O governo do presidente argentino Javier Milei, através de seus representantes, tem direcionado ataques a profissionais da imprensa após a veiculação de gravações de áudio que sugerem um suposto esquema de propinas em operações de compra de medicamentos. As denúncias, que provocaram uma intensa comoção pública no cenário político local, apontam para o possível envolvimento de Karina Milei, irmã e secretária-geral da Presidência, e Eduardo Lule Menem, assessor pessoal da secretária.
Este escândalo de repercussão nacional irrompeu há aproximadamente duas semanas, quando áudios atribuídos a Diego Spagnuolo, que então exercia a função de diretor da Agência Nacional para Pessoas com Deficiência (Andis), vieram a público. Essas gravações parecem detalhar uma intrincada rede de corrupção que, de acordo com as acusações, beneficiaria diretamente a cúpula do Poder Executivo.
👉 Leia também: Guia completo de Noticia
Reações e Contra-ataques do Governo Federal Argentino
Em vez de apresentar esclarecimentos ou uma linha de defesa sobre o conteúdo das acusações que circulam e dominam o debate nacional, o governo de Javier Milei adotou uma postura de ataque direto. As ações mais recentes do Executivo federal argentino incluem a busca por medidas judiciais visando coibir a divulgação de novas gravações. Essa estratégia intensifica a tensão entre o Palácio Presidencial e os meios de comunicação do país. As consequências dessa escalada política são observadas atentamente por observadores dentro e fora de Buenos Aires, impactando o mundo político na Argentina.
No início da semana, especificamente na segunda-feira, dia 1º, um juiz federal acatou um dos pleitos governamentais. A decisão judicial proíbe a mídia de publicar áudios que tenham sido gravados dentro das instalações da sede do Poder Executivo. É fundamental ressaltar que esta medida não abrange eventuais futuras gravações que possam surgir tendo como protagonista o ex-diretor da Andis, Diego Spagnuolo, limitando seu escopo apenas ao ambiente interno da Casa Rosada.
Simultaneamente à solicitação de restrição à publicação de novos áudios, o governo argentino ingressou com uma queixa-crime. Nesta peça judicial, o Executivo articula a alegação de que existe um “complô” deliberadamente arquitetado para prejudicar o partido A Liberdade Avança, liderado pelo presidente Javier Milei. O argumento é que esta suposta conspiração teria como objetivo central minar o desempenho da agremiação política nas eleições que se aproximam: as provinciais de Buenos Aires, marcadas para o domingo seguinte (7 de outubro), e as legislativas nacionais, que ocorrerão em 26 de outubro. A interligação entre os vazamentos e o calendário eleitoral tem sido um ponto crucial na retórica governamental, sugerindo motivações políticas por trás das denúncias de corrupção.
O Papel do Ministério da Segurança e as Acusações de Patricia Bullrich
Os requerimentos judiciais apresentados em nome do governo foram orquestrados pelo Ministério da Segurança Pública, pasta atualmente chefiada por Patricia Bullrich. Uma figura política proeminente no cenário argentino, Patricia Bullrich possui uma vasta trajetória em governos anteriores, tendo participado das administrações de Fernando de la Rúa e Mauricio Macri. Em 2023, ela chegou a disputar a presidência e, nas eleições nacionais de outubro vindouro, buscará uma vaga no Senado, consolidando sua influência na política nacional. Sua presença ativa nesta controvérsia adiciona uma camada de complexidade e historicidade ao conflito.
Para fundamentar as complexas alegações apresentadas, a ministra Patricia Bullrich recorreu a declarações em rede nacional de televisão na noite de segunda-feira. Durante sua participação em um programa televisivo, e sem fornecer quaisquer provas concretas para as suas afirmações, a ministra levantou a hipótese de que o escândalo dos áudios é, na verdade, uma elaborada “operação de inteligência”. Ela indicou a Rússia e a Venezuela como possíveis instigadores desta ação, acrescentando ainda a participação de membros da Associação do Futebol Argentino (AFA) na trama conspiratória, numa justificativa que elevou a natureza da discussão para o plano das relações internacionais e do esporte.
“Há algum tempo denunciamos a interferência de pessoas ligadas aos antigos serviços de inteligência russos e já vimos que isso poderia acontecer na campanha. Sabíamos que a Venezuela poderia ter uma influência, porque hoje eles estão se defendendo com ataques, como o avião que entrou na Argentina, ou sequestrando o agente de segurança Nahuel Gallo quando ele foi visitar sua família”, declarou a ministra durante uma entrevista concedida a um programa de rádio. As falas da ministra buscam traçar um histórico de supostas intervenções externas, utilizando eventos passados como contexto para as alegações atuais.
O documento formal que respalda os pedidos do governo avança em solicitações concretas e específicas. Entre elas, destaca-se a requisição para que as autoridades competentes efetuem buscas e apreensões nas residências de renomados jornalistas: Jorge Rial, figura conhecida do canal C5N e que também divulgou gravações relacionadas a Spagnuolo, e Mauro Federico, atuante na plataforma de streaming Carnaval. Adicionalmente, o pedido inclui a inspeção da casa de Pablo Toviggino, tesoureiro da AFA, que é descrito como braço direito de Claudio “Chiqui” Tapia, presidente da entidade esportiva, e também como o principal acionista da plataforma Carnaval, ligando diretamente o futebol e a mídia na suposta trama.
Posteriormente, a ministra Patricia Bullrich voltou a abordar o caso, desta vez no canal A24, onde categoricamente negou ter solicitado qualquer investigação contra os jornalistas envolvidos. No entanto, em um momento crucial da entrevista, os próprios repórteres do programa leram para a ministra trechos do documento oficial que solicitavam explicitamente as batidas nas casas dos profissionais da imprensa. Confrontada com a prova documental, Bullrich reformulou sua posição em declarações subsequentes, o que gerou ainda mais debates sobre a coerência de sua comunicação.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Em outra entrevista concedida, desta vez ao canal La Nación+, a ministra argumentou que a situação em questão representa uma “questão de Estado”. Ela prosseguiu ao afirmar que os alvos da solicitação de buscas “não são jornalistas”, mas sim “operadores” envolvidos em manipulações políticas. “Os jornalistas são estes que estão aqui [na emissora], os que verificam as informações com três fontes, não esses”, disse a funcionária do governo de Javier Milei. Sua retórica sustentava que a divulgação dos áudios constituiria uma clara tentativa de desestabilizar a atual administração, qualificando as ações da mídia como táticas políticas e não como trabalho jornalístico legítimo.
Desenrolar do Escândalo: Novas Gravações e Posicionamentos
A reação inicial do governo ao eclodir da crise foi a destituição imediata de Diego Spagnuolo do comando da Andis. Como parte do processo, Spagnuolo foi obrigado a entregar seu aparelho celular e outros documentos relevantes às autoridades competentes, numa tentativa de acelerar as investigações. Paralelamente, os sócios da Drogaria Suizo Argentina, empresa que estaria implicada no controverso esquema de propinas para a compra de medicamentos, também tiveram que cooperar com as investigações e apresentar suas documentações.
Dias após a divulgação dos primeiros áudios envolvendo Spagnuolo, o mesmo canal de streaming responsável pela revelação inicial publicou novas gravações. Desta vez, os áudios seriam da própria Karina Milei, e teriam sido captados durante uma reunião de governo realizada na Casa Rosada, ampliando o escopo da crise para o centro do poder. Embora os jornalistas responsáveis pela divulgação tenham afirmado que se tratava de um breve excerto de um arquivo com duração de quase uma hora, e mesmo que a voz atribuída a Karina não abordasse diretamente as denúncias de corrupção na Andis, a mera divulgação dessas gravações acendeu um “estado de alerta” máximo no governo.
Em 2 de outubro, o procurador federal Carlos Stornelli se manifestou sobre o segundo pedido do governo. Ele solicitou que a Justiça dê prosseguimento à investigação da suposta espionagem ilegal. No entanto, Stornelli fez uma importante ressalva, esclarecendo que as diligências investigativas não poderão violar a privacidade dos jornalistas ou de suas residências. Além disso, o procurador fez questão de enfatizar a necessidade imperativa de que a investigação respeite e preserve a proteção das fontes dos jornalistas, em estrita conformidade com os direitos assegurados pela Constituição argentina. Sua intervenção buscou um equilíbrio entre a necessidade de apuração e a garantia das liberdades de imprensa.
No mesmo dia 2 de outubro, mais gravações foram a público. O canal de streaming uruguaio Dopamina divulgou um segundo áudio onde uma voz, que seria de Karina Milei, fazia menção ao presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem. De acordo com as informações divulgadas, esta gravação teria sido feita na própria Casa Rosada. No trecho, a voz supostamente de Karina declara: “Martín é quem tem a informação. Você tem que estar abaixo de Martín. Eu respeito Martín como o chefe”, sem especificar o assunto ou o contexto em que essas declarações foram feitas, mas sinalizando uma clara hierarquia de informações e respeitos internos no governo.
As reações a esses desenvolvimentos continuaram intensas. O presidente Javier Milei utilizou sua conta na plataforma X (antigo Twitter) para comentar as últimas novidades, reafirmando a postura de seu governo. Em uma publicação que ecoou as falas anteriores, Milei escreveu: “A cada novo passo fica clara a rede de espionagem ilegal da qual um grupo de jornalistas foi parte. Esses espiões se disfarçam de ‘jornalistas’ e querem desviar a atenção dos temas importantes. Não estão acima da lei.” A declaração foi feita ao comentar uma postagem de Martín Menem, onde o parlamentar expressava que o caso constituía uma tentativa direta de desestabilizar o governo. As palavras de Milei sublinham a crença governamental em uma operação de desestabilização e reafirmam a visão de que os profissionais da imprensa envolvidos teriam cruzado a linha do jornalismo para atuar como agentes de espionagem política.
📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona
O cenário político argentino, portanto, segue em turbulência, marcado pela contínua escalada entre o Executivo e os meios de comunicação. O governo de Javier Milei mantém sua posição de acusar parte da imprensa de operar em um esquema de espionagem ilegal e tentativa de desestabilização. A defesa dos jornalistas, por outro lado, se apoia na Constituição e na proteção das fontes, enquanto a Justiça tenta navegar entre as diferentes pressões e garantir o devido processo legal, em um caso que mistura corrupção, política e a liberdade de imprensa.
Com informações de Folha de S.Paulo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados