A violência racial no Brasil emerge como um dos desafios sociais mais urgentes e alarmantes do país. Novamente em pauta, as estatísticas indicam que indivíduos negros estão submetidos a um risco de serem assassinados que se aproxima do triplo, em comparação com outras parcelas da população. Relatos de vítimas, frequentemente resultantes de preconceito e de uma cultura enraizada de intolerância, continuam a expor a profundidade dessa problemática na nação.
Uma edição do programa Profissão Repórter, exibida em 30 de setembro de 2025, dedicou sua cobertura a esmiuçar essas narrativas dolorosas, apresentando uma análise aprofundada da violência racial. O conteúdo do programa evidenciou casos recentes que reiteram a gravidade da situação, muitos deles ocorrendo dentro de espaços públicos e com um modus operandi que choca pela recorrência e pela brutalidade, reforçando a urgência em se debater e combater a inaceitável condição da vida negra em nosso país.
Violência Racial no Brasil: Negros Têm Risco 3x Maior de Morte
A prevalência de episódios violentos direcionados à população negra é um reflexo inequívoco da persistência de um racismo estrutural. Dados alarmantes como o que aponta o risco de assassinato de pessoas negras quase três vezes superior em território brasileiro reforçam a necessidade de medidas mais eficazes para a proteção e valorização da vida dessas pessoas. É um panorama que exige reflexão profunda e ações coordenadas entre sociedade civil, setor privado e poderes públicos, conforme destacado em diversas análises e debates sobre direitos humanos no Brasil, como os estudos apresentados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no Atlas da Violência.
A Trágica Morte de Felipe Moraes em Santo André
Em agosto de 2025, Santo André, na Grande São Paulo, foi palco de uma dessas tragédias que chocam e revoltam o país. Felipe Moraes, um jovem de 29 anos, foi brutalmente assassinado a tiros por um segurança de um supermercado local. Conhecido em sua comunidade como um artista talentoso, capoeirista e artesão, Felipe teve sua promissora vida abruptamente interrompida após uma abordagem violenta dentro do estabelecimento.
Evelyn Silva, viúva de Felipe, expressou sua profunda indignação e dor, clamando por justiça. Em suas palavras, “Não é possível que nossa juventude vai continuar sendo morta por nada. Nada justifica tirarem a vida do Felipe, assim como tiraram a de outros jovens negros, com o mesmo modus operandi, dentro de supermercados”. A fala de Evelyn ecoa a angústia de muitas famílias que perderam entes queridos em circunstâncias semelhantes. Alice Moraes de Oliveira, irmã de Felipe, também abordou a percepção social acerca da aparência do irmão. “A aparência dele, eu creio que a sociedade julgava muito”, disse Alice, enfatizando a dimensão do preconceito que frequentemente antecede a violência.
O episódio trouxe à tona a falta de transparência por parte das instituições envolvidas. O Mercado Loyola, onde ocorreu o crime, não divulgou o nome do advogado que o representa. Nem o gerente Sérgio Gomes, nem o proprietário Cléssio Fernandes de Lima, tampouco a advogada que defende o segurança, atenderam aos reiterados pedidos de entrevista da equipe de reportagem. A investigação do caso, envolta em sigilo, impediu a divulgação do nome do segurança pela polícia, aumentando a sensação de impunidade e a dificuldade de acesso à justiça para a família da vítima.
João Alberto e a Cicatriz que Persiste em Porto Alegre
Cinco anos após a fatalidade que abalou o país, o programa televisivo retornou a Porto Alegre para revisitar o caso de João Alberto Silveira Freitas. Ele foi assassinado dentro de uma unidade do Carrefour em 19 de novembro de 2020, em plena véspera do Dia da Consciência Negra. A imagem do homem negro sendo perseguido por seguranças, agredido no estacionamento do supermercado e morrendo asfixiado após implorar por socorro marcou profundamente a consciência nacional e internacional.
O episódio de Porto Alegre, filmado e amplamente divulgado, gerou uma onda de indignação e, ao lado de eventos globais como a morte de George Floyd nos Estados Unidos no mesmo ano, impulsionou o movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter) em diversos países. A reverberação do caso trouxe uma discussão intensa sobre segurança em supermercados, protocolos de abordagem e, sobretudo, sobre a violência e o racismo arraigados na sociedade brasileira.
O processo judicial, inicialmente, acusou seis pessoas por homicídio triplamente qualificado, abrangendo meio cruel (asfixia), recurso que dificultou a defesa da vítima e motivo torpe (racismo). Contudo, uma decisão recente da Justiça em segunda instância reverteu parte dessa qualificação, retirando a motivação racial do processo. Os réus agora respondem por homicídio duplamente qualificado e aguardam julgamento em liberdade, um cenário que para a família de João Alberto, representa um doloroso retrocesso na busca por plena justiça.

Imagem: g1.globo.com
As filhas de João Alberto, Desirée Freitas, atualmente com 14 anos e enfrentando depressão em decorrência da perda do pai, e Thaynara Freitas, continuam a lutar por reconhecimento da dimensão racial do crime. “Eu acho que foi racismo, sim. Se fosse uma pessoa branca, de cabelo loiro, eles iam querer conversar”, declarou Desirée. Thaynara reforça: “Isso é racismo. Espancaram ele até a morte. O que mais me doeu foi ver no vídeo ele dizendo eu não estou conseguindo respirar e mesmo assim continuaram com o joelho em cima dele”, trazendo à memória a dolorosa sequência dos acontecimentos.
O Grupo Carrefour, por sua vez, emitiu uma nota, reiterando seu reconhecimento da perda irreparável de João Alberto. A empresa afirma que o trágico episódio marcou uma transformação definitiva em sua companhia, consolidando inclusão e diversidade como pilares centrais e presentes em todas as decisões. O compromisso é ser um ator atuante no combate ao racismo estrutural, ciente de que é uma jornada contínua que exige escuta, diálogo, transparência e ação em prol de um futuro mais justo, inclusivo e respeitoso para todos.
O Impacto do Racismo Estrutural na Vida Cotidiana
A recorrência desses eventos é um triste lembrete do racismo estrutural que permeia o dia a dia da população negra. Matheus Gomes, deputado estadual e atuante no movimento negro em Porto Alegre, enfatizou que a perseguição e o monitoramento de pessoas negras em estabelecimentos comerciais são práticas lamentavelmente comuns. “Desde pequenos, somos educados por nossas mães e avós a tomar cuidado ao entrar em supermercados. Evitar colocar a mão no bolso, mexer na mochila…”, ele detalha, ilustrando a vigilância constante a que essa parcela da sociedade é submetida desde cedo.
Essa vigilância ostensiva e discriminatória é uma das muitas faces do racismo que não só impede o acesso a direitos, mas, em seus casos mais extremos, ceifa vidas de forma injusta e cruel. O debate e a condenação dessas práticas não devem se limitar aos momentos de grande comoção nacional, mas devem ser constantes, impulsionando a sociedade e as instituições a repensar e reformular políticas e comportamentos que perpetuam a desigualdade racial e a violência dela decorrente.
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A jornada contra a violência racial no Brasil é longa e exige o engajamento de todos os setores. A reiteração desses casos brutais sublinha a necessidade imperativa de se construir uma sociedade onde a cor da pele não determine o valor da vida ou o risco de ser assassinado. Mantenha-se informado sobre este e outros temas urgentes em nossa editoria de Política e entenda as complexidades por trás dos acontecimentos mais relevantes do Brasil.
Crédito da imagem: Profissão Repórter
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