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Colonialismo Científico Atrasa Descobertas na Biodiversidade do Sul Global

O Colonialismo Científico, frequentemente comparado à “ciência de paraquedas”, persiste como um obstáculo significativo ao avanço da pesquisa e à valorização do conhecimento local, especialmente no Sul Global. Historicamente, nações mais abastadas exploraram recursos de territórios colonizados sem retribuir às populações. Essa dinâmica, lamentavelmente, espelha-se hoje na prática científica, onde pesquisadores de países desenvolvidos realizam […]

O Colonialismo Científico, frequentemente comparado à “ciência de paraquedas”, persiste como um obstáculo significativo ao avanço da pesquisa e à valorização do conhecimento local, especialmente no Sul Global. Historicamente, nações mais abastadas exploraram recursos de territórios colonizados sem retribuir às populações. Essa dinâmica, lamentavelmente, espelha-se hoje na prática científica, onde pesquisadores de países desenvolvidos realizam estudos em regiões economicamente mais vulneráveis sem a devida inclusão ou reconhecimento dos especialistas da própria região.

Essa abordagem, segundo Mario Moura, biólogo e professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba, especialista em biodiversidade, ecologia e conservação, gera um atraso na capacitação científica local e na transferência de tecnologias essenciais. Tais deficiências comprometem severamente o progresso da ciência em áreas que já enfrentam desafios socioeconômicos, com repercussões particularmente intensas nas investigações sobre biodiversidade, impactando países tropicais como Brasil, Indonésia e Madagascar, integrantes do Sul Global.

Colonialismo Científico Atrasa Descobertas na Biodiversidade do Sul Global

A região conhecida como Sul Global abrange uma vasta área, correspondendo a 60% da superfície terrestre do planeta e servindo como lar para cerca de 90% das espécies já registradas. Estimativas apontam que mais de nove em cada dez novas espécies a serem descobertas terão origem nesses 187 países. Apesar de serem centros de vasta biodiversidade, essas nações apresentam as maiores lacunas em termos de conhecimento biológico. Assim, a documentação dessas espécies assume caráter crítico para a estratégia global de conservação.

Um estudo recente, publicado no renomado periódico Proceedings of the Royal Society B, detalhou o papel do colonialismo científico na marginalização de pesquisadores oriundos do Sul Global. Conduzido por uma equipe colaborativa da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), Unicamp e IFPI (Instituto Federal do Piauí), o levantamento examinou rigorosamente mais de 3.000 artigos que descreveram novas espécies de moluscos terrestres em um período de 20 anos.

A Dinâmica da Exclusão nas Descobertas

A análise revelou que aproximadamente 70% das novas espécies de moluscos terrestres identificadas entre os anos 2000 e 2022 tiveram suas descobertas no Sul Global. Contudo, ao examinar a participação dos cientistas locais nessas pesquisas, os dados são preocupantes: menos de um terço dos trabalhos incluía a colaboração desses profissionais. Em situações onde eram incluídos, os pesquisadores locais lideraram a descrição de apenas uma em cada quatro espécies, evidenciando uma desigualdade flagrante na atribuição de crédito e liderança científica.

O alcance desse desequilíbrio se estende para além da coautoria em publicações acadêmicas. As disparidades são visíveis também no acesso a técnicas laboratoriais avançadas e recursos financeiros destinados a estudos de revisão, os quais são, em geral, mais onerosos. Notavelmente, 90% desses estudos de revisão foram conduzidos sob a liderança de cientistas de países do Norte Global, revelando a concentração de recursos e oportunidades nas mãos de uma elite acadêmica global.

Consequências da Sub-representação Local

A ausência ou sub-representação do conhecimento local pode acarretar imprecisões científicas, como descrições de espécies que não refletem a totalidade de suas características ou contexto ecológico. Adicionalmente, tal prática compromete a autonomia e a soberania nacional sobre a própria biodiversidade e ignora acordos internacionais. Tais acordos, inclusive os endossados pela Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, estabelecem princípios para uma repartição equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos. O colonialismo científico, portanto, não é apenas um problema de equidade acadêmica, mas um reflexo de profundas desigualdades históricas, podendo colocar em risco o futuro da pesquisa em biodiversidade global. Para mais informações sobre a importância desses tratados, visite o site oficial da Convenção sobre Diversidade Biológica.

Colonialismo Científico Atrasa Descobertas na Biodiversidade do Sul Global - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

Figuras como a bióloga amazônida Deliane Penha, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e coordenadora do grupo de pesquisa Niaras dos Tapajós, estão na vanguarda da conscientização sobre este fenômeno. Seu trabalho ressalta que o colonialismo não se limita à interação entre países do Norte e Sul Global, ocorrendo também dentro das fronteiras de um mesmo país. Ela exemplifica a situação quando pesquisadores de regiões mais desenvolvidas, como o Sudeste brasileiro, procuram colegas do Norte principalmente para a coleta de dados ou para garantir acesso a biomas como a Floresta Amazônica, mas, posteriormente, falham em incluí-los como autores legítimos nos estudos resultantes.

Rumo à Ciência Equitativa e Integrada

A proteção e o aprofundamento do conhecimento sobre a vida em nosso planeta dependem intrinsecamente da garantia de voz, de condições adequadas e de reconhecimento justo a todos os cientistas, independentemente de sua origem geográfica. Isso exige a promoção de uma liderança colaborativa e equitativa, acompanhada de investimentos robustos na transferência de tecnologia e na capacitação dos pesquisadores locais.

O estudo, que contou com a descrição de espécies como a Simpulopsis gomesae, descoberta no Rio Grande do Sul e notável por seu artigo científico original em português-BR (um evento raro na academia atual, como destacou Suzete Gomes), reforça a importância da inclusão linguística e cultural. A valorização de contribuições regionais é um passo fundamental para um sistema científico verdadeiramente global e representativo.

Confira também: artigo especial sobre leis e valortrabalhista

Este artigo reflete os esforços de disseminação de conhecimento apoiados por iniciativas como o “Ciência Fundamental”, um projeto editorial do Instituto Serrapilheira, organização privada e sem fins lucrativos dedicada ao fomento da ciência brasileira. Continue explorando análises aprofundadas sobre os desafios e avanços da pesquisa científica no Brasil em nossa editoria de Análises.

Crédito da imagem: Mario Moura

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