Os valores no século 21 são um tema que provoca discussões profundas, especialmente quando analisados sob a ótica da filosofia e do comportamento humano. O escritor e ensaísta Luiz Felipe Pondé, doutor em filosofia pela USP e autor de “Notas sobre a Esperança e o Desespero” e “A Era do Niilismo”, propõe uma reflexão sobre o que a sociedade realmente valoriza, contrapondo os ideais expressos à prática cotidiana. Ele argumenta que, contrariamente ao que se prega, a vaidade moral, a mentira e o egoísmo emergem como pilares comportamentais predominantes na era atual.
A indagação sobre a essência dos valores contemporâneos, conforme levantada por Pondé, revela uma complexidade que muitas vezes não se alinha com o senso comum ou as expectativas tradicionais de ética e moral. O filósofo sugere que a humanidade, muitas vezes, deleita-se com a ideia de ser a definidora de seus próprios valores, uma perspectiva que, segundo ele, nem sempre corresponde à realidade. Essa abordagem remonta a pensadores como Immanuel Kant, que, no século 18, acreditava que ações racionais poderiam ditar o comportamento moral, formulando o conceito de “imperativo categórico”.
Pondé: Vaidade, Mentira e Egoísmo Redefinem Valores no Século 21
O imperativo categórico de Kant propunha que se agisse de tal forma que a própria ação pudesse ser universalizada como norma de comportamento, ou seja, se ao realizar “x”, questionar-se se todos poderiam fazê-lo. Embora elegante e potencialmente útil para a convivência em grupo, Pondé ressalta a dificuldade do Homo sapiens em agir pautado exclusivamente pela racionalidade em prol do coletivo. Ele distancia essa visão de “valores” tal qual são comercializados em propagandas, percebendo que o entendimento comum sobre valores é frequentemente construído através de abordagens pedagógicas. As pessoas, empresas e instituições buscam instituir tabelas de “valores certos” ou um “DNA ético”, criando listas ideais de virtudes como integridade, honestidade e generosidade, muitas vezes resultando em uma superficialidade que ele classifica como “ridícula” para o século atual.
Para uma análise mais consistente sobre os valores do século 21, Pondé defende uma perspectiva sociológica. É essencial observar o que a sociedade de fato valoriza e desvaloriza no cotidiano individual, social e político, pois a ética, segundo Aristóteles (384-322 a.C.), é intrinsecamente uma ciência da prática. Valores ou virtudes não existem em um plano meramente teórico; a coragem, a generosidade ou a honestidade são manifestadas apenas na ação concreta. Essa premissa contrasta com a visão hipócrita da moral pública contemporânea, que, impulsionada pelas redes sociais como o Instagram, se manifesta na sinalização de virtude.
A hipocrisia, afirma o ensaísta, tornou-se a substância da moralidade pública na atualidade. A virtualização da vida leva quase a totalidade da humanidade a ostentar virtudes no Instagram. Neste cenário, os valores se transformam em objetos de marketing e branding, técnicas sociais aplicadas que Pondé denomina “ciências da mentira como método”. Dessa prática, deduz-se que a vaidade moral, traduzida na incessante busca por sinalizar virtudes nas plataformas digitais, é algo altamente valorizado no século 21. É uma conduta que, na percepção geral, agrega valor à marca pessoal ou empresarial.
Imagem: www1.folha.uol.com.br
Dada a ubiquidade das estratégias de marketing e branding em diversas esferas da atividade humana — como saúde mental, educação, religião e política — é possível inferir que a mentira, usada como ferramenta profissional, constitui outro valor proeminente neste período. A chave para discernir um valor ou desvalor prático na sociedade reside em observar o que as pessoas genuinamente acreditam que lhes agrega valor e, consequentemente, colocam em prática, em detrimento do que meramente verbalizam. O comportamento real, e não as palavras, revela os verdadeiros padrões morais de uma época, um princípio tão fundamental que é compreendido por crianças, mas frequentemente ignorado pelos adultos do século 21.
Como exemplo paradigmático, Pondé cita o “não-valor” da paternidade/maternidade no século 21. Se ter filhos fosse um valor amplamente aceito, as pessoas o praticariam em maior número. A constatação da baixa taxa de natalidade e a recusa em assumir a responsabilidade de colocar crianças no mundo sugerem que a sociedade moderna desconsidera a procriação como um valor em si. A prática que decorre dessa tendência é, paradoxamente, a recusa em assumir responsabilidades. Dessa forma, Luiz Felipe Pondé conclui que a vaidade moral, a mentira e o egoísmo são, de fato, os valores definidores do século 21, enquanto ter filhos, notadamente, não é. Para uma compreensão aprofundada sobre as implicações do imperativo categórico, tema que inspirou boa parte das reflexões de Kant, veja o artigo detalhado sobre o imperativo categórico na Brasil Escola.
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A análise de Luiz Felipe Pondé oferece um panorama instigante e por vezes desconfortável sobre os alicerces morais da sociedade contemporânea, desafiando a percepção comum e revelando uma lacuna entre o que se professa e o que se pratica. Suas observações nos convidam a uma reflexão mais honesta sobre as nossas próprias ações e os reais motivadores do comportamento coletivo na virada deste século. Para continuar explorando discussões aprofundadas como esta, não deixe de acompanhar as análises completas em nossa editoria.
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