A mais recente Exposição Wilma Martins, intitulada “Territórios Interiores”, em cartaz na renomada Galeria Galatea em São Paulo, convida o público a uma imersão nas fronteiras entre o prosaico do lar e a imaginação vívida. A mostra reúne a célebre série “Cotidiano” da artista mineira, revisitando paisagens domésticas familiares com a surpreendente inserção de elementos fantasiosos que desafiam a percepção da realidade.
Pinturas de Wilma Martins frequentemente apresentam cenários triviais, como um tanque com água transbordando ou uma pia repleta de louças. Contudo, é a inesperada aparição de morsas navegando na pia ou felinos espreitando sobre o tanque de lavar roupas que desloca essas “naturezas mortas” para um plano onírico, subvertendo a banalidade do dia a dia e adicionando uma camada de estranhamento ao familiar.
Exposição Wilma Martins: Fantasia no Cotidiano na Galatea
A artista Wilma Martins, nascida em Minas Gerais e formada pela Escola Guignard, nos deixou em 2022, aos 86 anos. Sua vasta produção, que transitou com singularidade entre gravura e pintura, notabilizou-se por uma estética avessa às correntes predominantes. A curadora Fernanda Morse destaca que é uma oportunidade única observar o desenvolvimento técnico da artista na Galatea, especialmente a progressão e as sutilezas no uso dos cinzas ao longo do tempo, evidenciando sua maestria no manuseio da paleta de cores.
O coração de “Territórios Interiores” pulsa na série “Cotidiano”, produzida por Martins entre 1974 e 1984. Fernanda Morse, responsável pela curadoria e pelo texto crítico da exposição, ressalta a raridade de ver tantas obras dessa fase reunidas, proporcionando uma compreensão profunda da evolução de seu estilo e domínio da técnica, com uma paleta de cinzas que se aprofunda e se refina em nuances e texturas.
Embora partindo de objetos reais como escrivaninhas, estantes e pias, Martins transcendia o registro meramente observacional. Sua inserção de elementos inesperados, como as figuras animais exóticas, elevava cada cena a um campo do sonho. “Ela própria mencionava que, diante de louça a ser lavada, sua imaginação inseria uma foca na pia. Esse é um gesto lúdico e quase infantil, capaz de criar aberturas imaginativas na rotina do espaço doméstico”, explicou a curadora Fernanda Morse.
Animais como camelos, morsas e búfalos, estranhos à fauna brasileira, servem para intensificar o aspecto imaginativo das telas de Martins. Ao transpor essas criaturas para ambientes banais, a artista estabelece uma ponte poética entre o corriqueiro e o fabuloso. Esta abordagem, que ecoa sua experiência com ilustração de livros – incluindo obras de Ana Maria Machado na década de 1980 –, revela uma habilidade de unir o universo da fantasia a um rigor técnico notável.
Paralelamente, a obra de Martins pode ser interpretada à luz dos debates feministas de sua época. Em um contexto onde muitas artistas confrontavam o corpo e a liberdade sexual de maneira explícita, Martins adotava uma estratégia singular. Ela explorava o lar como um ambiente de intrínseca ambivalência: ao mesmo tempo poético e potencialmente restritivo, tecendo uma crítica sutil e poderosa sobre o papel da mulher e do espaço íntimo.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
“Ela argumentava que, talvez, um homem não percebesse a casa da mesma maneira que ela, ressaltando a dualidade entre poesia e aprisionamento desse espaço. Sua arte subverte silenciosamente a intimidade doméstica”, pontua Morse. Essa nuance diferencia-a de contemporâneas, como Wanda Pimentel, cujos trabalhos abordavam interiores com conotações eróticas e sensuais. Nas obras de Martins, a ausência de corpos em favor da invasão de bichos estabelece uma lógica e uma narrativa distintas, mais simbólicas e oníricas.
Apesar de uma natureza discreta e avessa à visibilidade pública – passando quase trinta anos sem exposições individuais –, a produção de Martins teve notável circulação nas décadas de 1970 e 1980. Seu regresso ao circuito artístico ocorreu com a retrospectiva organizada por Frederico Morais em 2013, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. A participação na 32ª Bienal de São Paulo, em 2016, solidificou essa retomada e impulsionou o interesse em sua obra. Hoje, suas pinturas ressurgem na Galeria Galatea, em um momento de crescente interesse pela produção de artistas mulheres, com a exposição seguindo informações sobre a visitação no site oficial da Galeria Galatea, que estará aberta até 18 de outubro de 2025. A entrada é gratuita e pode ser visitada de segunda a quinta, das 10h às 19h; sextas, das 10h às 18h; e sábados, das 11h às 17h, proporcionando ampla oportunidade para o público desfrutar da arte de Wilma Martins.
“Wilma Martins é um caso complexo de categorizar”, reflete Morse. “Ela estabelece diálogos com o surrealismo, com a tradição paisagística, e com a crítica ao espaço doméstico, sempre mantendo uma identidade artística única. Sua obra possui uma voz própria e contundente”, conclui a curadora, evidenciando a originalidade e o impacto atemporal do trabalho da artista mineira.
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Em suma, a exposição “Territórios Interiores” na Galeria Galatea oferece uma valiosa oportunidade de revisitar e compreender a obra singular de Wilma Martins, uma artista que transformou o comum em extraordinário através de sua fusão única de realidade e sonho. Para continuar explorando a interseção entre arte, cultura e sociedade em grandes centros urbanos, visite nossa editoria de Cidades e mantenha-se informado sobre os principais eventos e análises do cenário nacional.
Crédito da imagem: Ding Musa / Divulgação
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