O presidente da Rússia, Vladimir Putin, declarou na última quarta-feira (3 de setembro) que a imposição de tarifas pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre as exportações brasileiras estaria mais relacionada a questões de política doméstica brasileira do que a um desequilíbrio na balança comercial ou a uma reação direta à guerra na Ucrânia. A avaliação de Putin foi feita durante uma coletiva de imprensa na China, onde respondia a jornalistas sobre a possibilidade de novas sanções europeias a parceiros comerciais russos.
Ao ser questionado sobre o impacto e a natureza de tais sanções, o líder russo minimizou a importância da guerra na Ucrânia como principal motivador das medidas tarifárias. Para Putin, o conflito serviria como um “pretexto” para abordar descontentamentos de natureza econômica ou política dos Estados Unidos com diferentes países. Segundo sua análise, as sobretaxas impostas por Washington não seriam uma resposta meramente comercial ou geopolítica, mas sim uma estratégia para lidar com cenários internos de nações que, por algum motivo, não agradam ao governo americano.
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Análise Russa das Medidas Tarifárias Americanas
Vladimir Putin diferenciou explicitamente o caso do Brasil de outros países que também foram alvo das políticas tarifárias de Donald Trump. Ele utilizou a Índia como exemplo para ilustrar sua tese. De acordo com Putin, embora exista um notório desequilíbrio na balança comercial entre os EUA e a Índia, o mesmo não ocorre nas relações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil. Essa distinção foi crucial em sua argumentação.
“Por exemplo, sim, há um desequilíbrio na balança comercial entre os EUA e a Índia. Mas não há um desequilíbrio nas relações comerciais entre Brasil e EUA”, afirmou o presidente russo. Além disso, Putin destacou uma aparente discrepância temporal, notando que as tarifas adicionais foram impostas ao Brasil em 6 de agosto, com previsão de início para 8 de agosto, um período no qual a conexão direta com o conflito na Ucrânia seria menos clara, mesmo com menções. “O que a Ucrânia tem a ver com isso? Embora houvesse referências à Ucrânia, o que uma coisa tem a ver com a outra? Nada.”
A Suposta Ligação com a Política Doméstica Brasileira
Segundo a visão do chefe de Estado russo, a imposição das tarifas às importações brasileiras por parte dos Estados Unidos estaria intrinsecamente ligada a problemas e alinhamentos de política doméstica brasileira. Putin fez referência direta a questões envolvendo as relações entre as autoridades americanas e o ex-presidente Jair Bolsonaro como um dos pilares dessa decisão.
No início de julho do mesmo ano, Donald Trump havia de fato anunciado a aplicação de uma tarifa de 50% sobre produtos importados dos EUA oriundos do Brasil. Concomitantemente a esse anúncio, Trump solicitou o encerramento do julgamento de Jair Bolsonaro, que está sendo conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro é réu em um processo por seu suposto envolvimento em um plano de tentativa de golpe para impedir a posse do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022.
A comunicação da medida americana ao governo brasileiro foi realizada através de uma carta enviada por Trump ao presidente Lula. Na mensagem, o republicano expressou a opinião de que o “julgamento não deveria estar ocorrendo”, descrevendo-o como uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente brasileiro.
Justificativas Americanas para as Tarifas
Além da pressão sobre o julgamento de Bolsonaro, a carta de Donald Trump também listava outras justificativas para a elevada tarifa. Entre elas, mencionava uma relação comercial “injusta”, atribuída ao protecionismo brasileiro, e decisões do STF que determinaram o bloqueio de usuários em plataformas de mídias sociais. Essas ações do judiciário brasileiro visavam indivíduos investigados ou acusados por crimes como ameaças e apologia a golpe de Estado. De acordo com o líder americano, tais decisões configurariam “ordens de censura secretas e ilegais”.
Reação do Governo Brasileiro
O governo brasileiro, por sua vez, refutou veementemente a argumentação de que as barreiras comerciais adotadas pelo Brasil estariam desequilibrando o comércio bilateral em favor do país sul-americano. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços divulgou dados que indicam que a balança comercial tem sido favorável aos Estados Unidos, com um saldo positivo acumulado de US$ 43 bilhões para o lado americano nos últimos dez anos. Esses números contrastam diretamente com a justificativa de Trump sobre uma relação comercial “injusta”.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também reagiu publicamente às tarifas impostas pelos EUA, classificando-as como uma tentativa de interferência no Judiciário brasileiro. “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”, declarou o presidente Lula, reforçando a postura de defesa da autonomia nacional frente às pressões externas.

Imagem: g1.globo.com
O Cenário Global das Tarifas de Trump
Praticamente todos os parceiros comerciais dos Estados Unidos foram impactados pelo “tarifaço” imposto por Donald Trump. Contudo, o Brasil e a Índia se destacaram como os únicos países a enfrentar uma sobretaxa de 50%. A diferenciação entre as justificativas para cada um desses países sublinha a tese de Putin.
No caso da Índia, os EUA justificaram a imposição de uma taxa tão elevada com base na compra de petróleo russo pelo país asiático. O governo americano chegou a ameaçar com a “possível imposição de tarifas semelhantes a outros países que importam, direta ou indiretamente, petróleo da Federação Russa”. O Brasil se encaixa nesse perfil: nos últimos quatro anos, cerca de 60% de todo o diesel importado pelo mercado brasileiro teve origem na Rússia, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
É importante ressaltar, contudo, que a ameaça de Trump em relação à compra de combustível de Moscou surgiu *após* a entrada em vigor da tarifa de 50% contra o Brasil. Além disso, o então presidente americano nunca estabeleceu uma relação direta entre a sobretaxação às importações brasileiras e os laços do Brasil com a Rússia, pelo menos não publicamente na época das decisões iniciais.
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Putin na China: Contexto da Visita e Declarações
Vladimir Putin estava na China durante a semana em que fez essas declarações, participando de um desfile militar em Pequim. O evento marcava o 80º aniversário da vitória chinesa contra o Japão na Segunda Guerra Mundial, sendo uma ocasião de grande visibilidade diplomática. Outros líderes internacionais também compareceram, como o norte-coreano Kim Jong Un. A delegação brasileira foi representada pelo assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim. A ex-presidente Dilma Rousseff também estava presente, na qualidade de presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), popularmente conhecido como Banco do Brics.
Durante sua estada na China, Putin também participou da reunião de cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês) e manteve conversas bilaterais com o presidente Xi Jinping. Havia uma grande expectativa na comunidade internacional de que os encontros entre Moscou e Pequim pudessem servir para discutir posições conjuntas ou alinhamentos estratégicos sobre a guerra na Ucrânia. Essa expectativa explica, em parte, os questionamentos da imprensa a Putin a respeito de negociações e possíveis sanções contra parceiros comerciais da Rússia, que levaram o líder russo a fazer suas considerações sobre as tarifas de Trump ao Brasil.
Essas observações de Putin, portanto, inserem as tarifas americanas sobre produtos brasileiros em um contexto geopolítico mais amplo, sugerindo motivações além das formalmente declaradas por Washington, especialmente no que tange à interação com a dinâmica política interna de outras nações.
Fonte: G1
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