Uma recente investigação conduzida por pesquisadores da Universidade de Rhode Island sugere uma possível conexão entre a acumulação de microplásticos no tecido cerebral e alterações na funcionalidade deste órgão. Os resultados, que focaram em ratos geneticamente predispostos ao Alzheimer, indicam que grandes volumes dessas minúsculas partículas podem desencadear manifestações clínicas que remetem à doença neurodegenerativa.
A presença de microplásticos em organismos vivos, inclusive no cérebro humano, já é um fato consolidado pela ciência. Um estudo anterior, realizado mais cedo neste mesmo ano, revelou que um cérebro humano típico pode abrigar aproximadamente sete gramas de fragmentos plásticos, um volume comparável ao peso de uma colher de plástico. No entanto, o impacto exato dessas partículas microscópicas na cognição humana ou na progressão de condições como o Alzheimer ainda permanecia um enigma para a comunidade científica.
👉 Leia também: Guia completo de Noticia
**Desvendando os Impactos Cerebrais dos Microplásticos**
Jaime Ross, professora de neurociência na Universidade de Rhode Island e uma das autoras da pesquisa, expressou sua surpresa com as descobertas. “Ainda estou realmente surpresa com isso”, disse ela, adicionando: “Simplesmente não consigo acreditar que você é exposto a essas partículas e algo assim pode acontecer.” Essa reação sublinha a relevância e a potencial gravidade dos achados.
O estudo em questão foi publicado no último mês na prestigiada revista *Environmental Research Communications*. Ele utilizou ratos que foram geneticamente modificados para possuir o gene APOE4, reconhecido como um dos mais fortes fatores de risco genéticos para o desenvolvimento do Alzheimer.
**O Papel do Gene APOE4 no Risco de Alzheimer**
Aproximadamente 25% da população humana é portadora do gene APOE4. Indivíduos com esta variante genética apresentam uma probabilidade 3,5 vezes maior de desenvolver a doença de Alzheimer quando comparados àqueles que possuem a versão mais comum, conhecida como APOE3. Os cientistas levantam a hipótese de que o APOE4 pode interagir com outros elementos, sejam eles ambientais ou genéticos, contribuindo para o surgimento da enfermidade.
Jaime Ross esclarece que a presença do APOE4 não garante o desenvolvimento do Alzheimer, buscando evitar alarmismo desnecessário.
“Se você carrega o APOE4, isso não significa que vai desenvolver a doença de Alzheimer,” explica Ross. “Não quero assustar ninguém. Mas é o maior fator de risco conhecido.”
Historicamente, ratos modificados com este gene não desenvolviam necessariamente problemas cognitivos, a menos que fossem expostos a um fator de risco agravante adicional. Estudos passados, por exemplo, demonstraram que ratos com uma versão humanizada do gene APOE4, quando submetidos a uma dieta rica em gordura, exibiam déficits de cognição e memória.
**Metodologia do Estudo: Microplásticos e Ratos Modelo**
Na metodologia da nova investigação, Ross e sua equipe submeteram os ratos a uma exposição relativamente curta de apenas três semanas a microplásticos de poliestireno – o mesmo tipo de plástico encontrado no isopor. Estas partículas, que tinham entre 0,1 micrômetros e 2 micrômetros de diâmetro (uma dimensão minúscula, equivalente a uma fração da largura de um fio de cabelo humano), foram misturadas à água potável dos animais. É importante notar que os pesquisadores optaram por uma dosagem elevada de microplásticos, considerando a brevidade do período de exposição nos ratos, em contraste com a exposição prolongada ao longo de muitos anos que ocorre em humanos.
**Achados Inesperados: Diferenças de Gênero nos Sintomas**
Os resultados observados surpreenderam a equipe científica. Uma das etapas do experimento envolveu a colocação dos ratos em um ambiente quadrado cercado, com seus movimentos sendo cuidadosamente rastreados por câmeras. O comportamento esperado de ratos saudáveis é o de permanecerem próximos aos cantos do cercado, buscando segurança e evitando espaços abertos.
No entanto, os ratos machos que haviam sido expostos aos microplásticos e possuíam o alelo APOE4 demonstraram um padrão comportamental distinto: passaram significativamente mais tempo no centro do cercado, um indicativo de sintomas semelhantes à apatia observada em pacientes humanos com Alzheimer.
Já as fêmeas portadoras do gene e expostas aos microplásticos manifestaram sinais de dificuldades de memória. Isso foi avaliado em um teste onde elas foram confrontadas com um objeto novo em comparação com um familiar, exibindo uma distinção notavelmente maior em relação às fêmeas com o gene que não foram expostas ao plástico.
Jaime Ross apontou que essas distinções de sexo nos resultados do estudo em ratos se alinham aos padrões observados nos sintomas de Alzheimer em humanos. Homens com a doença tendem a manifestar mais apatia, enquanto mulheres costumam apresentar maiores comprometimentos da memória. “Houve diferenças de sexo muito semelhantes em ratos ao que as pessoas experimentam”, esclarece a pesquisadora.
Yadong Huang, professor de neurologia da Universidade da Califórnia em São Francisco e especialista no desenvolvimento da doença de Alzheimer, que não teve envolvimento direto com este estudo, destacou a importância dos aspectos relacionados à memória no experimento. Ele ressalta que pacientes com Alzheimer são frequentemente classificados em dois grupos principais: aqueles que predominam problemas de funcionamento executivo (como planejamento e organização) e aqueles que sofrem primariamente de perda de memória. Mulheres portadoras do alelo APOE4 são mais propensas a apresentar a variante da doença caracterizada por perda de memória.
Huang enfatizou a relevância do estudo ao declarar:
“A novidade aqui é que fatores ambientais podem desencadear um efeito semelhante. Não devemos ignorar isso.”
A observação da influência ambiental nesses processos ressalta a necessidade de expandir o escopo da pesquisa em neurodegeneração para além dos fatores genéticos puros.
**Limitações e Caminhos para Pesquisas Futuras**
Apesar dos achados instigantes, os pesquisadores admitem que o estudo possui suas limitações. Não é possível determinar com absoluta certeza o papel exato que os micro e nanoplásticos – partículas ainda menores que microplásticos, medindo menos de 1 micrômetro – desempenham no desenvolvimento do Alzheimer humano. Além disso, cérebros de ratos, embora modelos úteis, não replicam perfeitamente a complexidade do cérebro humano, e o estudo atual não incorporou os efeitos do envelhecimento na progressão da doença, um fator crucial no Alzheimer.
Cientistas de diversas áreas, entretanto, estão intensificando suas investigações sobre como o plástico impacta o cérebro. Matthew Campen, professor de toxicologia da Universidade do Novo México e um dos pioneiros na descoberta de plásticos em tecido cerebral humano, salienta que esta nova pesquisa levanta questões pertinentes sobre como esses diminutos fragmentos plásticos conseguem acessar o cérebro.
Campen recorda que o APOE4 tem influência sobre como um conjunto de proteínas gerencia o transporte de gorduras e outros elementos pelo corpo. Simultaneamente, a água e os alimentos que consumimos já estão abundantemente contaminados por microplásticos. “E se o APOE4 estiver apenas transportando mais plástico da boca para o cérebro?”, questiona, indicando uma área pouco explorada: “Ninguém realmente investigou isso.”
Enquanto a ciência avança para compreender os complexos efeitos dos microplásticos na saúde, os esforços globais para frear a produção de plásticos têm enfrentado desafios. Uma reunião global ocorrida em agosto, cujo objetivo era desenvolver um tratado internacional sobre plásticos, encerrou sem um acordo concreto, em parte devido à resistência de nações como os Estados Unidos.
📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona
Jaime Ross afirma que seu laboratório está trabalhando rapidamente para desvendar como os microplásticos podem estar influenciando ou contribuindo para o desenvolvimento de Alzheimer e outras formas de demência. O campo de pesquisa sobre os efeitos de microplásticos na saúde é consideravelmente novo – afinal, foi apenas alguns anos atrás que cientistas detectaram pela primeira vez plásticos no sangue humano. “O campo é tão novo”, comenta Ross. “Qualquer informação ajudará outras pessoas a projetar seus estudos.” Essa premissa reforça a natureza contínua e colaborativa da pesquisa científica na busca por respostas sobre os riscos invisíveis que cercam nossa saúde.
Com informações de Folha de S.Paulo

Imagem: microplásticos via www1.folha.uol.com.br
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados