Educação e ascensão social são frequentemente apresentadas como um caminho interligado e garantido, mas essa narrativa é veementemente questionada pelo economista e pesquisador do Insper, Michael França. Para França, a crença na educação como a principal via para diminuir as desigualdades e impulsionar a mobilidade social é um dos mitos mais persistentes, especialmente em uma nação caracterizada por uma segregação sistêmica. Em sua análise, o pesquisador convida à reflexão sobre a percepção de jovens desfavorecidos em relação aos anos de estudo investidos, que muitas vezes implicam renunciar a oportunidades de lazer ou à renda imediata de trabalhos informais.
Essa perspectiva se baseia em uma observação direta e crucial: a fé na educação como um vetor de mudança social dificilmente se sustenta diante de uma realidade repleta de exemplos que contradizem a promessa implícita. Para muitos, o retorno do esforço educacional simplesmente não corresponde às expectativas. Michael França, reconhecido por sua obra e pesquisa, incluindo o Prêmio Jabuti Acadêmico e sua formação em Economia pela USP, com experiência como visiting scholar nas prestigiadas universidades de Columbia e Stanford, aprofunda-se nessa temática ao analisar as disparidades sociais do país.
Educação e Ascensão Social: Michael França Debate Mitos
O discurso corrente, que promete aos jovens pobres que a dedicação aos estudos garantirá a aquisição de habilidades e competências para o mercado de trabalho, muitas vezes falha ao ignorar uma realidade incontornável: para aqueles oriundos de contextos desfavorecidos, o valor e o retorno da educação são significativamente menores. Ao ingressar no mercado, esses indivíduos frequentemente enfrentam barreiras como a discriminação e a limitação de oportunidades, um cenário contrastante com o enfrentado pelos filhos das classes economicamente privilegiadas. Essa disparidade gera um impacto profundo na confiança desses jovens.
A percepção dessa injustiça social contribui para a descrença na capacidade transformadora da educação. Jovens que crescem em ambientes periféricos e desprivilegiados observam, em sua maioria, poucos casos de indivíduos semelhantes que conseguiram uma verdadeira ascensão social exclusivamente por meio da dedicação aos estudos. Essa ausência de modelos encorajadores levanta sérios questionamentos sobre o investimento em uma jornada educacional que exigirá anos de privações, sacrifícios e foco intenso, sem qualquer certeza de que conseguirão sustentar-se ao longo do percurso. Muitos, diante desse futuro incerto e desfavorável, optam por abandonar os estudos ou nem mesmo iniciar o processo.
A manifestação dessa realidade pode ser notada no próprio ambiente escolar. Estudantes provenientes de famílias de baixa renda frequentemente demonstram menor engajamento nos estudos. Entretanto, Michael França sublinha que essa falta de dedicação não se relaciona à capacidade intelectual desses jovens, mas sim ao reconhecimento precoce e aguçado de que, em uma sociedade brasileira intrinsecamente dividida, o empenho e o esforço daqueles em desvantagem raramente são devidamente valorizados e recompensados. Este panorama desfavorável alimenta um ciclo vicioso: baixos níveis de envolvimento acadêmico resultam em desempenho inferior, o que, por sua vez, corrobora e reforça a descrença na capacidade de transformação social através da educação, culminando em uma profecia que se cumpre por si só.
Diante desse cenário complexo, Michael França aponta para a necessidade de que os defensores da educação — aqueles que repetem insistentemente que o desenvolvimento do país depende exclusivamente do ensino de qualidade — absorvam uma lição fundamental. É imprescindível compreender que não se pode atribuir toda a responsabilidade e o peso de uma sociedade intrinsecamente excludente apenas às escolas e aos educadores. Não é deles a incumbência de realizar proezas milagrosas que compensem décadas de iniquidades estruturais e falta de oportunidades para amplas camadas da população.
A educação, em sua essência, não funciona como um sistema isolado. Seu impacto e desenvolvimento não se iniciam nem se encerram nas salas de aula. Ao contrário, é um processo moldado e profundamente influenciado pelas interações sociais diárias, pelo ambiente comunitário e familiar no qual cada aluno está inserido, pelas suas vivências pessoais, pelas expectativas que nutrem em relação ao futuro e, crucialmente, pela verdadeira possibilidade de traduzir o conhecimento adquirido em concretas realizações pessoais e profissionais. Se a estrutura social permanecer rigidamente fechada para os jovens que vivem nas periferias e áreas desfavorecidas, o poder e a promessa inerente à educação fatalmente se esvaziarão e enfraquecerão.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Nesse contexto, oferecer e ampliar uma educação de alta qualidade, apesar de ser um passo indiscutivelmente importante, é, por si só, apenas uma parte da solução. Michael França argumenta com clareza que, sem a transformação efetiva do mercado de trabalho para torná-lo mais inclusivo e equitativo, sem uma redução significativa do peso da discriminação enraizada em nossa sociedade, sem a implementação de uma justiça tributária robusta e progressiva, e sem reformas estruturais amplas que visem corrigir as profundas disparidades nos pontos de partida dos cidadãos brasileiros, nenhuma instituição de ensino e nenhum professor terão as ferramentas para reverter o crescente desencantamento de uma legião de estudantes em relação ao sistema. O estudo conclui, com este panorama crítico, que o futuro da educação no Brasil exige uma abordagem sistêmica e multifacetada, para além dos muros escolares.
A profunda reflexão proposta pelo artigo faz uma sensível homenagem à composição “Dá o Pé, Loro”, do renomado músico Guinga, utilizando a arte como ponto de partida para discutir a complexa realidade social brasileira.
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A perspectiva de Michael França desafia o pensamento convencional sobre a educação, reiterando que sua capacidade de impulsionar a ascensão social está intrinsecamente ligada a um ambiente social e econômico que ofereça oportunidades equitativas. Para aprofundar seu entendimento sobre as dinâmicas sociais e econômicas do país, convidamos você a explorar outras análises em nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Jardiel Carvalho – 29.jul.25/Folhapress
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