O Congresso Nacional presenciou o terceiro insucesso da proposta conhecida como PEC da Blindagem nos últimos quatro anos, em um cenário de intensas articulações políticas e recuos estratégicos. A medida, que pretendia ampliar as imunidades parlamentares, esbarrou novamente na repercussão pública negativa e na hesitação do Senado Federal, conforme demonstram os eventos recentes na política brasileira.
A primeira movimentação significativa em torno do tema ocorreu em 19 de fevereiro de 2021, pouco mais de duas semanas após sua eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, quando Arthur Lira (PP-AL) pronunciou um discurso de forte simbolismo no plenário. Naquele dia, enquanto a Casa votava a manutenção da prisão do então deputado Daniel Silveira, determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), Lira manifestou publicamente seu descontentamento com a “intervenção extrema” nas prerrogativas dos parlamentares. Ele classificou o episódio como um “ponto fora da curva” e prometeu a formação de uma comissão pluripartidária dedicada a elaborar uma “regulação ainda mais clara e específica” do artigo 53 da Constituição, que delineia as imunidades parlamentares.
PEC da Blindagem sofre 3º revés em 4 anos no Congresso
No entanto, a iniciativa da comissão logo cedeu espaço a uma estratégia mais ágil: Lira tentou aprovar no plenário, já na semana subsequente, e sem a deliberação da prometida comissão, uma proposta de emenda à Constituição que buscava expandir as garantias de imunidade parlamentar e dificultar prisões de deputados e senadores. Esta tentativa de aprovação rápida enfrentou resistência veemente da oposição e uma considerável repercussão negativa, forçando o líder do centrão a recuar. A proposta, na época referida como “PEC da Imunidade”, foi engavetada, adormecendo por mais de quatro anos no cenário legislativo.
Em agosto deste ano, o tema ressurgiu sob uma nova roupagem, denominada “PEC das Prerrogativas” pelos deputados. O retorno à pauta se deu mediante um compromisso selado a portas fechadas, vindo diretamente do gabinete de Lira. Este acordo foi crucial para que parlamentares bolsonaristas encerassem a ocupação da mesa do plenário da Câmara. O acerto de cavalheiros envolvia a votação de dois projetos principais: a anistia para condenados por atos golpistas, uma demanda da base aliada do ex-presidente, e a referida “PEC das Prerrogativas”, uma proposta abraçada pelo centrão e defendida por setores da oposição com o argumento de coibir o que consideravam abusos do STF. Tal movimento demonstrava a complexidade e os jogos de força no Parlamento.
Embora o texto-base da nova PEC se assemelhasse à versão apresentada em 2021 pelo atual ministro do Turismo, Celso Sabino (União Brasil-PA), a recente encarnação da proposta era muito mais ambiciosa. Não à toa, rapidamente foi apelidada de “PEC da Blindagem”, e popularmente, nas redes sociais, como “PEC da Impunidade” ou da “Bandicagem”. Sua abrangência era notável: a iniciativa buscava restaurar uma regra abolida pelo próprio Congresso em 2001, que condicionava o processo contra deputados e senadores à prévia aprovação deles próprios, por meio de votação secreta. Além disso, introduzia a garantia de foro privilegiado para presidentes de partidos políticos, estendendo as prerrogativas para além do exercício do mandato parlamentar. A justificativa pública da proposta era a proteção da liberdade de opinião e voto dos parlamentares, livre de censura ou perseguição judicial. Contudo, nos bastidores, a motivação central visava barrar o avanço de investigações sobre potenciais irregularidades na aplicação das volumosas emendas parlamentares e outros desvios.
A crença do centrão de que aquele momento seria ideal para aprovar a PEC da Blindagem se baseava na “ira do bolsonarismo contra o STF”, o que garantiria mais de 400 dos 513 votos na Câmara. A expectativa era de um apoio quase unânime, englobando inclusive parte da esquerda simpática à proposta. No final de agosto, a Câmara se preparava para votar a medida durante uma sessão noturna e de madrugada, mas uma exigência do PL (Partido Liberal) de incluir a suspensão clara de processos já em andamento criou um impasse. A reunião de líderes na residência do presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) foi interrompida, e a votação da medida foi abortada. A má repercussão já existente nas redes sociais levou o próprio PL a declarar seu posicionamento contra a proposta.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
O aparente retorno da proposta à gaveta durou apenas alguns dias. Em uma nova guinada estratégica, o centrão buscou apoio do governo Lula e do PT, oferecendo, em troca, o derrube do projeto de anistia ampla, que era uma das bandeiras principais do bolsonarismo. Essa complexa articulação, costurada entre PL e PT, culminou na aprovação massiva da PEC da Blindagem na semana anterior, nos dias 16 e 17, com 353 deputados votando a favor, sendo 344 no segundo turno. A vitória na Câmara parecia incontestável e fruto de intensas negociações políticas. Segundo uma antiga máxima do parlamento, que afirma que mesmo o deputado “mais bobo” não obteve menos que um caminhão de votos, a aprovação da PEC decorreu de dois pontos cruciais. Primeiramente, o apoio substancial do bolsonarismo, combinado com a razoável simpatia de parte da esquerda. Deputados petistas, por exemplo, foram determinantes para que a previsão do voto secreto na autorização de processos fosse mantida no texto. Em segundo lugar, a percepção de amparo garantido também no Senado, onde acordos dessa magnitude são usualmente costurados nos bastidores entre as lideranças das duas Casas legislativas.
Contudo, a aprovação da proposta na Câmara gerou uma ampla repercussão negativa nas redes sociais e na opinião pública. O clima geral indicava um Congresso preocupado exclusivamente em expandir privilégios em detrimento dos avanços para a população, sacramentando assim o terceiro fracasso da medida. Diante da pressão popular, deputados passaram a justificar seus votos e a manifestar arrependimento. O Senado Federal, por sua vez, aproveitou a oportunidade para assumir uma postura de “bom-moço”, permitindo que a medida fosse barrada, não apenas na Comissão de Constituição e Justiça, mas também no plenário, sob a alegação de falta de amparo regimental. Embora existam senadores que sempre foram genuinamente contrários à iniciativa, a maior parte do corpo legislativo optou por se desvincular do centrão da Câmara, abandonando a proposta à própria sorte. É certo que, se a Câmara novamente pusesse a PEC em votação, a onda de votos favoráveis observada na semana anterior provavelmente se reverteria. O deputado Claudio Cajado (PP-BA), relator da PEC na Câmara, sintetizou a situação de forma categórica em 24 de setembro: “Não falo mais sobre esse assunto, já era. Morreu, morte matada”, palavras que selaram o destino da proposta de emenda à Constituição.
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Este terceiro revés da PEC da Blindagem em quatro anos demonstra a volatilidade e as pressões enfrentadas pelas propostas legislativas de grande impacto político, especialmente aquelas que envolvem o aumento de prerrogativas parlamentares. A mobilização da opinião pública e a necessidade de equilíbrio entre os poderes são fatores decisivos no desfecho de tais debates. Para aprofundar seu conhecimento sobre o artigo 53 da Constituição e as imunidades parlamentares, consulte a legislação brasileira oficial. Acompanhe a nossa editoria de Política para se manter atualizado sobre os próximos movimentos e desdobramentos no cenário nacional.
Crédito da imagem: Gabriela Biló – 7.nov.24/Folhapress
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