TÍTULO: PEC da Blindagem: Ilícito Internacional, diz Flavia Piovesan
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META DESCRIÇÃO: A especialista Flavia Piovesan avalia que a PEC da Blindagem seria um ilícito internacional e inconstitucional. Entenda os argumentos desta jurista.
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A controvertida proposta conhecida como PEC da Blindagem é vista como um potencial ilícito internacional e uma afronta à Constituição Federal, conforme a rigorosa análise da renomada professora de direito constitucional Flavia Piovesan. Especialista em direitos humanos, ela adverte que a aprovação desta Proposta de Emenda à Constituição não apenas ressuscitaria um modelo de imunidade parlamentar ultrapassado, mas o agravaria, incorporando elementos de votação secreta que violariam preceitos fundamentais da justiça.
Flavia Piovesan, cujo currículo inclui passagens estratégicas pela administração pública e órgãos internacionais, ocupou a Secretaria de Direitos Humanos durante a Presidência de Michel Temer (MDB). Além disso, a jurista integrou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vital da OEA (Organização dos Estados Americanos), servindo como vice-presidente no período entre 2018 e 2021, o que lhe confere autoridade em matéria de pactos e tratados internacionais.
PEC da Blindagem: Ilícito Internacional, diz Flavia Piovesan
A legislação em questão, que atualmente está sob escrutínio, visa reintroduzir um formato de imunidade parlamentar já presente no sistema jurídico brasileiro entre 1988 e 2001. De acordo com a proposta, tanto deputados federais quanto senadores só poderiam ser investigados criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após expressa autorização do Congresso Nacional. A abrangência da medida, por um efeito cascata, estenderia-se igualmente aos deputados estaduais, replicando a exigência em nível local.
A professora Piovesan enfatiza que esta proposição, já endossada pela Câmara dos Deputados e agora em análise no Senado, vai além da inconstitucionalidade. Para ela, o texto transgride severamente não apenas os termos do pacto ao qual o Brasil se vinculou em 1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mas também desconsidera uma decisão emblemática de 2021. Nesta sentença, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por um caso de feminicídio ocorrido em 1998, onde a imunidade parlamentar impediu o andamento processual contra o deputado acusado.
“Esta PEC da Blindagem significaria um ilícito internacional”, assevera Piovesan. Ela reitera que o modelo proposto é “absolutamente anacrônico e violador do Estado de Direito, violador do coração dos valores constitucionais”, sublinhando o retrocesso que a aprovação da PEC representaria para a democracia e para o sistema de justiça brasileiro. Além da reinserção de uma barreira ao acesso à justiça, Piovesan manifesta veemente repúdio à previsão de votação sigilosa.
A adoção do voto secreto é classificada por ela como “uma aberração e significa um retrocesso inadmissível”, inapropriada sob óticas jurídica, moral e política. Segundo a jurista, tal prática diminui a transparência e a responsabilidade, minando a confiança da população nas instituições democráticas.
Afronta aos Compromissos Internacionais e o Caso Márcia Barbosa
O episódio que culminou na condenação do Estado brasileiro em 2021 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos teve suas raízes no ano 2000, quando movimentos sociais brasileiros encaminharam a denúncia ao sistema interamericano. Essa ação se fez necessária após a Assembleia Legislativa da Paraíba negar, por duas ocasiões, a solicitação do Tribunal de Justiça local para instaurar um processo penal contra um de seus membros, amparando-se na imunidade parlamentar que a atual PEC busca restaurar.
O deputado estadual envolvido, Aércio Pereira de Lima, era o acusado do homicídio de Márcia Barbosa de Souza. A jovem, à época com 20 anos, foi brutalmente assassinada em 1998, tendo seu corpo encontrado em um matagal, e a autópsia confirmou asfixia por sufocamento após intensas agressões. Apenas em 2003, quando Aércio já havia encerrado seu mandato e as regras de imunidade parlamentar haviam sido alteradas pelo Congresso Nacional, foi possível iniciar a ação contra ele. Condenado a 16 anos de prisão, o ex-deputado veio a óbito em 2008, vítima de infarto, sem cumprir integralmente a pena, pois ainda aguardava a análise de um recurso.
A decisão da Corte Interamericana foi explícita ao apontar que a regulamentação da imunidade parlamentar então vigente “era contrária ao direito de acesso à Justiça e ao dever de adotar disposições de direito interno”. Piovesan, que chegou a colaborar com grupos da sociedade civil na formulação da denúncia levada à comissão, destaca a importância desse precedente. “Não é que a imunidade parlamentar seja o elemento central [deste caso], mas é um elemento importante a ser considerado porque é ele que vai justificar a ineficácia do sistema de Justiça”, afirma.
Para a jurista, a PEC da Blindagem, ao retroceder neste ponto, infringe os artigos 8º e 25º da Convenção Americana, que estabelecem garantias e proteções judiciais, além do artigo 2º, que impõe aos estados a obrigação de tomar medidas para efetivar os direitos e liberdades ali pactuados. “O Brasil, como parte da Convenção Americana, e devendo cumpri-la de boa-fé, deve harmonizar a sua ordem jurídica interna à luz desses parâmetros protetivos mínimos”, esclarece Piovesan. Ela adverte que o Estado deve operar acima ou no mínimo dentro desses preceitos, mas nunca abaixo, como teria ocorrido no caso Márcia.
Inconstitucionalidade da PEC da Blindagem: Uma Análise Abrangente
Além da grave violação ao direito internacional, a professora Piovesan sustenta firmemente que a PEC da Blindagem padece de flagrante inconstitucionalidade. Baseando-se no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal — que assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” — e utilizando o caso Márcia Barbosa como um exemplo didático e trágico, ela diagnostica uma direta violação ao direito fundamental de acesso à Justiça.
Um segundo pilar de sua argumentação reside na afronta ao princípio da separação dos Poderes. Piovesan avalia que a proposta promove uma “blindagem de forma tão abusada, excessiva e desproporcional o Poder Legislativo, que esvazia a função do outro Poder, que obsta a realização da Justiça”. Tal desequilíbrio, para a jurista, compromete a autonomia e a capacidade de fiscalização do Poder Judiciário, essenciais para a manutenção de um Estado democrático de direito.
Por fim, Piovesan reforça a crítica à previsão do voto secreto, que considera uma clara violação do princípio da transparência e da publicidade. A exigência de sigilo nas votações relativas a processar parlamentares seria um retrocesso em relação aos avanços democráticos conquistados pelo país.
Rebatendo o argumento comum de que a regra em questão, por ter constado no texto original da Constituição de 1988, não poderia ser considerada inconstitucional, Piovesan defende uma “interpretação evolutiva e dinâmica” da Carta Magna. Ela salienta a importância da jurisprudência consolidada, que reflete a adaptação do direito às realidades sociais. Adicionalmente, Piovesan recorda que, em 2013, uma emenda constitucional eliminou a previsão do voto secreto para a apreciação de vetos presidenciais pelo Congresso e para processos de perda de mandato parlamentar. “Nós caminhamos para aprimorar a nossa democracia, para densificar e fortalecer o princípio da transparência e da publicidade”, conclui, ressaltando que a PEC da Blindagem segue na contramão dessa evolução democrática.
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A análise da professora Flavia Piovesan sobre a PEC da Blindagem ressoa como um alerta crucial para o panorama jurídico e político nacional. Ao evidenciar as violações tanto aos pilares constitucionais quanto aos compromissos internacionais de direitos humanos, a jurista convoca ao debate sobre a necessidade de um sistema jurídico que verdadeiramente garanta o acesso à justiça e a responsabilidade de todos perante a lei, sem privilégios anacrônicos. Para continuar acompanhando as discussões mais relevantes sobre política e justiça, navegue por nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Eduardo Anizelli – 16.out.2017/Folhapress
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