A imposição de uma nova tarifa de importação por parte dos Estados Unidos está provocando uma grave crise na exportação de madeira do Rio Grande do Sul, setor que movimenta anualmente mais de R$ 500 milhões para o mercado norte-americano. Considerado o mais dependente das relações comerciais com os EUA no estado, a indústria madereira gaúcha enfrenta agora demissões, redução de turnos e até a paralisação de linhas de produção, com reflexos diretos em milhares de empregos.
Empresas do setor madeireiro gaúcho, diante do cenário adverso, já implementaram medidas drásticas. Essas ações buscam conter os efeitos da retração nas exportações, mas impactam diretamente os trabalhadores, conforme relatos de representantes da própria indústria. O momento atual sinaliza a materialização de previsões negativas que há tempos pairavam sobre o segmento, que é vital para a economia local.
Tarifa dos EUA Abala Exportação de Madeira do RS
O pano de fundo desta conjuntura é o “tarifaço” anunciado pelo ex-presidente norte-americano, Donald Trump, no início de agosto. Essa medida adiciona uma sobretaxa de 50% aos produtos brasileiros que são exportados para os Estados Unidos. A justificativa por trás dessa ação visa fortalecer a indústria local e estimular o consumo interno norte-americano. Diversos setores da economia brasileira sentem o impacto, incluindo não só a madeira, mas também o café, carne bovina, frutas e pescado. “Estamos começando a colher os primeiros impactos concretos, a consolidação das estatísticas e das previsões na atividade econômica das empresas”, observa Giovani Baggio, economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).
A Profunda Dependência do RS pelo Mercado Norte-Americano
A forte interdependência entre o Rio Grande do Sul e os Estados Unidos no setor da madeira decorre de características específicas do mercado. Itens como cercas de pinus, molduras residenciais e chapas compensadas, largamente produzidos no estado, são quase que exclusivamente direcionados ao consumidor americano. Essa peculiaridade se deve a diferenças culturais e de consumo. Por exemplo, enquanto no Brasil a utilização de concreto é predominante para cercas, nos EUA, o produto de madeira é amplamente empregado nas residências. Esta distinção cultural limita o mercado interno brasileiro para esses produtos, tornando a exportação para os Estados Unidos essencial para a sustentabilidade da produção gaúcha.
“Aqui a gente usa concreto. Lá, todas as casas têm uma cerca nos fundos. Então não acontece essa substituição, o mercado interno é menor e precisamos da exportação”, lamenta Leonardo de Zorzi, presidente do Sindicato das Indústrias de Madeira do RS (Sindimadeira RS). Consequentemente, as novas tarifas elevam significativamente o preço final dos produtos brasileiros no mercado americano, comprometendo sua competitividade e, por sua vez, a demanda. A lógica é simples: com produtos mais caros, o consumidor americano adquire menos, resultando em menor volume de exportações do Brasil para os EUA.
Queda nas Exportações e Desafios do Mercado
Os primeiros dados pós-tarifaço já revelam a intensidade do problema. Em agosto, as exportações de madeira do Rio Grande do Sul para o exterior registraram uma redução de 25% em comparação com o mesmo mês de 2024 (conforme dado original do artigo), de acordo com a Fiergs. Globalmente, a indústria gaúcha viu suas exportações para os EUA caírem 19% após a medida. Com os Estados Unidos sendo responsáveis por quase 28% do total das exportações do setor, esse recuo representou uma perda substancial de US$ 3,8 milhões apenas em agosto.
Antes do anúncio da tarifa, em julho, houve um aumento de 74,6% na quantidade exportada, indicando uma antecipação de vendas por parte das empresas para evitar a taxa futura. Contudo, os preços já demonstravam uma queda de 20,2%. Em agosto, o impacto foi sentido tanto nos preços, que recuaram 27,5%, quanto no volume, com uma diminuição de 13%, atestando os efeitos diretos das sobretaxas aplicadas.
Desafios no Redirecionamento e Cenário Econômico
Empresas gaúchas tentam se adaptar ao novo cenário, mas enfrentam grandes obstáculos. Em Cambará do Sul, a Reflorestadores Unidos, uma das principais empregadoras da região, precisou suspender serviços terceirizados, diminuir turnos de trabalho e conceder férias coletivas. Especializada na produção de cercas de madeira para residências americanas, a empresa agora busca ativamente por novos mercados, uma transição que afeta 340 funcionários diretamente e cerca de 1.500 pessoas indiretamente. O presidente do Sindimadeira RS enfatiza que produtos manufaturados demandam um processo de substituição mais lento e têm maior dificuldade em penetrar novas praças.

Imagem: g1.globo.com
Adicionalmente, a questão do volume se mostra crucial. Os Estados Unidos, como grande consumidor, absorvem um volume muito maior do que outros países, muitos dos quais já possuem suas cadeias de suprimentos abastecidas. Além disso, o Brasil carece de uma cultura de consumo da madeira plantada tão enraizada quanto a norte-americana, dificultando a absorção do excedente no mercado interno. O economista-chefe da Fiergs alerta que conquistar novos clientes internacionais é um processo que geralmente leva anos, especialmente para bens industriais mais elaborados e personalizados, constituindo um grande entrave para uma reorientação rápida das exportações.
Impacto Nacional: Milhares de Demissões
O tarifaço estendeu seus efeitos para além das fronteiras gaúchas, impactando o Brasil como um todo. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente (Abimci), foram registradas cerca de 4 mil demissões no país entre 9 de julho, data do anúncio da sobretaxa de 50%, e 15 de agosto. O setor, que abrange produtos como compensados, madeira serrada, pisos, molduras e portas, emprega aproximadamente 180 mil pessoas em todo o território nacional, com a produção concentrada nos estados do Paraná e Santa Catarina, além do Rio Grande do Sul. Este panorama reforça a urgência de soluções para a crise. As relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos são pauta constante de análises econômicas, revelando a complexidade das dinâmicas globais de comércio.
Setores Específicos sob Pressão
Dentro da própria indústria madeireira, alguns segmentos enfrentam consequências ainda mais acentuadas. As serrarias dedicadas à madeira bruta empregam cerca de 7,7 mil pessoas no Rio Grande do Sul e destinam quase um terço de sua produção (US$ 100,5 milhões de um total de US$ 339 milhões) aos Estados Unidos. Após a imposição das tarifas, a Fiergs projeta uma queda de 39% nas exportações desse nicho. Da mesma forma, o setor moveleiro com predominância de madeira, que emprega mais de 30 mil trabalhadores no estado, direciona 18,3% de suas exportações para os EUA (US$ 43,6 milhões de US$ 238,3 milhões totais), estando igualmente vulnerável.
Mesmo o segmento de celulose, que não faz parte diretamente do setor madeireiro mas tem 14% de sua produção destinada aos Estados Unidos, sente os reflexos. Apesar de estar listado como exceção às tarifas, empresas gaúchas anteciparam vendas como forma de se protegerem de futuras incertezas. “Muitas indústrias optam por exportar, mesmo com margem de preço apertada, mas relatam que não estão acontecendo novos pedidos”, conclui o economista Giovani Baggio, sublinhando a dificuldade em manter o fluxo de negócios no atual cenário.
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A grave crise na indústria madereira do Rio Grande do Sul, provocada pela tarifa dos EUA, expõe a vulnerabilidade do setor e o impacto direto nas vidas de milhares de trabalhadores. O desafio agora reside em encontrar alternativas viáveis para a dependência do mercado norte-americano, em um processo que exige tempo, investimentos e novas estratégias comerciais. Para aprofundar seu conhecimento sobre o cenário econômico atual e suas consequências, convidamos você a explorar outras matérias em nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Reprodução/ RBS TV
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