Um novo e rigoroso estudo aprofunda a compreensão sobre as transformações do **pensamento dos brasileiros** ao longo de duas décadas, revelando mudanças e permanências em valores sociais, percepções políticas e atitudes culturais. A professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Maria Hermínia Tavares, destaca a relevância deste trabalho para o debate público e a análise do comportamento da sociedade brasileira.
A investigação, minuciosa e metodicamente concebida, revisitou os parâmetros de uma pesquisa anterior, realizada no ano de 2002, período que marcou a transição presidencial do PSDB para o PT no Palácio do Planalto. O cientista político Alberto Carlos Almeida replicou este estudo detalhado para analisar como as perspectivas e os valores da população se alteraram entre 2002 e 2022, oferecendo uma análise comparativa robusta e baseada em dados concretos sobre as tendências do país em pouco mais de vinte anos. A abordagem se propõe a ir além das opiniões superficiais, muitas vezes fortes, mas sem o devido embasamento factual.
Pesquisa ‘A Cabeça dos Brasileiros’: O que Mudou em 20 Anos
Os resultados completos desta replicação são apresentados no recém-lançado livro intitulado “A cabeça dos brasileiros, vinte anos depois: o que mudou”. Além das análises introdutórias e conclusivas assinadas pelo próprio Almeida, a obra enriquece-se com capítulos desenvolvidos por outros colaboradores que participaram ativamente do projeto. A pesquisa entrevistou cidadãos sobre temas cruciais e constantemente presentes na esfera pública, incluindo: crenças religiosas, identidade de cor e raça, o grau de respeito à lei, dinâmicas das relações de gênero, posicionamentos políticos, visões sobre o liberalismo econômico e, por fim, questões relacionadas à segurança pública.
A Fé Inabalável e o Cenário Religioso
Uma das conclusões mais notáveis do levantamento aponta para a persistência da fé. De maneira similar ao que ocorria vinte anos atrás, a vasta maioria dos brasileiros segue acreditando que suas trajetórias são guiadas por Deus. Isso sublinha que a dimensão religiosa permanece como um pilar fundamental na vida e nas decisões de uma significativa porção da população, indicando uma estabilidade cultural e espiritual em meio a diversas outras transformações sociais.
Reconfiguração do Espectro Político Nacional
Em contraste com a dimensão religiosa, o cenário político experimentou movimentações significativas. A pesquisa detectou uma diminuição expressiva no contingente de cidadãos que conseguem identificar-se e situar-se no espectro político tradicional de esquerda, centro e direita. Dentro do grupo que demonstrou essa capacidade, notou-se um encolhimento acentuado da fatia de pessoas que se posicionam ao centro político. Paralelamente, houve um crescimento tanto de autoproclamados esquerdistas quanto de direitistas.
Os dados revelam que os indivíduos que se identificam com a esquerda atualmente representam 29% da população, enquanto os direitistas somam 43%. Os centristas, que outrora constituíam 39% do eleitorado, regrediram para 28%. Essa guinada para as extremidades e o declínio do centro sugerem uma polarização na autoidentificação partidária dos cidadãos, impactando diretamente o que entendemos por **a cabeça dos brasileiros** no contexto político.
Convergência de Ideias Substantivas Apesar da Polarização Aparente
Apesar da clara mudança na autoidentificação política, que aponta para um aumento de pessoas se situando à esquerda ou à direita, o estudo revela um paradoxo: essa polarização no espectro não resultou em um afastamento significativo quanto a questões substantivas. Com apenas pequenas variações, tanto esquerdistas quanto direitistas, e mesmo os remanescentes centristas, convergem em pontos-chave. Há uma ampla aceitação de que o Estado deve ser responsável por prover serviços públicos essenciais e também por regular a economia. Adicionalmente, todos os grupos demonstram uma posição moderadamente liberal no que diz respeito à abertura do mercado interno a produtos importados, sugerindo que, na prática, há mais consensos do que os rótulos ideológicos poderiam indicar.
Desconfiança Generalizada e Crescimento do Punitivismo
No terreno estritamente político, uma das poucas divergências claras entre os três grupos se manifesta na abordagem da liberdade de manifestação, embora a tendência geral seja para posições mais restritivas por parte de todos. Além disso, a pesquisa destaca que os brasileiros continuam sendo tolerantes com práticas patrimonialistas, e uma desconfiança pervasiva permeia as relações, alcançando tanto as pessoas quanto as instituições. O estudo corrobora uma tendência esperada: o crescimento das posturas punitivistas em relação à segurança pública em todas as frentes ideológicas, refletindo uma preocupação coletiva com a criminalidade.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Entretanto, nem todos os resultados são negativos ou apontam para uma homogeneidade conservadora. O levantamento também trouxe dados encorajadores: tanto a discriminação racial quanto o preconceito racial mostraram uma diminuição notável nos três grupos políticos. Essa é uma mudança fundamental na compreensão de **a cabeça dos brasileiros**, indicando avanços sociais importantes, mesmo com a persistência de outros desafios. Para mais detalhes sobre as análises sociais no Brasil, vale consultar pesquisas do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), instituição onde a professora Maria Hermínia Tavares também atua como pesquisadora.
Divisores de Águas: Liberdade Sexual e Aborto
Curiosamente, apenas um par de questões emergiu como pontos de crescente oposição entre as perspectivas de esquerda e direita: a liberdade sexual e o direito ao aborto. Estas questões parecem ser os poucos temas capazes de gerar uma polarização substancial e crescente, atuando como verdadeiros divisores de águas no cenário ideológico brasileiro, e definindo mais claramente as fronteiras entre os blocos.
Em suma, o trabalho descreve um cenário onde há uma quase ausência de posições marcadamente polares entre aqueles que se identificam como de esquerda ou de direita. O que se observa é uma convergência considerável em torno de ideias frequentemente rotuladas como conservadoras. Esta tendência persiste apesar de conquistas notáveis em relação à redução do preconceito racial e do machismo, bem como uma crescente aceitação da diversidade de gênero. Esses avanços indicam uma complexidade no que constitui **a cabeça dos brasileiros**.
Radicalização e Lideranças Políticas
O estudo, em sua análise conclusiva, argumenta que a intensificação da radicalização política, notadamente impulsionada por figuras como Jair Bolsonaro e seus apoiadores, não se justifica por transformações significativas e profundas nas atitudes dos brasileiros. Pelo contrário, a pesquisa sugere que tal radicalização provém de “cima”, ou seja, é um fenômeno intencionalmente promovido por lideranças políticas da extrema-direita. Isso implica que a fonte da polarização está mais na ação orquestrada de elites políticas do que em uma alteração genuína e de base no pensamento dos cidadãos, uma conclusão vital para a compreensão da política contemporânea brasileira.
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Esta abrangente pesquisa oferece um panorama detalhado e fundamental sobre o estado da opinião pública brasileira, revelando a complexidade dos valores sociais, políticos e culturais que moldam a nação. As análises contidas em “A cabeça dos brasileiros, vinte anos depois” são cruciais para compreender as dinâmicas sociais atuais e futuras. Continue acompanhando a editoria de Política e Análises em nosso site para mais investigações e discussões sobre o comportamento do eleitorado e as tendências sociopolíticas no Brasil.
Crédito da imagem: Maria Hermínia Tavares
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