A ambiciosa jornada da Natura para se consolidar como uma gigante global do setor de cosméticos chegou oficialmente ao fim. A empresa anunciou recentemente o desinvestimento quase completo de suas marcas internacionais, culminando na venda da Avon International por um valor simbólico de apenas 1 euro (cerca de R$ 7 na cotação atual). Esta decisão marca uma guinada estratégica, com a companhia agora focando predominantemente na América Latina, onde possui maior penetração e vantagem competitiva.
A trajetória da Natura rumo à expansão internacional, iniciada em 2012 com a aquisição da australiana Aesop, e posteriormente ampliada com a britânica The Body Shop em 2017 e a gigante americana Avon em 2019, representava um ousado projeto de liderança no mercado de beleza. Contudo, essa empreitada bilionária não trouxe os resultados esperados, levando a empresa a reavaliar sua abordagem global, um movimento que já era previsto, e até mesmo desejado, por grande parte do mercado financeiro e de análises setoriais.
Natura Abandona Planos Globais e Foca na América Latina
O que motivou a empresa, fundada em 1969 pelo economista Luiz Seabra, a buscar tamanha expansão além das fronteiras brasileiras? O objetivo primordial da Natura ao investir em aquisições internacionais era ganhar escala global, diversificar seus mercados de atuação e, consequentemente, posicionar-se entre os maiores grupos de beleza do mundo. Conforme explicou Caroline Sanchez, analista da Levante Inside Corp, a Natura já detinha uma sólida posição no Brasil e em toda a América Latina, mas visava transcender sua condição regional e tornar-se uma verdadeira multinacional no segmento da beleza. Essas aquisições, nesse contexto, eram vistas como portas de entrada estratégicas para novos países, fornecendo acesso imediato a canais de venda já estruturados e expandindo significativamente seu portfólio de produtos.
A primeira grande etapa dessa estratégia global ocorreu em 2012, quando a Natura adquiriu 65% da australiana Aesop. Fundada em 1987 por Dennis Paphitis, a Aesop era inicialmente uma marca de nicho, conhecida por suas fórmulas à base de óleos essenciais, desenvolvidas no próprio salão do cabeleireiro. Quatro anos depois, em 2016, a Natura consolidou seu controle, comprando os 35% restantes da marca. Sob a gestão da empresa brasileira, a Aesop experimentou uma rápida expansão, estabelecendo presença em 29 países e superando a marca de 400 pontos de venda ao redor do globo. O êxito dessa primeira aquisição foi um incentivo significativo para que a Natura aprofundasse sua ofensiva no mercado internacional.
Dessa forma, o ano de 2017 marcou outro ponto crucial na história de expansão internacional da Natura, com a aquisição da icônica The Body Shop. A marca britânica, renomada por seus produtos éticos e sustentáveis, foi comprada por um montante aproximado de 1 bilhão de euros (o equivalente a cerca de R$ 3,6 bilhões à época). Este movimento foi amplamente interpretado como um passo decisivo e ousado na consolidação da Natura como um grupo global de beleza, prometendo impulsionar ainda mais sua presença e diversificação em mercados estratégicos.
Contudo, o ponto mais ambicioso dessa escalada global se concretizaria em 2019, com o anúncio da fusão com a Avon. A aquisição da tradicional companhia americana, avaliada em US$ 2 bilhões, representava um marco histórico: uma empresa brasileira comprando uma centenária concorrente na venda direta. Essa operação, finalizada em 2020, sinalizou a clara intenção da Natura de disputar diretamente com líderes globais do setor, como a L’Oréal, capitalizando sobre a extensa rede de consultoras e a reputação estabelecida da Avon como um complemento vital ao seu modelo de negócios.
Com a concretização da fusão, a Natura deu origem à holding Natura&Co, um conglomerado que unia quatro grandes marcas (Natura, Aesop, The Body Shop e Avon), com operações em mais de 100 países e um faturamento anual que ultrapassava os US$ 10 bilhões (aproximadamente R$ 53 bilhões na cotação atual). Essa consolidação a catapultou para a posição de quarto maior grupo de beleza do mundo, situando-se apenas atrás de L’Oréal, Estée Lauder e Shiseido, um feito notável para uma empresa originária do Brasil. Para entender os desafios de expansões em mercados internacionais complexos, consulte a Exame para insights sobre o ambiente de negócios global e estratégias empresariais em https://exame.com/negocios/.
Apesar do porte e da aparente sinergia, os desafios começaram a emergir de forma expressiva, comprometendo a sustentabilidade dos projetos globais. “Os resultados das aquisições ambiciosas não apareceram na velocidade e intensidade esperadas”, destacou Marcos Pelozato, advogado e especialista em reestruturação empresarial. A expansão internacional, que deveria trazer prosperidade, veio acompanhada de uma estrutura organizacional cada vez mais complexa, um endividamento elevado e uma pressão contínua sobre a lucratividade da companhia. A tarefa de integrar culturas corporativas tão diversas, reestruturar processos operacionais e gerar as sinergias almejadas em marcas que já enfrentavam suas próprias dificuldades provou ser muito mais complexa do que o previsto.
A conjuntura econômica global, agravada pela pandemia de Covid-19, adicionou outra camada de complicação. Marcos Pelozato observa que a pandemia impactou severamente o setor de cosméticos e perfumes, acelerando mudanças no comportamento de consumo e impulsionando a digitalização do mercado, enquanto a Natura lidava simultaneamente com a queda de suas receitas e um endividamento crescente. Diante desse cenário adverso e da dificuldade em integrar e rentabilizar as operações globais, a direção da empresa decidiu iniciar um rigoroso processo de simplificação de sua estrutura. A meta era vender ativos internacionais e concentrar os recursos e esforços na América Latina.
O processo de desinvestimento começou em 2023, com a venda da Aesop, uma de suas marcas mais bem-sucedidas no período, para a L’Oréal por impressionantes US$ 2,5 bilhões. No mesmo ano, foi a vez da The Body Shop, que custou caro e foi vendida por um valor muito inferior ao de aquisição, aproximadamente US$ 254 milhões. Posteriormente, a The Body Shop ainda enfrentou um processo de recuperação judicial no Reino Unido, o que confirmou a análise dos especialistas. Conforme ressaltou Caroline Sanchez, a Natura administrava “um conglomerado global heterogêneo, com marcas em diferentes estágios de maturidade, culturas distintas e atuação em várias geografias”. Tal diversidade gerou custos operacionais elevados, consumiu caixa de forma expressiva e manteve o endividamento em patamares insustentáveis, sem o retorno financeiro proporcional esperado pelos acionistas.

Imagem: g1.globo.com
Analistas do mercado identificaram o preço elevado pago pelas aquisições como um dos principais erros na estratégia de expansão da Natura. Em um ciclo de alta valorização do mercado, a empresa teria pagado valores superiores ao considerado justo na época, o que complicou a rentabilidade e a gestão posterior. Guilherme Áthia, consultor em governança e assuntos públicos, destacou o contraste: enquanto a Aesop foi um sucesso e revendida com lucro substancial, a The Body Shop, de alto custo, se desvalorizou rapidamente e encontrou-se em situação delicada.
Restava a questão da Avon fora da América Latina, uma operação que, ao longo do tempo, havia perdido força de mercado e se tornara deficitária. Segundo Áthia, a marca não conseguiu acompanhar as transformações no consumo e tornou-se onerosamente cara de manter em determinadas regiões. Relatórios de analistas alertavam repetidamente que, sem a venda ou encerramento dessa operação internacional, a redução do endividamento da holding seria inatingível. A quinta-feira do último anúncio marcou esse desfecho aguardado: a Natura confirmou a venda da Avon International para a Regent. A resposta do mercado foi imediata e efusiva, com as ações da empresa disparando mais de 15%, refletindo o grande alívio dos investidores frente ao encerramento do outrora ambicioso projeto de tornar-se uma “L’Oréal tropical”.
Além de se livrar dos prejuízos operacionais vinculados a essas atividades, a Natura ainda poderá receber pagamentos adicionais condicionados ao desempenho futuro da empresa (conhecidos como earn-outs), que podem totalizar até 60 milhões de euros (aproximadamente R$ 430 milhões na cotação atual), conforme comunicado oficial da companhia. A finalização dessa transação está sujeita às aprovações regulatórias pertinentes, com previsão para o primeiro trimestre de 2026. É crucial notar que esta transação não impacta as operações da Avon na América Latina e na Rússia, áreas que permanecem sob o guarda-chuva da Natura, evidenciando o novo foco geográfico da empresa.
Para os especialistas do mercado, a venda da Avon International representa a consolidação de uma fundamental mudança estratégica: a Natura está optando por uma estrutura mais enxuta e ágil, com concentração geográfica na América Latina. Nesta região, suas marcas demonstram maior penetração, sinergia com o modelo de negócios de venda direta e uma vantagem competitiva consolidada. A transação por um valor simbólico para a venda da Avon International, conforme análise de Marcos Pelozato, deixa claro que o objetivo principal não era o imediatismo na arrecadação de fundos, mas sim a eliminação de um ativo deficitário, a mitigação de riscos e o destravamento de valor para os acionistas que vinham sendo prejudicados pelos custos da expansão global.
Entre a aquisição da Avon, em 2019, e o anúncio de sua venda no Reino Unido em 2024, transcorreram apenas seis anos – um período relativamente curto que sublinha a rapidez e a complexidade das reviravoltas na estratégia global de uma companhia desse porte. Os analistas agora apontam que o desafio iminente da Natura será consolidar este novo posicionamento de mercado. A empresa deverá concentrar-se em aprimorar a rentabilidade de suas operações na América Latina, buscando reconquistar a confiança plena dos investidores. Os primeiros sinais de valorização das ações já indicam uma percepção positiva. A Natura, embora ainda gerenciando os reflexos das decisões passadas, tem demonstrado um bom trabalho de reestruturação. A expectativa, conforme aponta um analista da Ativa, é que o futuro “tenda a ser positivo e estável”, impulsionado pelo bom desempenho contínuo das marcas Natura e Avon Latam.
O mercado vê na venda da Avon International um marco crucial. A Natura encerra um ciclo de forte queima de caixa e adentra uma fase de maior clareza e previsibilidade em sua trajetória para os investidores. Este movimento reconfigura não apenas a empresa, mas também a dinâmica competitiva no mercado global de beleza.
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Com esta nova abordagem focada e estratégica, a Natura almeja fortalecer sua liderança na América Latina e consolidar um futuro de crescimento sustentável. Continue acompanhando as notícias de economia e análises do mercado de beleza em https://horadecomecar.com.br/economia/perspectivas-setor-cosmeticos para se manter informado sobre as tendências e desenvolvimentos neste segmento em constante transformação.
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