A discussão em torno da Moratória da Soja, um pacto fundamental para a sustentabilidade na cadeia produtiva do grão na Amazônia, recebeu um novo desdobramento por parte do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O órgão decidiu estender a validade dos termos atuais da Moratória até o final de 2025, postergando para o início de 2026 a resolução definitiva sobre a continuidade e os contornos dessa medida que impacta diretamente o agronegócio brasileiro.
Esta decisão abre uma janela de três meses para que as partes envolvidas – produtoras rurais, tradings, organizações ambientais e o próprio governo – busquem uma solução consensual. O impasse reside na dúvida se a autorregulação promovida pela Moratória da Soja poderia configurar uma prática anticompetitiva, um cartel, que desfavoreceria pequenos e médios produtores e imporia regras acima da legislação brasileira. O presidente do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima, ressaltou a necessidade de que “os acordos entre concorrentes precisam ser notificados ao Cade”, enfatizando o protocolo antitruste para fiscalizar a conformidade com a legislação.
Cade Mantém Moratória da Soja Até Fim de 2025
Conhecida como Moratória da Soja, essa união de importantes empresas exportadoras estabeleceu, desde 2006, um rigoroso sistema de monitoramento por satélite e auditorias independentes para toda a produção proveniente da região amazônica. Seu principal objetivo é criar uma lista negra de propriedades consideradas irregulares, impedindo que produtores envolvidos em desmatamento ilegal ou irregularidades socioambientais vendam sua safra. Esse pacto é aderido por mais de 30 trading companies, incluindo nomes gigantes do setor como Cargill, Bunge, ADM, Amaggi e Louis Dreyfus, e nasceu em um contexto de intensa pressão internacional, notadamente da Europa, para frear o avanço do desmatamento.
O Dilema e a Investigação do Cade
O cerne da controvérsia que levou o Cade a investigar a Moratória da Soja é se essa autorregulação ambiental, embora bem-intencionada em seus objetivos de sustentabilidade, estaria, de fato, funcionando como um cartel. Ao atuar de maneira conjunta e padronizada, as tradings poderiam estar impondo aos produtores rurais um conjunto de regras que extrapolaria o Código Florestal brasileiro, limitando a livre concorrência e prejudicando economicamente parte da cadeia produtiva.
Inicialmente, a superintendência-geral do Cade chegou a suspender os efeitos da Moratória, gerando preocupação entre ambientalistas e exportadores. No entanto, um mandado de segurança da Justiça Federal restaurou a vigência da medida poucos dias depois. A deliberação mais recente do conselho, votada em 4 a 2, optou por “abortar” os efeitos da sua própria medida de suspensão, porém, com um prazo limite: a decisão de reativar a suspensão do acordo entrará em vigor somente em 1º de janeiro de 2026. A partir da próxima virada do ano, em teoria, a Moratória perderia seus efeitos.
Argumentos e Alinhamentos
A proposta que selou essa decisão temporária partiu do conselheiro José Levi Mello do Amaral Júnior, com o intuito de “incentivar o diálogo construtivo” entre as partes. Sua solução foi acompanhada pelos conselheiros Victor Oliveira Fernandes, Diogo Thomson de Andrade e Camila Cabral Pires Alves. Este alinhamento também busca uma conformidade com o Supremo Tribunal Federal (STF), referindo-se à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 774, sob relatoria do ministro Flávio Dino. Essa ADI questiona a legalidade de benefícios fiscais concedidos a empresas que participam de acordos comerciais restritivos à expansão agropecuária, caso em que a Moratória da Soja poderia se encaixar.
A advogada Ieda Queioz, especialista em agronegócios, interpretou a postura do Cade como uma “modulação” para preservar os compromissos enquanto a investigação prossegue, reconhecendo “evidências de que a moratória efetivamente operou como mecanismo de exclusão de alguns produtores”, através de uma “atuação coordenada em normas de compra, compartilhamento de informações e monitoramento”. Frederico Favacho, advogado que representa a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), classificou o tema como “novo para o Cade” e defendeu que “um acordo de colaboração para fins de sustentabilidade demanda uma análise cuidadosa e apurada”, sem que seja possível de imediato “falar que existe ilícito concorrencial neste caso”.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Visões Opostas e o Futuro
Ainda assim, a questão divide opiniões dentro do próprio conselho. O relator Carlos Jacques posicionou-se a favor da suspensão da Moratória da Soja, argumentando que a medida conferiria poder de barganha excessivo a um grupo restrito de tradings. Ele citou dados alarmantes, como a queda de 6% no PIB de cidades afetadas pelo acordo e um aumento de 16% no preço do óleo de soja. Em contrapartida, conselheiros que votaram pela manutenção do pacto, como Diogo Thomson, defenderam a relevância histórica da Moratória, em vigor desde 2006. Thomson advertiu que a suspensão definitiva poderia “ser interpretada como recuo brasileiro e abala a credibilidade do Brasil como fornecedor de produtos sustentáveis, principalmente às portas da COP30”.
O presidente Gustavo Augusto Freitas de Lima, embora tendo votado com o relator, expressou uma preocupação com a soberania nacional e o impacto em um cenário de guerra comercial, antes de homologar o resultado. Ele argumentou sobre o “perigo de produtores não poderem se adequar a um perigo comercial que vai quebrar muita gente”, salientando que “não podemos deixar quatro ou cinco empresas brasileiras decidir quem pode e que não pode produzir soja no Brasil”. A conselheira Camila Cabral, por sua vez, sugeriu que, caso nenhuma mudança ocorra até o final de 2025, o Cade delibere novamente sobre o tema em caráter de urgência, buscando uma solução duradoura. Para compreender a fundo a Moratória da Soja e suas implicações, a Embrapa oferece detalhes valiosos sobre seu contexto e evolução em suas publicações.
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A prorrogação da decisão definitiva pelo Cade sobre a Moratória da Soja até o início de 2026 demonstra a complexidade de equilibrar interesses econômicos, questões ambientais e o marco legal brasileiro. Este período de transição será crucial para as negociações entre todos os envolvidos, que terão a missão de forjar um consenso que atenda às exigências de sustentabilidade sem comprometer a competitividade do setor ou ferir os princípios de concorrência. Continue acompanhando as novidades do agronegócio e as decisões que moldam a economia brasileira em nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Lalo de Almeida-3.jul.25/Folhapress
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