O caso do motoboy Evandro Alves da Silva, baleado enquanto estava nu em um banheiro durante a Operação Escudo, destaca-se como o único sem uma definição conclusiva do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). O incidente, ocorrido em 30 de agosto de 2023, completou dois anos e, até o momento, o MP-SP não apresentou denúncia formal à Justiça nem solicitou o arquivamento do processo, mantendo a investigação em aberto.
Apesar da prolongada ausência de um desfecho judicial por parte do MP-SP, Evandro foi previamente indiciado pela Polícia Civil. As acusações incluem resistência à prisão e porte ilegal de arma, em relação aos eventos daquela data específica no Morro José Menino, em Santos, litoral de São Paulo. A situação de Evandro se contrapõe à maioria dos casos relacionados à Operação Escudo, que já tiveram um encaminhamento por parte da promotoria.
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## Operação Escudo: Contexto e Controvérsias
A Operação Escudo foi deflagrada em julho de 2023 na região da Baixada Santista. O início da ação foi motivado pela morte do policial militar Patrick Bastos Reis. Conhecida também como “operação vingança” por parte de defensores dos direitos humanos, a Operação Escudo culminou na morte de 28 indivíduos que foram classificados como suspeitos em supostos confrontos com as forças de segurança.
Diversos órgãos de direitos humanos denunciaram a Operação Escudo, apresentando relatos de moradores da Baixada Santista sobre alegadas execuções, práticas de tortura e abordagens policiais consideradas violentas. Em julho do ano anterior, Paulo Sérgio de Oliveira e Castro, procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, havia declarado o encerramento das investigações sobre as Operações Verão e Escudo. No contexto geral, foram oferecidas sete denúncias contra um total de treze policiais militares envolvidos em outras ocorrências das referidas operações.
### Detalhes da Investigação do Caso de Evandro
Em resposta a questionamentos, o Ministério Público de São Paulo informou que o caso de Evandro Alves da Silva está sob apuração por meio de três vias distintas: um inquérito da Polícia Civil, um Inquérito Policial Militar (IPM) e um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) conduzido pelo próprio Ministério Público. A promotoria especificou que o PIC se encontra em um estágio avançado de investigação, com os três policiais militares que estão sendo investigados já tendo sido interrogados em 22 de agosto de 2025 na Promotoria de Justiça, detalhando suas versões dos fatos.
## O Incidente do Morro José Menino
Era 30 de agosto de 2023 quando a Operação Escudo estava em pleno andamento na região. Naquele dia, Evandro Alves da Silva foi baleado enquanto se encontrava nu dentro de um banheiro. O local era um imóvel alugado que servia como ponto de apoio para mototaxistas no Morro José Menino, situado em Santos, no litoral paulista.
Conforme o relato dos policiais militares envolvidos no incidente, eles estariam em patrulhamento na área do morro quando avistaram diversos indivíduos que, ao notarem a viatura, correram em direção a uma viela. A equipe então desceu do veículo e se deslocou até o imóvel em questão, onde Evandro supostamente estaria armado. No entanto, as imagens gravadas pelas câmeras corporais dos próprios agentes de segurança pública apresentaram uma narrativa divergente em relação à versão oficial. Os vídeos registraram claramente que Evandro foi atingido por disparos enquanto estava no banheiro. As imagens também documentam seu pedido de ajuda em agonia, nu, após saltar de uma janela, caindo de uma altura estimada em 7 metros. Evandro foi alvejado por tiros de calibre 12 e, para escapar e buscar sobrevivência, precisou quebrar o vidro da janela e se lançar no vazio. Ele caiu de bruços nos fundos do imóvel.
### A Controversa Aparência da Arma
Um ponto central na controvérsia é a arma supostamente apreendida. A Polícia Militar divulgou que encontrou uma pistola semiautomática cromada, calibre 7,65 mm, no interior do imóvel. Essa descoberta levou ao indiciamento de Evandro por porte ilegal de arma.
Contudo, as filmagens das câmeras corporais trouxeram questionamentos relevantes. Em um registro feito às 10h58, a câmera de um dos PMs exibia apenas um casaco preto repousando sobre a cama presente no local. Apenas dois minutos depois, em outro registro, a mesma pistola surgia sobre a cama, de onde foi posteriormente recolhida por um dos agentes e transportada até a viatura. Essa inconsistência temporal levantou sérias dúvidas sobre a procedência da arma. Evandro e sua esposa e advogada, Anna Fernandes Marques, sustentam firmemente a versão de que a arma em questão foi “plantada” pelos próprios policiais no cenário do incidente.
Anna Fernandes Marques questiona a lógica da alegação policial, enfatizando a localização da arma:
> “A arma estava no lado completamente oposto de onde o Evandro estava [no banheiro]. A arma é prateada, daria para ver [em cima da cama]. E outra coisa, pelos tiros que eles deram, por mais que o Evandro não quisesse atirar na polícia, pelo tanto de tiro que deram, o Evandro não teria revidado se ele estivesse com uma arma na mão?”
## Os Antecedentes Imediatos ao Disparo
Evandro revelou ter sido abordado por policiais dois dias antes do incidente que culminou nos disparos. Na ocasião, policiais do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), usando capuzes, invadiram o imóvel onde ele e um colega trabalhavam na preparação de panfletos. Segundo seu relato, os agentes os encurralaram contra a parede e os questionaram sobre antecedentes criminais.
Evandro contou ter sentido um medo paralisante, acreditando que poderia ser executado no local. Seu colega admitiu ter um histórico de tráfico de drogas. Evandro, por sua vez, por temer por sua vida, optou por ocultar a totalidade de seu passado criminal, mencionando apenas uma passagem da juventude, aos 18 anos. Os policiais fotografaram seus documentos de identificação e deixaram o local. O motoboy acredita que, após consultarem seus antecedentes no sistema, a equipe do Baep retornou ao imóvel dois dias depois, resultando no episódio em que foi gravemente ferido pelos disparos.
### Equipe Policial Envolvida
A equipe do 5º Batalhão de Ações Especiais (Baep) responsável pela ação no dia dos disparos era composta por quatro policiais militares. Três deles entraram no imóvel, enquanto o quarto permaneceu na viatura. Os agentes identificados são:
* Sargento Thiago Freitas da Silva
* Soldado Daniel Pereira Noda
* Soldado Carlos Vinicius Batista Bruno
* Soldado Santos (nome completo não informado no inquérito)
Evandro, que estava sozinho no ponto de apoio para mototaxistas com a porta trancada, havia retirado suas roupas para usar o banheiro no momento em que os policiais apareceram. Segundo seu relato detalhado, ao sentar-se no vaso sanitário, percebeu que estavam forçando a porta. Ele achou que fossem os colegas motoboys, mas, ao abrir a cortina, deparou-se com um policial armado com uma espingarda calibre 12 apontada para a janela. Apesar de levantar as mãos em um gesto de rendição, o policial efetuou o disparo que o atingiu no peito.
Em meio ao pânico, ele conseguiu quebrar a pequena janela do banheiro e saltar. Mesmo gravemente ferido e sem roupas, Evandro suplicou por socorro nos fundos do imóvel, sob a mira de um dos PMs, clamando: “Pelo amor de Deus, chefe, me salva, eu não sou bandido, estão me confundindo.” As imagens registraram ainda um dos agentes colocando uma luva de plástico e revistando o corpo de Evandro à procura de uma arma, que não foi localizada. O socorro demorou cerca de 30 minutos para chegar, com equipes do Corpo de Bombeiros e do Samu. Evandro foi levado em estado grave para a Santa Casa de Santos, onde permaneceu internado por 45 dias, sendo 23 deles em coma induzido.
## O Impacto das Sequelas e a Luta por Respeito
As ações policiais de 2023 deixaram profundas e duradouras sequelas em Evandro, tanto físicas quanto emocionais. Fisicamente, ele sofreu fraturas em oito costelas, teve seu baço removido e parte de um pulmão danificado, com uma bala ainda alojada. As consequências físicas se manifestam em uma constante falta de ar e episódios recorrentes de crises, que ele e as pessoas ao seu redor identificam como crises de pânico, um estado nunca antes vivenciado por ele, que sempre manteve uma vida ativa, praticando esportes como skate e surf.
Essas crises são frequentemente desencadeadas quando Evandro, que atualmente tem 45 anos e continua a trabalhar como motoboy e mototaxista, cruza com viaturas policiais. A presença das forças de segurança se tornou um gatilho para o medo e o desconforto, a ponto de ele buscar rotas alternativas ou locais para se abrigar a fim de evitar qualquer contato próximo com as viaturas.
Casado com Anna Fernandes Marques há mais de vinte anos e pai de três filhos, Evandro teve uma história pessoal marcada por dificuldades no passado. Em 2001, ele se envolveu em um caso de sequestro-relâmpago que resultou em morte, sendo condenado a 25 anos de prisão. Cumpriu 20 anos em regime fechado e o restante em regime aberto. Sua esposa, Anna, uma advogada, reflete sobre a reabilitação de Evandro e a percepção de uma nova vida antes do incidente da Operação Escudo:
> “A ressocialização foi feita por mim e pela minha família, e não pelo Estado, que é quem deveria gerar essa ressocialização. Eu sempre mostrei para ele o outro caminho, que eu acredito ser o certo. E aí ele trabalhando, o Estado vem e quebra tudo o que eu venho construindo em quase 25 anos […] Hoje a vida dele é completamente diferente, ele é pai de família. O passado ficou no passado.”
## Posições Oficiais sobre o Caso Evandro
### A Secretaria da Segurança Pública (SSP)
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo informou que o inquérito policial referente aos fatos envolvendo Evandro foi concluído. A pasta aguarda agora o parecer e as determinações do Poder Judiciário para que as “medidas cabíveis em relação aos agentes” possam ser adotadas. A SSP enfatizou que todas as etapas da investigação foram realizadas com rigor, analisando detalhadamente o conjunto probatório, incluindo as imagens captadas pelas câmeras corporais dos policiais envolvidos.
### A Defesa do Motoboy
O Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo está ativamente acompanhando o caso de Evandro, inserido no contexto mais amplo das investigações sobre a atuação policial na Operação Escudo. Para a Defensoria, já existem elementos suficientes para o oferecimento de uma denúncia. Caso o Ministério Público adote uma posição divergente, o Núcleo indicou a necessidade de outras diligências investigatórias que poderiam corroborar a versão apresentada por Evandro. Após a decisão final do MP, a Defensoria Pública avaliará as próximas ações judiciais a serem tomadas em nome do motoboy.
### Esclarecimentos Adicionais do Ministério Público de São Paulo
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) reiterou que, em todos os casos relativos às Operações Verão e Escudo, as investigações foram conduzidas com base no exame exaustivo das imagens das câmeras corporais, na coleta de depoimentos de testemunhas e na tomada das versões dos agentes envolvidos, confrontando esses dados com os laudos periciais. O órgão salientou a importância de que a fundamentação das decisões dos promotores de Justiça esteja detalhada nos autos de cada processo.
O MPSP destacou que instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para cada morte decorrente de intervenção policial durante as Operações Escudo e Verão, realizando apurações independentes daquelas conduzidas pela Polícia Civil. Essas investigações próprias do MP-SP fundamentaram o oferecimento das sete denúncias contra os treze policiais militares previamente mencionados. Como parte do trabalho investigativo, foram realizadas buscas ativas por testemunhas, resultando na oitiva de 92 pessoas. Além disso, foram analisadas 330 filmagens, totalizando 166 horas de vídeo, e 167 interrogatórios foram conduzidos, acompanhados de inúmeras perícias realizadas pelo Centro de Apoio à Execução (CAEx). O MPSP também ressaltou que a atuação do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (GAESP) contribuiu para que não houvesse mortes durante a Operação Verão 2025 nas mesmas circunstâncias de anos anteriores, o que demonstra o compromisso do órgão com a seriedade na abordagem do tema.
A prolongada ausência de uma decisão final do MP-SP no caso de Evandro, passados dois anos do incidente e frente às denúncias de organismos de direitos humanos e as inconsistências registradas pelas próprias câmeras corporais, mantém viva a discussão sobre a conduta policial em operações de grande porte e a necessidade de clareza e responsabilização perante os fatos. O destino do motoboy, que lida com sequelas físicas e emocionais, aguarda o desfecho judicial para o caso que segue em investigação avançada.
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Assim, a família de Evandro e a sociedade em geral esperam que a justiça possa ser aplicada, consolidando a veracidade dos eventos e oferecendo uma resolução para a única situação ainda pendente dentro do grande volume de investigações da Operação Escudo e Operação Verão. A transparência na análise das provas, em especial das imagens das câmeras corporais, é apontada como crucial para determinar a responsabilidade e as próximas ações legais a serem tomadas pelas autoridades competentes.
Com informações de G1

Imagem: g1.globo.com
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