A possibilidade de um encontro presencial entre Lula e Trump em um futuro próximo tem gerado ampla expectativa no cenário político global, especialmente à luz da tensão atual entre Brasil e Estados Unidos. O tema emergiu após um breve e informal encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente americano Donald Trump nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, na terça-feira, 23 de setembro. Durante essa rápida interação, os dois líderes trocaram um abraço e algumas palavras, sugerindo uma abertura para diálogos mais substanciais.
Ainda que os detalhes exatos, como data e formato da reunião, estejam sendo delineados pelas respectivas equipes diplomáticas, opções como um telefonema ou videoconferência são consideradas. No entanto, o presidente Lula não descartou a hipótese de um encontro cara a cara. Ele está programado para viajar a Roma em 13 de outubro, a fim de participar de um evento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e para Kuala Lumpur, na Malásia, em 25 de outubro, como convidado de um encontro da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean). Há especulações de que Trump possa marcar presença em um ou ambos os eventos, levando pessoas próximas ao governo brasileiro a conjecturar sobre uma reunião na Itália ou na Malásia.
Riscos do Encontro Presencial Lula e Trump na Casa Branca
Contudo, a ideia de um encontro em Washington, capital dos EUA, suscita preocupações devido ao conhecido comportamento de Trump de transformar visitas à Casa Branca em um “espetáculo”. Nessas ocasiões, líderes estrangeiros frequentemente se deparam com situações de confronto e humilhação pública. Ex-apresentador de reality show, Trump tem o costume de conduzir suas reuniões no Salão Oval diante de câmeras, desviando-se frequentemente do assunto principal para tecer críticas ou acusações inesperadas a seus interlocutores. Em certos momentos, ele chega a discutir publicamente temas tratados em conversas privadas. Essa imprevisibilidade nos encontros, que funcionários da Casa Branca e jornalistas apelidaram de “O Show de Trump”, transformou o que historicamente representava uma oportunidade diplomática em uma armadilha em potencial, desafiando as normas tradicionais da diplomacia internacional e política externa. As práticas adotadas por Donald Trump representam um marco diferenciado na condução de assuntos internacionais.
Matthew Dallek, historiador político e professor da Universidade George Washington, expressa preocupação: “Um encontro presencial (entre Lula e Trump) seria altamente arriscado, dado o histórico de Trump de tentar humilhar alguns dos (líderes) que percebe como antagonistas”, afirmou à BBC News Brasil. Ele acrescenta que, em face da volatilidade de Trump, “qualquer líder estrangeiro que se encontre com ele em Washington terá de ter uma estratégia muito bem pensada sobre como bajulá-lo e cair nas suas graças”. Para Lula, um desafio adicional seria o contexto da reunião, que se seguiria a meses de críticas por parte de Trump. O ex-presidente americano havia imposto tarifas comerciais e sanções ao Brasil em retaliação ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, visto como seu aliado ideológico.
“Em termos de interferência nos assuntos internos, Trump tem sido mais agressivo com o Brasil do que com a maioria dos outros países, especialmente em relação ao julgamento de Bolsonaro”, ressalta Dallek. O professor destaca ainda que “Lula tem sido muito defensor da soberania brasileira. Tem sido um dos líderes globais mais vigorosos em rebater Trump”. Tal histórico sugere que “qualquer encontro (de Lula) com Trump seria muito tenso”.
Precedentes Históricos: Zelensky e Ramaphosa
Dois exemplos recentes são frequentemente citados como alerta para líderes globais que cogitam um encontro presencial com Trump. Em fevereiro, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, acompanhado pelo vice J.D. Vance, foi submetido a pressões e acusado de ingratidão em uma reunião na Casa Branca. A pauta incluiu ameaças de cortes na ajuda dos Estados Unidos à Ucrânia, em meio à guerra contra a Rússia. A conversa escalou para um bate-boca transmitido pela imprensa internacional.
Em maio, foi a vez do presidente sul-africano Cyril Ramaphosa ser publicamente constrangido. A visita foi posteriormente descrita pela mídia como uma “emboscada”. Conscientes do desfecho do encontro com Zelensky, Ramaphosa e sua comitiva chegaram ao Salão Oval aparentemente preparados, até mesmo incluindo dois renomados golfistas sul-africanos, Retief Goosen e Ernie Els, na esperança de “quebrar o gelo”, dado o gosto de Trump pelo esporte. No entanto, Ramaphosa foi pego de surpresa quando, após um início aparentemente cordial, assessores da Casa Branca diminuíram a iluminação e exibiram um vídeo com imagens que Trump, com base em alegações infundadas, afirmava ser prova de limpeza étnica e genocídio contra a população branca na África do Sul.
Na ocasião, Trump acusou o governo sul-africano de confiscar terras de fazendeiros brancos, de implementar políticas discriminatórias e de adotar uma política externa anti-americana. “Na época, Elon Musk ainda estava na Casa Branca e influenciava muito esse tipo de narrativa”, explicou Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard. Musk, nascido na África do Sul e próximo a Trump no início de seu primeiro mandato, repetidamente mencionou a violência em seu país de origem como “genocídio” contra a população branca.
A Conexão Brasileira: Eduardo Bolsonaro e Pressões
“No caso do Brasil, há Eduardo Bolsonaro”, observa Brustolin, traçando um paralelo. “Se você está procurando uma analogia, até nisso existe uma similaridade”. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro, mudou-se para os Estados Unidos neste ano. Ele desempenhou um papel nas articulações junto à Casa Branca para pressionar pela absolvição de seu pai, um movimento que teve como pano de fundo as tarifas e sanções impostas pelo governo Trump ao Brasil. “Se Lula for à Casa Branca, o risco de uma situação similar à de Ramaphosa aumenta”, adverte Brustolin, salientando a probabilidade de um cenário hostil. Dallek concorda, lembrando que Trump nutria “queixas” contra Zelensky e Ramaphosa, assim como manifesta em relação a Lula. “Portanto, acho que seria lógico que Lula enfrentasse uma recepção potencialmente hostil caso sentasse diante das câmeras em uma reunião na Casa Branca”, disse ele. “Lula provavelmente enfrentaria um tipo de hostilidade similar à que os líderes da Ucrânia e da África do Sul enfrentaram quando visitaram o Salão Oval”, complementou o historiador.
Ansiedade Diplomática e Preparativos Essenciais
Embora Ramaphosa tenha rebatido as acusações de forma paciente e sem críticas diretas a Trump, evitando um desentendimento ruidoso como o ocorrido com Zelensky, ambos os incidentes acenderam o sinal de alerta para líderes estrangeiros e até mesmo para políticos americanos. Historicamente, reuniões no Salão Oval eram altamente roteirizadas, com a imprensa registrando apertos de mão e declarações ensaiadas que sublinhavam a importância das relações bilaterais. “Todos sabiam de antemão qual a mensagem (a ser passada)”, destaca Dallek, evidenciando uma prática quebrada por Trump, que “gosta de conduzir grande parte de seus negócios em público, de uma forma que nenhum outro presidente fez”.

Imagem: g1.globo.com
Segundo Dallek, Trump busca “criar drama, e de usar o Salão Oval e outros espaços que controla para afirmar sua dominância sobre outros líderes”. Ele enfatiza que o humor de Trump é volátil, podendo passar de “muito impressionado (positivamente)” a “dizer algo crítico” em um único dia. Fontes em Washington revelam a alta ansiedade e a intensidade dos preparativos em embaixadas e governos quando surge a chance de um encontro presencial com Trump, temendo a humilhação pública. Tais preparativos frequentemente envolvem lobistas, consultores e intermediários experientes em lidar com o temperamento do ex-presidente americano.
Elogios e Cautela: Estratégias de Líderes
Um dos conselhos recorrentes para os diplomatas é buscar afinidades e direcionar a conversa para um caminho favorável, equilibrando tom e substância. A cautela, contudo, é fundamental. Caso Trump faça uma acusação infundada, os mandatários se veem compelidos a responder, especialmente considerando a vigilância de seus eleitores em seus países de origem. “Eles têm que ser vistos como defensores da soberania e, na verdade, da dignidade do seu próprio país”, pontua Dallek, reconhecendo o risco de contradizer Trump, principalmente diante das câmeras.
Ainda assim, alguns líderes optam por elogios, mas devem dosar para não transmitirem uma imagem de subserviência. “Certamente palavras às vezes funcionam, uma bajulação meio que exagerada”, analisa Dallek. “Realmente depende do que o país (do visitante) pode oferecer”. Ele exemplifica com o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que chegou à Casa Branca em fevereiro com uma carta do Rei Charles III convidando Trump para uma visita de Estado. Brustolin cita também o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, como outro caso de sucesso. “Trump falou novamente em transformar o Canadá no 51º estado (americano)”, recorda Brustolin. “Caney estava pronto para essa pergunta e disse que isso não iria acontecer. Mas falou de forma diplomática, acabou não escalando”.
Potenciais Recompensas e Desafios Comerciais
Apesar dos inegáveis riscos, uma reunião presencial com Trump também pode render benefícios. Para o Brasil, ela poderia destrancar negociações econômicas que estiveram paralisadas por meses de tensão. Brustolin aponta que, em termos comerciais, o Brasil tem uma posição estratégica com potencial de ofertas aos Estados Unidos, desde minerais críticos até oportunidades nas “big techs”, entre outros segmentos.
Contudo, “O calcananhar de Aquiles, o problema, é a discussão política, que é inegociável”, ressalta Brustolin. Ele recorda que parte do discurso de Trump na ONU havia sido preparada com críticas ao Brasil, embora o aceno a Lula tenha sido improvisado. Além disso, um dia antes, os Estados Unidos haviam anunciado novas sanções, atingindo Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e a empresa LEX – Instituto de Estudos Jurídicos, pertencente à família do magistrado. “Existe uma agenda preparada pelo Departamento de Estado, conforme declarações do próprio (secretário) Marco Rubio, de sancionar o Brasil”, afirma Brustolin, concluindo que “nada indica que uma reunião entre Trump e Lula será amistosa.”
Confira também: artigo especial sobre leis e valortrabalhista
A iminente possibilidade de um encontro entre os presidentes Lula e Trump, embora carregada de riscos diplomáticos inerentes ao estilo de negociação de Trump, oferece um cenário complexo com potenciais benefícios econômicos para o Brasil. A história de encontros anteriores na Casa Branca e o pano de fundo das relações bilaterais tensas indicam a necessidade de uma estratégia meticulosa para navegar essa delicada interação. Continue acompanhando a cobertura completa em nossa seção de Política para se manter informado sobre os desdobramentos desses e de outros eventos cruciais.
Crédito da imagem: Daniel Torok/Casa Branca, Reuters
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados