, o livro, editado pela José Olympio com tradução de Marina Vargas, apresenta um dilema mercadológico peculiar. Trata-se de uma compilação de textos que foram descartados e, por muito tempo, considerados perdidos, ressurgindo de maneira inesperada pelas mãos dos representantes legais da autora. Sua publicação ocorre sem a anuência de Lee, que faleceu em 2016.
A Terra da Doce Eternidade: Livro Póstumo de Harper Lee Lançado
A capa de “A Terra da Doce Eternidade” carrega o nome da criadora de um dos maiores e mais duradouros sucessos editoriais de todos os tempos, “O Sol É Para Todos”. Esse clássico contemporâneo, lançado em 1960, explora temas profundos como racismo e direitos humanos, mantendo um impressionante volume de vendas, com cerca de 40 milhões de exemplares comercializados globalmente.
Esta não é a primeira vez que manuscritos da renomada Harper Lee emergem de forma surpreendente. Em 2015, um romance até então desconhecido, intitulado “Vá, Coloque um Vigia”, foi publicado. Essa descoberta milagrosa revelou um rascunho inicial do que viria a ser sua obra mais consagrada, “O Sol É Para Todos”. O manuscrito foi encontrado esquecido em uma caixa de papelão na residência da escritora, localizada no estado americano do Alabama. Este texto havia sido abandonado por sugestão dos editores, que na época previam que “O Sol É Para Todos” venderia no máximo mil cópias.
O lançamento de “Vá, Coloque um Vigia” provocou um grande impacto. Harper Lee, então com 89 anos e internada em uma clínica geriátrica, havia há muito tempo se afastado da escrita, optando por um silêncio similar ao de J.D. Salinger. Seu principal biógrafo, Charles Shields, afirmou publicamente que a autora não tinha plena consciência de seus atos e havia sido, supostamente, manipulada. Segundo Shields, a vontade de Harper Lee era que aquele rascunho jamais fosse publicado.
Casos como este ilustram um debate ético e cultural crescente, o qual pode ser denominado como o “fator Kafka”. Esse dilema envolve as últimas vontades de autores, a demanda de leitores ansiosos por novas obras de seus escritores favoritos, e a responsabilidade de herdeiros e editoras. Outro exemplo notável é a novela “Em Agosto nos Vemos”, de Gabriel García Márquez, lançada mundialmente uma década após sua morte. Márquez, que sofria de demência, havia expressado o desejo de destruir o manuscrito. No entanto, a acolhida positiva de leitores e críticos sugeriu que sua decisão talvez não fosse a mais acertada.
Exemplos de oportunismo e publicações duvidosas não faltam na história da literatura, com obras que são divulgadas como “grandes tesouros esquecidos” revelando-se mais tarde meras anotações ou fraudes. “O Original de Laura”, de Vladimir Nabokov, tido como um dos segredos mais bem guardados da literatura e mantido em cofres de um banco suíço desde o fim da década de 1970, foi publicado em 2009. A decepção foi grande, pois o que se encontrou foram apenas rabiscos e notas fragmentadas, longe de ser uma obra-prima finalizada.
Um contraponto interessante foi a atitude de Fernando Sabino. Conhecido por sua prudência, Sabino dedicou seus últimos anos a organizar sua própria “obra póstuma em vida”, revisando e conferindo uma forma definitiva a todos os seus textos inéditos. Dessa forma, ele assegurou que seu legado literário fosse apresentado ao público da maneira que desejava, evitando futuras controvérsias.
Harper Lee, por sua vez, não se engajou em uma tarefa semelhante. Ela havia perdido o desejo de escrever e muito menos de revisitar papéis antigos. Com “O Sol É Para Todos”, Lee sentiu que havia atingido seus objetivos e expressou estar completamente satisfeita com sua contribuição, dedicando-se à reclusão criativa. Sua satisfação com a obra é amplamente documentada e pode-se entender a falta de apetite para futuras revisões ou trabalhos inéditos. Para quem busca aprofundar-se na trajetória e na influência de Harper Lee no panorama literário mundial, suas escolhas finais de vida permanecem um objeto de fascínio e estudo.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
“A Terra da Doce Eternidade” emerge, portanto, como um testemunho de sua jornada e de seu aprendizado contínuo como artista. O livro oferece um vislumbre de como Lee, em suas tentativas iniciais, desbravava seu próprio caminho na escrita criativa, explorando diferentes abordagens e vozes. Estes contos, elaborados cerca de uma década antes da publicação de “O Sol É Para Todos”, logo após a escritora se mudar do Alabama para Nova York, revelam cenários, personagens e dramas que ecoam os temas presentes em sua obra definitiva.
Nesses relatos de aprendizagem, percebe-se um vislumbre do charme futuro de Lee. O tom de voz é implacável, bem-humorado e com a energia característica da adolescência, que tanto denuncia quanto critica o universo adulto. Em essência, a protagonista evoca uma figura similar a Holden Caulfield, de “O Apanhador no Campo de Centeio”, mas com uma sensibilidade feminina que não esconde uma profunda ternura, apesar de uma aparente rispidez inicial. A conexão dos primeiros rascunhos com os contos é notável, mostrando uma consistência no estilo e nos temas que Lee já explorava.
Além da coleção de contos, o volume, embora enxuto, é enriquecido por uma introdução assinada pela jornalista Casey Cep e uma seção com oito ensaios. Essas reflexões abordam tópicos variados como infância, família, amizade, vida intelectual e a cultura do sul dos Estados Unidos. Em particular, destaca-se um perfil de Truman Capote, figura com quem Harper Lee estabeleceu uma parceria única. Os dois foram vizinhos na infância, e Lee se inspirou nele para criar o personagem Dill Harris em “O Sol É Para Todos”. Ambos também colaboraram no romance de não ficção “A Sangue Frio”, onde a participação de Lee, embora fundamental, ficou em segundo plano, menos reconhecida.
Capote, conhecido por sua inveja em relação ao sucesso de sua amiga, ocasionalmente, sob o efeito de álcool, afirmava ser o verdadeiro autor de “O Sol É Para Todos”. A questão que fica é se ele teria feito a mesma alegação em relação a “A Terra da Doce Eternidade”. O debate sobre a autoria e a influência mútua entre os dois gigantes literários é uma faceta fascinante do legado de Harper Lee.
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Em suma, “A Terra da Doce Eternidade” oferece uma nova perspectiva sobre a evolução criativa de Harper Lee, destacando a importância de seus primeiros escritos para a formação da escritora que viria a encantar o mundo com “O Sol É Para Todos”. Apesar das complexidades éticas que envolvem sua publicação póstuma, o livro permite que os leitores revisitem o universo de uma das mais influentes vozes da literatura americana. Convidamos você a continuar explorando análises e novidades do mundo da literatura em nossa editoria de celebridade.
Crédito da imagem: Dana Mixer/The New York Times



