Os pedidos de boicote a Israel no mundo cultural estão ganhando uma força sem precedentes, mobilizando uma vasta gama de artistas, músicos e escritores ocidentais. A intenção declarada é replicar o sucesso histórico do isolamento imposto à África do Sul durante o apartheid. Enquanto governos ocidentais demonstram hesitação em aplicar sanções econômicas a Israel, um aliado estratégico crucial no Oriente Médio, as figuras da cultura emergem como uma voz influente na pressão por medidas de protesto e dissuasão.
Esta crescente onda de ativismo cultural é percebida como um “ponto de inflexão” global, onde diversas esferas artísticas se unem em um clamor comum. A mobilização abrange desde o cinema e a televisão até a música e o esporte, evidenciando uma pressão social significativa que ultrapassa as tradicionais fronteiras governamentais e diplomáticas. A amplitude da participação de celebridades renomadas demonstra a profundidade do sentimento de urgência em relação ao conflito na Faixa de Gaza.
Boicote a Israel no Mundo Cultural Ganha Impulso Global
A força por trás da campanha para intensificar os pedidos de boicote a Israel no mundo cultural é corroborada por vozes proeminentes. O ator britânico Khalid Abdalla, conhecido por seus papéis em “O Caçador de Pipas” e “The Crown”, compartilhou com a agência AFP sua convicção de que o movimento está em um estágio crucial de expansão global. Abdalla é um dos milhares de signatários de uma carta aberta lançada pelo grupo “Film Workers for Palestine” (Trabalhadores do Cinema pela Palestina), um coletivo que busca solidariedade e ação diante dos eventos na região.
Entre os apoiadores da iniciativa estão estrelas de Hollywood e do cinema mundial, como Javier Bardem, Emma Stone, Joaquin Phoenix e Gael García Bernal, que endossam a mensagem de não colaboração. A carta, divulgada em uma publicação recente no jornal britânico The Guardian, anuncia o compromisso dos signatários de suspender qualquer cooperação com instituições israelenses que estejam supostamente “envolvidas no genocídio” na Faixa de Gaza. Esta declaração sinaliza uma clara posição de distanciamento e condenação por parte desses influentes artistas.
O alcance do conflito de Gaza no cenário cultural global tem sido inegável, com referências presentes até mesmo nas principais premiações, como nas recentes cerimônias do Emmy, voltado para a televisão estadunidense, e no prestigiado Festival de Veneza. Khalid Abdalla enfatizou que essa onda de protestos não se restringe ao setor cinematográfico, descrevendo a situação como uma “avalanche” que atinge múltiplos segmentos da indústria cultural. Este clamor tem encontrado eco também na esfera musical, com exemplos marcantes.
O grupo britânico Massive Attack anunciou recentemente sua adesão a uma campanha setorial para restringir a reprodução de suas obras em Israel e fez um apelo público ao Spotify para que retire suas músicas da plataforma. Além disso, Israel pode vir a enfrentar boicotes em eventos de grande repercussão, como o popular festival de música Eurovision, ou até mesmo ser excluído de competições esportivas internacionais. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, figura como um defensor dessa última medida, o que ressalta a pressão crescente a nível político.
A comparação entre a situação atual e o histórico movimento contra o apartheid na África do Sul tem sido um ponto central nas discussões. Hakan Thorn, professor sueco da Universidade de Gotemburgo e autor de estudos sobre o protesto sul-africano, reforça a analogia, afirmando que a conjuntura observada hoje é comparável àquela do movimento de boicote ao regime racista da África do Sul. Esse movimento, que teve início nos primeiros anos da década de 1960 após o massacre de manifestantes negros em Sharpeville pela polícia, viu artistas e equipes esportivas se recusarem a viajar para o país, e figuras que não aderiram ao protesto, como Queen e Frank Sinatra, enfrentaram fortes críticas públicas. Para compreender melhor esse histórico, consulte a história do Movimento Anti-Apartheid.
No entanto, a mobilização atual enfrenta barreiras singulares. Muitos na esfera pública inicialmente se mostraram relutantes em adotar uma postura enfática em relação à guerra de Gaza, que teve seu estopim com o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023. Essa hesitação foi amplamente influenciada pelo temor de ser acusado de antissemitismo, devido à sensibilidade histórica do Holocausto. O sociólogo sueco Hakan Thorn observou que as críticas direcionadas ao movimento pró-Palestina como sendo antissemita foram um “grave obstáculo” para uma mobilização mais ampla e eficaz.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A percepção global, contudo, começou a se alterar decisivamente na primavera (outono no Brasil) deste ano, conforme imagens devastadoras da fome em Gaza passaram a circular amplamente. Esse ponto de virada catalisou um engajamento maior por parte da sociedade civil e de figuras culturais. O governo israelense, por sua vez, tem respondido aos pedidos de boicote com vigor, acusando os defensores da iniciativa de antissemitismo. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu frequentemente os qualifica como “simpatizantes do Hamas”, exacerbando a polarização do debate.
Em um cenário de crescente complexidade, David Feldman, diretor do Instituto para o Estudo do Antissemitismo da Birkbeck, Universidade de Londres, observa que as acusações geram uma “falta de confiança sobre quais são de fato os limites do antissemitismo”. Feldman, em entrevista à AFP, refuta a tentativa de associar diretamente o movimento de boicote a Israel com o antissemitismo. Ele esclarece que a campanha é, em sua essência, “um método para protestar contra a destruição israelense de Gaza e o assassinato de pessoas”, visando a proteção das vidas palestinas em meio ao conflito.
As lições aprendidas com o boicote antiapartheid, que muitos ativistas tomam como modelo para a guerra em Gaza, também revelam certas limitações inerentes a este tipo de protesto. Embora o movimento sul-africano tenha sido iniciado nos anos 1960, o regime demorou cerca de três décadas para desmoronar. Conforme Feldman aponta, o movimento cultural isolado “não era suficiente” para precipitar o fim do apartheid. O verdadeiro impacto disruptivo ocorreu devido à estrangulação econômica progressiva, impulsionada pela saída de empresas e bancos, bem como pelo contexto geopolítico do fim da Guerra Fria, que aprofundou o isolamento internacional do regime.
No próprio território israelense, diversos artistas expressam preocupações com as potenciais consequências negativas de um boicote internacional. Hagai Levi, cineasta conhecido por dirigir séries como “Segredos de um Casamento” e “The Affair”, revelou em uma entrevista à AFP neste mês que “90% das pessoas na comunidade artística” de Israel se opõem à guerra. Contudo, ele enfatiza que esses profissionais “estão enfrentando dificuldades” e que a implementação de um boicote pode paradoxalmente “enfraquecer essas pessoas” que já se posicionam contra as políticas governamentais.
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A intensificação dos apelos por um boicote cultural a Israel sinaliza um momento crucial nas relações entre arte, ativismo e política global. Embora a história do movimento antiapartheid sirva de inspiração e alerta para a complexidade da mudança social, a comunidade artística global busca maneiras de fazer valer sua voz em prol de direitos humanos. Para se manter atualizado sobre outras perspectivas políticas e desdobramentos de conflitos internacionais, continue acompanhando as análises em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Isabel Infantes/Reuters
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