Os jogos de tabuleiro, que têm experimentado um notável renascimento na última década, não são apenas uma fonte de entretenimento. Novas pesquisas sugerem que eles desempenham um papel importante no benefício da saúde cerebral, particularmente para indivíduos em processo de envelhecimento. Este campo de estudo tem demonstrado uma correlação entre a prática de jogos e a potencial redução no risco de desenvolvimento de demência.
O mercado global de jogos de tabuleiro reflete essa tendência crescente, com um valor estimado de US$ 18,53 bilhões. Projeções indicam uma expansão contínua, com a expectativa de um aumento de US$ 5,17 bilhões no período entre 2025 e 2029. Embora clássicos atemporais como xadrez, Banco Imobiliário, Go e palavras cruzadas mantenham sua popularidade, uma nova geração de jogos, como Aventuras Ferroviárias (Ticket to Ride), Pandemic e Wingspan, conquistou um público fiel. Para aqueles que buscam parceiros de jogo, a proliferação de cafés e bares temáticos dedicados aos jogos de tabuleiro oferece um espaço social ideal para interações e partidas fora de casa.
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A apreciação por jogos de tabuleiro é uma constante histórica. O jogo egípcio Senet, que remonta a aproximadamente 3.100 a.C., demonstra a longevidade dessa forma de entretenimento. Desde então, a humanidade tem sido cativada pela experiência de socialização, pela emoção da competição saudável e pelo valor recreativo inerente a essas atividades lúdicas, que permanecem relevantes em diversas culturas e épocas.
A conexão entre o hábito de jogar jogos de tabuleiro e melhorias cognitivas é um ponto central das investigações atuais. O envolvimento em tais atividades tem sido associado a um aumento da capacidade de cognição, a uma percepção aprimorada da qualidade de vida e a uma diminuição substancial no risco de demência em pessoas da terceira idade. Especialistas no campo acreditam que um dos pilares desses efeitos benéficos reside no forte caráter social intrínseco aos jogos de tabuleiro. Observações preliminares e estudos sugerem que a interação presencial, face a face, pode conferir vantagens adicionais ao cérebro em comparação com experiências de jogo solitárias. Atividades de lazer que estimulam a mente, como os jogos de tabuleiro, são vistas como ferramentas eficazes para o fortalecimento da reserva cognitiva, que é a notável habilidade do cérebro em sustentar suas funções essenciais apesar do avanço da idade, da ocorrência de lesões ou do desenvolvimento de doenças degenerativas.
A Dra. Carla Sousa, renomada pesquisadora de jogos afiliada ao Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias da Universidade Lusófona, em Lisboa, Portugal, salienta a exigência cognitiva inerente aos jogos de tabuleiro. “Existe uma certa complexidade, mesmo nos jogos de tabuleiro simples, nesse processo de compreender o sistema do jogo, que exige algo da sua cognição”, explica Sousa. Ela ainda complementa que “Os jogos analógicos, em geral, também são muito mais sociais do que os jogos digitais”, sublinhando a dimensão interpessoal que os distingue no panorama do entretenimento.
Melhorias Cognitivas Associadas a Jogos de Tabuleiro
Pesquisas conduzidas nas últimas duas décadas estabeleceram associações importantes e estatisticamente significativas entre o hábito de jogar jogos de tabuleiro e o aprimoramento das funções cerebrais. Estes estudos vêm fornecendo uma base sólida para a compreensão dos mecanismos pelos quais tais atividades contribuem para a saúde mental ao longo da vida, especialmente na senescência.
Um estudo notável, que investigou dezessete diferentes atividades cognitivas e físicas, isolou um grupo seleto de quatro práticas associadas à diminuição do risco de demência em adultos com mais de 75 anos. A pesquisa revelou que apenas a leitura, a dança, o ato de tocar instrumentos musicais e, pertinentemente, a participação em jogos de tabuleiro, foram vinculadas a um risco reduzido de desenvolvimento da doença. Isso sublinha a singularidade dos jogos de tabuleiro dentro de um espectro amplo de atividades estimulantes.
Em uma investigação separada, que teve como foco indivíduos com 65 anos ou mais, os resultados indicaram que os participantes que regularmente se engajavam em jogos de tabuleiro demonstravam um risco 15% menor de desenvolver demência em comparação com aqueles que não tinham esse hábito. Este achado foi particularmente robusto, mantendo-se consistente mesmo após rigorosos ajustes para variáveis de controle cruciais, como idade, gênero e nível de escolaridade dos participantes, reforçando a validade da associação encontrada.
De forma mais recente, um ensaio clínico randomizado, conduzido no ano de 2025, adicionou evidências substanciais a essa linha de pesquisa. O estudo acompanhou um grupo de residentes de casas de repouso que participou de sessões de jogos de tabuleiro duas vezes por semana. Essas sessões foram meticulosamente facilitadas por profissionais especializados. Os resultados mostraram melhorias discerníveis na função cognitiva desses participantes, abrangendo áreas como a compreensão, a capacidade de memória e a manutenção da atenção. Em contraste, um grupo de controle, que não recebeu a intervenção com jogos, não apresentou quaisquer ganhos cognitivos comparáveis, destacando o impacto direto e positivo da prática regular dos jogos de tabuleiro.
Benefícios Abrangentes na Qualidade de Vida
Os benefícios dos jogos de tabuleiro não se limitam apenas ao domínio cognitivo; os residentes que participaram do estudo também reportaram melhorias significativas em sua qualidade de vida. Relatos indicaram um notável aumento no bem-estar emocional, no fortalecimento dos relacionamentos interpessoais, no impulsionamento do desenvolvimento pessoal e em uma maior inclusão social dentro de seus ambientes.
O neurologista clínico Dr. Federico Emanuele Pozzi, da Clínica da Memória da Fondazione IRCCS San Gerardo dei Tintori, na Itália, oferece uma perspectiva interessante sobre o valor dos jogos de tabuleiro. Ele aponta para uma distinção nos benefícios para diferentes faixas etárias. “O valor que vejo nos jogos de tabuleiro para os idosos é diferente do valor que eles têm para os jovens”, explica Pozzi. Segundo ele, para os mais jovens, esses jogos contribuem para o desenvolvimento cerebral através do reconhecimento de padrões e outras habilidades motoras e cognitivas. No entanto, para os idosos, “o valor está mais ligado ao engajamento social”, ressalta o neurologista, enfatizando o aspecto da interação humana como um pilar fundamental dos ganhos na maturidade.
Em 2023, o Dr. Pozzi liderou, em colaboração com sua equipe, uma abrangente meta-análise que sintetizou os resultados de quinze estudos científicos. Essa pesquisa focou nos benefícios cognitivos oferecidos por jogos tradicionais, como o xadrez, o Go e o mahjong. Os estudos analisados envolveram participantes com mais de sessenta anos de idade, abrangendo tanto aqueles que apresentavam risco de desenvolver demência quanto os que já possuíam a condição. As intervenções com jogos de tabuleiro, examinadas na meta-análise, foram realizadas por períodos que variaram de três a seis meses, permitindo uma observação detalhada dos seus impactos ao longo do tempo.
A meta-análise coordenada pelo Dr. Pozzi trouxe à luz evidências de que o hábito de jogar jogos de tabuleiro parece otimizar a função mental. Essa melhora foi quantificada através de testes padronizados que avaliam a memória, a capacidade de atenção, o poder de concentração e outras habilidades cognitivas essenciais. Adicionalmente, os resultados mostraram que os jogadores de xadrez reportaram uma qualidade de vida superior, conforme avaliado pela escala de bem-estar da Organização Mundial da Saúde, indicando um impacto positivo além das métricas puramente cognitivas. Os entusiastas de mahjong, por sua vez, apresentaram uma redução notável nos sintomas de depressão, revelando os efeitos benéficos dos jogos também no âmbito da saúde mental.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
O Dr. Pozzi reflete sobre o propósito maior por trás dessas investigações. “No fim, queremos encontrar espaços e atividades em que as pessoas idosas sintam que a vida é prazerosa e tem significado”, pondera o neurologista. Ele prossegue, “E se existe uma abordagem que é ao mesmo tempo estimulante, cognitivamente falando, e socialmente envolvente, como os jogos de tabuleiro, então é uma vitória dupla”. Essa declaração sintetiza a visão de que os jogos de tabuleiro representam uma estratégia multifacetada para promover o bem-estar integral dos idosos.
De uma perspectiva da psicologia, o professor Jorge Moya-Higueras, da Universidade de Lleida, na Espanha, destaca o componente social como crucial. “O mais incrível quando você joga jogos de tabuleiro é que está socializando”, afirma Moya-Higueras. Ele aponta que, no cenário contemporâneo, a solidão figura entre os principais desafios enfrentados pela população idosa. Nesse contexto, “os jogos de tabuleiro podem ser uma boa maneira de não se sentir sozinho”, complementa o professor, enfatizando o papel desses jogos como uma ferramenta valiosa para fomentar a conexão social e combater o isolamento.
Guia para Começar no Universo dos Jogos de Tabuleiro
Os jogos de tabuleiro percorreram um longo caminho desde a era de Banco Imobiliário e palavras-cruzadas, apresentando hoje uma vasta gama de opções que se adaptam a diferentes gostos e níveis de complexidade. A diversidade atual engloba desde títulos eminentemente estratégicos até aqueles com forte elemento de sorte, explorando uma miríade de temas que vão desde a observação de pássaros e cenários de zumbis até a complexidade das ferrovias.
Geralmente, há uma distinção entre os jogos classificados como “estilo americano” e os “eurogames”. Embora o termo “americano” possa remeter à origem geográfica, esses jogos tendem a se caracterizar por narrativas imersivas e dependência do acaso, muitas vezes mediado por lançamentos de dados e componentes temáticos. Em contraparto, os eurogames, ou jogos de tabuleiro de estilo europeu, dão ênfase primordial às decisões estratégicas dos jogadores, ao planejamento de longo prazo e a mecanismos de jogo que minimizam a influência da sorte, exigindo uma abordagem mais calculista e pensativa. Segundo o professor Moya-Higueras, “Se quero sentir meu cérebro queimando, jogo um eurogame”, evidenciando o desafio intelectual que esses jogos proporcionam. Para aqueles que desejam explorar este fascinante universo, seguem algumas recomendações para iniciar a jornada:
Comece pelo Simples: Para quem está retornando ao hobby após um período de inatividade, ou para os novatos, a sugestão é começar por jogos familiares da infância, ou então optar pelos chamados “filler games”. Estes são caracterizados por sua curta duração, simplicidade das regras e facilidade de aprendizado, servindo como uma excelente porta de entrada. A Dra. Carla Sousa recomenda títulos populares e acessíveis, como Carcassonne, Kingdomino e Catan, que são amplamente reconhecidos por sua capacidade de envolver novos jogadores sem grande barreira de entrada.
Privilegie o Presencial: Pesquisas no campo da neurociência indicam que o engajamento em jogos cara a cara com outros participantes proporciona um estímulo cerebral superior em comparação com as interações de jogo online ou virtual. O Dr. Pozzi reitera a fundamentalidade deste aspecto, afirmando que “O componente social é fundamental”. Uma excelente maneira de iniciar essa prática é propondo noites de jogos descontraídas e regulares com amigos e familiares, estabelecendo um ritual semanal ou mensal que fomenta tanto a diversão quanto a interação social valiosa.
Amplie seu Círculo de Jogos: Caso haja o desejo de expandir as experiências para além da rede social atual, recomenda-se buscar locais específicos, como clubes de jogos, lojas especializadas que oferecem espaço para jogar, ou cafés de jogos de tabuleiro. “Eu iria à loja local de jogos, às vezes você pode jogar lá mesmo, e os cafés de jogos são ótimos para conhecer pessoas”, sugere a Dra. Sousa. Sua pesquisa preliminar ainda revela que a comunidade de jogadores é notavelmente inclusiva e acolhedora, recebendo com entusiasmo pessoas de diversos perfis e origens, o que facilita a integração de novos membros.
O Dr. Pozzi, em um estudo recente que ele coordenou, reuniu grupos de idosos com o propósito de aprender e jogar diferentes jogos de tabuleiro. A iniciativa obteve um sucesso tão grande que os participantes, após o término oficial da pesquisa, demonstraram grande entusiasmo em dar continuidade aos encontros de forma independente. Esse entusiasmo gerou resultados surpreendentes de conexão.
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“Como estamos na Itália, posso dizer que esses grupos de estudo viraram grupos da pizza – eles criaram um grupo no WhatsApp e estavam sempre marcando de comer pizza juntos”, compartilha Pozzi. Ele enfatiza a relevância desse fenômeno: “Existe uma epidemia de solidão, especialmente entre idosos, e a principal lição é que os jogos de tabuleiro podem melhorar o bem-estar e fazer as pessoas se sentirem melhor”. O relato ilustra como o simples ato de jogar pode ir muito além do entretenimento, forjando laços sociais e contribuindo significativamente para o combate à solidão.
Com informações de Folha de S.Paulo
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