Em um notável paradoxo da era digital, as monjas de clausura em São Paulo, residentes no histórico Mosteiro da Luz, vivenciam uma rotina onde a devoção milenar se encontra com as ferramentas da modernidade. Do atendimento aos fiéis à gestão das mídias sociais, estas religiosas enfrentam o desafio diário de manter seu compromisso espiritual ao mesmo tempo em que se conectam com o mundo exterior através da internet.
Fundado no ano de 1774, o Mosteiro da Luz é um ponto de referência no centro da capital paulista, situado na avenida Tiradentes e vizinho ao Museu de Arte Sacra. Este imponente complexo serve como lar para 12 monjas concepcionistas da Ordem de Imaculada Conceição, que ali mantêm uma estrutura de vida matriarcal.
Monjas de Clausura em SP: Equilíbrio Entre Fé e Conectividade
A vida das monjas é definida pela clausura, que engloba diversas atividades diárias essenciais. Entre cuidar do jardim, preparar refeições e lavar as roupas, elas também dedicam tempo ao auxílio espiritual dos devotos. Contudo, nos últimos anos, essas atribuições foram expandidas para incluir a administração do site oficial e dos perfis nas redes sociais do mosteiro. Uma das marcas dessa transformação é a primeira postagem no Instagram da comunidade, datada de 28 de maio de 2023, demonstrando o passo rumo à conectividade.
A Presença Marcante de Frei Galvão
No ambiente acolhedor da recepção do mosteiro, diversas imagens de santos católicos decoram o espaço, com um destaque particular para Frei Galvão. O frade franciscano, que professava os votos de pobreza, obediência e castidade – princípios também seguidos pelas monjas concepcionistas –, é uma fonte de inspiração tanto para as religiosas que residem no local quanto para os muitos fiéis que buscam amparo e milagres.
Adentrando o mosteiro, a antessala revela elementos singulares que narram parte de sua história e tradição. Dentre eles, observa-se a “roda dos enjeitados”, utilizada no passado para receber bebês abandonados, uma porta robusta de madeira maciça exibindo os dizeres “clausura”, e um guichê onde uma placa anuncia a distribuição gratuita das “pílulas do Frei Galvão”, com a orientação de um máximo de três por pessoa.
A confecção e distribuição dessas pílulas, elaboradas artesanalmente com papel de arroz e acompanhadas de uma oração do século XVIII, representam uma das muitas responsabilidades das irmãs concepcionistas. Segundo Irmã Fabiana, cerca de mil pílulas são entregues diariamente. A fé chega ao mosteiro não apenas por meio de cartas, mas também por e-mail e agradecimentos recebidos através das plataformas digitais.
Convivência com o “Mundo Exterior” no Locutório
Ao seguir por um longo corredor interno, o locutório se apresenta como um ponto de encontro. Esta sala ampla, marcada por uma rígida divisão central de grade, é o local onde as religiosas recebem as visitas de seus familiares e dos devotos. Irmã Fabiana Imaculada Conceição, uma das monjas, explicou que, apesar da proximidade, o contato físico, incluindo abraços, é raro, reforçando a segurança e o vínculo das monjas com a divindade.
“Existe uma questão de segurança, mas é também um elo para mostrar para o povo que nós estamos mais com Deus”, explica Irmã Fabiana. Ela ressalta que essa separação física não impede que as irmãs permaneçam conectadas com os fiéis através da oração constante, estabelecendo um diálogo sutil entre “os de dentro” e “os de fora”.
Irmã Fabiana, hoje com 44 anos, entregou seu “sim” à ordem aos 24, inspirada pela vida de dedicação de Madre Teresa de Calcutá. Sua decisão pela clausura encontrou resistência da mãe, revelando o preconceito e desconhecimento que ainda cercam essa prática religiosa.
A Clausura como Opção de Vida e Diálogo com a Modernidade
Apesar dos desafios, Irmã Fabiana defende que a clausura não é meramente um lugar físico, mas sim uma “opção de vida, de estar mais apartada do mundo, sem estar diretamente trabalhando com as pessoas, mas em oração constante.” A origem da clausura remonta ao século VI, com Santo Antão do Egito, o primeiro eremita conhecido, sob a premissa de que o afastamento das distrações mundanas potencializa a conexão com o divino. Essa lógica, surpreendentemente, se mantém para a religiosa, mesmo na inegável era da conectividade.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A interação com o universo digital, apesar de apresentar seus riscos (“muitas coisas ruins”), é reconhecida como uma via que “nos propicia informações, relações com o mundo todo”. Para Irmã Fabiana, essa compreensão da realidade externa é vital. “Quando chega alguém em aflição, com algum sofrimento, é importante eu saber também como vocês vivem aí do lado de fora para eu também poder compreender melhor”, afirma a monja, enfatizando a relevância do diálogo para o apoio espiritual.
O advento das redes sociais, por exemplo, tem sido crucial para que as monjas do Mosteiro da Luz consigam compartilhar detalhes sobre seu cotidiano e a natureza da clausura. O próprio site do mosteiro inclui um convite explícito para mulheres que considerem seguir a vida religiosa, uma forma moderna de busca por novas vocações.
Desafios e Reflexões da Igreja na Era Digital
Irmã Fabiana reflete sobre a tendência de declínio no número de praticantes do catolicismo, especialmente entre os mais jovens, contrastando com o crescimento das denominações evangélicas nas últimas décadas. Apesar das restrições para mulheres na Igreja Católica, como a impossibilidade de rezar missas, a religiosa destaca a importância e a função de cada membro na estrutura eclesiástica.
Quando questionada sobre os acontecimentos políticos globais, Irmã Fabiana informa que as irmãs “conversam entre si sobre algumas notícias”, contudo, mantêm-se alheias a posicionamentos políticos públicos, focando na oração e na vida dedicada à fé.
A presença das redes sociais e do site permite, por exemplo, que as monjas divulguem seu trabalho e compartilhem o relato de um milagre. Irmã Fabiana menciona a história do neto de uma senhora que frequentemente visitava o mosteiro em busca de auxílio. Após a criança quase se afogar e ser resgatada em estado grave, as pílulas de Frei Galvão foram solicitadas, e, em um testemunho de fé, o menino teria se recuperado milagrosamente.
A coexistência entre o recolhimento espiritual e a conexão digital representa um novo capítulo na história de ordens como a do Mosteiro da Luz, que segue servindo como um ponto de refúgio e fé em meio à agitação de São Paulo. Ao abraçar a tecnologia, sem abrir mão de suas convicções, as monjas demonstram a capacidade de adaptação da fé milenar aos contornos do século XXI, buscando manter o vínculo com Deus e com o próximo.
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Para aprofundar a compreensão sobre os desafios e a vitalidade das instituições religiosas nas grandes metrópoles, continue explorando nossas matérias sobre as Cidades.
Crédito da imagem: Karina Iliescu / Folhapress
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