Artigos Relacionados

📚 Continue Lendo

Mais artigos do nosso blog

PUBLICIDADE

Ex-jornalista do Washington Post Aponta Ingenuidade na Negação de Autocensura na Imprensa Norte-Americana

Facebook Twitter Pinterest LinkedInApós mais de quatro décadas dedicadas ao Washington Post, uma das mais respeitadas instituições jornalísticas dos Estados Unidos, a jornalista Ruth Marcus se pronunciou sobre as tensões e transformações na mídia americana. Marcus, que deixou o veículo recentemente, criticou a visão de que a autocensura não opera em parcelas da imprensa estadunidense, … Ler mais

Após mais de quatro décadas dedicadas ao Washington Post, uma das mais respeitadas instituições jornalísticas dos Estados Unidos, a jornalista Ruth Marcus se pronunciou sobre as tensões e transformações na mídia americana. Marcus, que deixou o veículo recentemente, criticou a visão de que a autocensura não opera em parcelas da imprensa estadunidense, classificando essa perspectiva como ingênua diante dos cenários atuais. Suas observações vêm à tona meses após sua saída do jornal, onde testemunhou profundas alterações editoriais e a crescente influência de grandes magnatas da tecnologia sobre o cenário midiático.

Com uma trajetória iniciada no Post aos 26 anos e encerrada aos 66, Ruth Marcus carrega consigo o legado de uma era distinta no jornalismo. Sua partida do veículo, ocorrida no início de março deste ano, foi motivada pela rejeição a uma de suas colunas, a qual abordava criticamente a nova orientação imposta à seção de opinião do jornal. Essa diretriz recente determinava um foco exclusivo na defesa das “liberdades individuais e do livre mercado”, excluindo posicionamentos discordantes — uma mudança substancial que, segundo a jornalista, limitava a amplitude do debate público no periódico. Marcus já havia desempenhado um papel fundamental na equipe de liderança, atuando como editora adjunta da seção de opinião em períodos anteriores.

👉 Leia também: Guia completo de Noticia

A alteração na linha editorial do Washington Post foi implementada por Jeff Bezos, fundador da Amazon e proprietário do jornal desde 2013. Bezos justificou a decisão, que impactou diretamente a área pela qual Marcus era responsável, ao afirmar que uma parte significativa do êxito dos Estados Unidos deriva da liberdade econômica e de outras esferas. Ele vinculou a prosperidade do país a esses princípios, pavimentando o caminho para a reformulação da abordagem editorial.

A discussão sobre a nova direção do jornal ganha contexto no cenário político, especificamente com o retorno de Donald Trump à Casa Branca em janeiro. No momento da posse, figuras proeminentes do setor tecnológico, como o próprio Bezos, Elon Musk, da Tesla, e Mark Zuckerberg, da Meta, marcaram presença em destaque na cerimônia. Essa presença gerou questionamentos sobre a proximidade entre a elite tecnológica e o poder político.

As decisões editoriais do Washington Post já demonstravam uma flexão antes da posse presidencial. Em dezembro, quando a eleição de Trump já estava confirmada, Bezos afirmou ao New York Times que o republicano parecia mais tranquilo e confiante do que em seu primeiro mandato, demonstrando maior estabilidade. Antes disso, em outubro, nas vésperas das eleições, o empresário tomou uma atitude que rompeu com uma tradição jornalística do veículo iniciada na década de 1980: ele decidiu que o jornal não apoiaria publicamente nenhum candidato, resultando no cancelamento de um editorial que havia sido preparado para endossar a democrata Kamala Harris. Essa postura representou uma reviravolta significativa na política de endossos do Post.

A decisão de Ruth Marcus de deixar o Washington Post reflete sua preocupação com a integridade editorial. Em suas próprias palavras à Folha, ela declarou que sua demissão se tornou imperativa ao constatar que não poderia mais assegurar aos seus leitores a liberdade de expressar plenamente suas convicções. Ela detalhou o choque entre seus valores e a nova direção editorial. Participando do Festival Piauí de Jornalismo, agendado para os dias 6 e 7 de setembro em São Paulo, Ruth Marcus promete compartilhar mais de suas perspectivas sobre as mudanças no cenário da mídia. Questionada sobre a transição para um novo veículo após mais de quarenta anos no Post, a jornalista expressou uma mistura de tristeza por ter sido obrigada a deixar sua antiga casa profissional e de honra e desafio por seu novo papel na New Yorker, onde desenvolve trabalhos ligeiramente distintos dos anteriores. Marcus lamentou que a instituição que deixou não se alinha à que ela ingressou ou à qual dedicou seu crescimento profissional.

A avaliação de Marcus sobre a venda do Washington Post para Jeff Bezos também é perspicaz. Embora manifeste profundo respeito por Don Graham, o ex-publisher do jornal, a jornalista entende que a decisão de venda parecia a mais adequada para a época. Inicialmente, Bezos prometia independência, incentivando a equipe a “fazer seu trabalho” e “escrever sem medo”, inclusive sobre ele. No entanto, o cenário começou a se transformar com as perdas financeiras enfrentadas pelo jornal e o retorno de Trump à cena política. Foi nesse momento que, segundo ela, uma alteração notável na conduta do periódico se fez presente.

Em outubro, o Post, que mantinha uma tradição de apoiar candidatos presidenciais desde os anos 1970, barrou no último minuto a publicação de um endosso preparado para Kamala Harris, contrariando sua política histórica. Marcus considerou a atitude como uma quebra de conduta, ressaltando a relevância da campanha presidencial em andamento na ocasião. Em seus termos, não é “loucura” sugerir que eleitores não precisam do conselho de grandes jornais, mas a supressão do endosso na reta final de uma campanha crucial indicava uma guinada sem precedentes.

Um sinal ainda mais preocupante, segundo a jornalista, surgiu no final de fevereiro. Bezos anunciou que, a partir de então, a seção editorial e os colunistas do jornal se concentrariam exclusivamente no livre mercado e nas liberdades individuais, e, de forma ainda mais grave, que a divergência em relação a esses dois pilares não seria publicada nas páginas do veículo. Marcus salientou que sempre se acreditou, e ela pensava que Bezos também o fazia, que a exposição a uma ampla gama de pensamentos permitiria que as pessoas formassem suas próprias opiniões, sendo o papel do jornal auxiliar nesse processo. Diante da imposição de que sua coluna criticando essa decisão fosse barrada, a jornalista viu-se sem alternativa senão pedir demissão, percebendo que não possuía mais liberdade para expressar suas convicções aos leitores.

As declarações de Bezos, feitas em dezembro de 2024 ao New York Times, de que Trump estava mais “calmo e confiante” em seu segundo mandato, também foram objeto de crítica por Marcus. A jornalista mencionou a presença de Bezos no palanque de Trump durante a posse em janeiro, destacando sua localização próxima ao presidente eleito, entre outros bilionários da tecnologia, e, inclusive, mais perto do que alguns dos indicados para o gabinete. Para Marcus, tal conduta é “simplesmente inapropriada” para o proprietário de um dos principais jornais do país. Ela expressou sua incompreensão sobre o significado de “mais calmo” quando, em sua visão, o segundo mandato de Trump se mostra “muito mais perigoso e alarmante” do que o primeiro, que já apresentava tais características.

Ao abordar as implicações da presidência de Trump no Washington Post, Marcus fez questão de pontuar um aspecto específico. Embora reconheça um clima de nervosismo e preocupação entre os repórteres, ela afirma que eles estão determinados e têm feito um trabalho “fenomenal” na cobertura de Trump. Em sua percepção, não houve interferência direta de Bezos ou da administração na redação das notícias. Contudo, a jornalista mantém forte preocupação com o que descreve como a “guinada à direita” na seção de opinião do jornal, notando uma redução na diversidade de perspectivas ali apresentadas.

Ex-jornalista do Washington Post Aponta Ingenuidade na Negação de Autocensura na Imprensa Norte-Americana - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

No cenário mais amplo da imprensa americana, Ruth Marcus afirmou categoricamente que a autocensura existe em “alguns lugares”. Segundo ela, seria “ingênuo” não reconhecer um certo grau de autocensura nesse contexto. Apesar de valorizar a “imprensa muito vibrante, robusta e polêmica” que, em sua visão, tem desempenhado um excelente papel na cobertura de Trump, ela citou exemplos preocupantes. A jornalista mencionou os casos da CBS e da ABC, duas grandes emissoras, que aceitaram acordos considerados por ela como “completamente frívolos” em processos movidos por Trump. Essa atitude teria ocorrido para evitar conflitos com o ex-presidente ou, em um dos casos, para garantir a aprovação de um acordo de fusão. Marcus classificou esse comportamento das redes como “terrível e covarde”, enfatizando que não se tratou meramente de autocensura, mas sim de uma “capitulação total”.

Ainda em relação ao panorama político e à atuação da imprensa, Ruth Marcus revisitou a discussão sobre o sistema de freios e contrapesos nos Estados Unidos. Ela recordou que, em 2016, quando Trump foi eleito, era comum a ideia de que o sistema de governo o conteria. Marcus escreveu inúmeras colunas, tanto em 2016 quanto em 2017, após a posse, abordando a postura do Congresso frente a Trump. No entanto, sua visão atual diverge: a situação em relação aos freios e contrapesos e ao Estado de Direito já não estava completamente estável durante o primeiro mandato. Atualmente, com uma Suprema Corte de composição diferente e o reconhecimento, por parte dos republicanos no Congresso, de que enfrentar Trump pode lhes trazer perigos políticos, há uma menor disposição para o embate.

A ex-jornalista também analisou a posição do Partido Democrata diante deste segundo mandato de Trump. Em sua avaliação, os democratas encontram-se em um impasse, com a dificuldade de aceitar a derrota mais uma vez. Marcus aponta a ausência de um líder óbvio e de uma proposta política clara, resumindo a plataforma do partido como meramente “não somos Trump”. Ela especula se essa abordagem será suficiente para auxiliar na retomada da Câmara nas eleições de meio de mandato do próximo ano, mas reconhece a incerteza. Para a jornalista, após uma derrota eleitoral e sem uma alternativa evidente, o partido necessita de um “tempo no deserto” para permitir o surgimento de uma nova geração de concorrentes e líderes, e para o desenvolvimento de uma proposta clara sobre sua identidade e seus propósitos. Ela comparou a situação atual dos democratas ao período de 1992, quando, após dois mandatos de Ronald Reagan e um de George H.W. Bush, Bill Clinton surgiu como um “novo democrata”, mais centrista, conquistou a nomeação e venceu a eleição presidencial. Marcus conclui que os democratas precisam de um “Bill Clinton agora, só que sem os problemas que Bill Clinton trouxe”.

No que concerne ao Departamento de Justiça, Ruth Marcus havia descrito anteriormente uma “guerra civil” na instituição em uma coluna para o Post, um tema que ela cobriu nos primeiros anos de sua carreira jornalística. Ela esclarece que o Departamento de Justiça é parte do Poder Executivo, e é legítimo que um novo presidente estabeleça prioridades de atuação – como, por exemplo, focar em cartéis de drogas em detrimento de subornos estrangeiros. Presidentes distintos podem ter prioridades políticas diversas e orientar o Departamento de Justiça a segui-las. Contudo, especialmente após o escândalo Watergate, foram estabelecidas restrições rigorosas e respeitadas. A jornalista destaca que a máxima de “não vivemos em uma república das bananas”, onde presidentes instrumentalizam o sistema de Justiça para perseguir oponentes políticos, está sendo desafiada. Marcus observa o que descreve como a instrumentalização do sistema de justiça criminal por Trump para satisfazer rancores pessoais, que, apesar de tentativas no primeiro mandato com pouco sucesso, agora parece mais proeminente.

Ela mencionou uma recente operação do FBI na residência de John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional durante o primeiro governo Trump. Além disso, destacou os repetidos anseios de Trump de ver inimigos políticos, como Hillary Clinton, James Comey e Jack Smith – o promotor que o investigou durante o governo de Joe Biden – atrás das grades. A preocupação de Marcus reside no fato de que, ao contrário do que se observou no primeiro mandato, o Departamento de Justiça, agora, não tem demonstrado oposição clara a essas manobras. Essa falta de resistência eleva o seu receio quanto ao que pode acontecer no próximo ano em relação ao uso do sistema de justiça para fins políticos.

Ruth Marcus, de 67 anos, possui uma sólida formação acadêmica, com graduações pela Universidade Yale e pela Harvard Law School. Sua carreira jornalística se estendeu de 1984 a 2025 no Washington Post, onde não apenas atuou como editora-adjunta da seção editorial, mas também foi reconhecida como finalista do Prêmio Pulitzer de Comentário em 2007, uma das maiores honrarias do jornalismo. Atualmente, a jornalista contribui com a renomada revista New Yorker. Sua participação no evento promovido pela revista piauí, em 6 e 7 de setembro em São Paulo, abordará o tema “A contra-história – repórteres que bagunçam os mitos nacionais”, com sua apresentação programada para o domingo, dia 7, às 18h. Os ingressos para o festival têm preços a partir de R$ 650 (inteira).

📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona

Desta forma, Ruth Marcus oferece uma visão interna e crítica das mudanças estruturais e éticas que afetam a imprensa americana e suas implicações para a democracia. Suas considerações apontam para um momento delicado, onde as pressões externas e as reconfigurações internas nos grandes veículos de comunicação suscitam debates profundos sobre a independência e o propósito do jornalismo no contexto político atual.

Com informações de Folha de S.Paulo

Links Externos

🔗 Links Úteis

Recursos externos recomendados

Leia mais

PUBLICIDADE

Plataforma de Gestão de Consentimento by Real Cookie Banner
Share via
Share via