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A Prosa Metafísica e Humorística de Luis Fernando Verissimo: Uma Homenagem ao Legado de um Gênio

Facebook Twitter Pinterest LinkedInLuis Fernando Verissimo, um dos mais renomados escritores do Brasil, faleceu aos 88 anos. Embora a notícia da partida deste mestre das palavras ressoe profundamente no cenário cultural, seu vasto e diversificado legado literário perdurará, consolidando-o como uma figura ímpar na literatura nacional. Apesar de ser amplamente celebrado por suas obras emblemáticas … Ler mais

Luis Fernando Verissimo, um dos mais renomados escritores do Brasil, faleceu aos 88 anos. Embora a notícia da partida deste mestre das palavras ressoe profundamente no cenário cultural, seu vasto e diversificado legado literário perdurará, consolidando-o como uma figura ímpar na literatura nacional.

Apesar de ser amplamente celebrado por suas obras emblemáticas como “Comédias da Vida Privada”, “Mentiras que os Homens Contam” e “Comédias para se Ler na Escola”, que o alçaram à fama como um cronista perspicaz do cotidiano, limitar a compreensão de sua colossal produção apenas ao gênero do humor seria uma simplificação de sua complexidade literária. Verissimo, através de uma escrita primorosa e aguçada, teve a capacidade singular de transitar por temas profundos, conferindo um toque de leveza e comicidade até mesmo à metafísica. Esta abordagem de explorar o universo existencial com graça foi um feito sem precedentes na literatura brasileira, distinguindo-o de outros grandes nomes antes e depois dele.

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Como um verdadeiro investigador do intrincado campo metafísico, o autor demonstrava uma notável habilidade para extrair o grandioso e o cósmico das trivialidades e eventos corriqueiros da vida. O fato de ter escolhido o humor como principal ferramenta para essa exploração é um traço profundamente revelador, especialmente considerando sua natureza descrita como tímida e introspectiva ao longo de toda a sua existência. Essa escolha representou não apenas uma opção estética peculiar, mas também uma convicção ética profunda: a ideia de que o indescritível, o inescrutável e os grandes mistérios da vida podem, de fato, ser divertidos. A proposta verissimiana nos convida a questionar a utilidade da desolação diante das grandes indagações existenciais, cujas respostas, afinal, parecem fadadas a permanecer eternamente ocultas para a humanidade. Em sua ótica, talvez a angústia em si seja digna de um chiste, de uma piada perspicaz, uma maestria que ele aplicou ao inserir seus personagens em situações que eram simultaneamente de uma profunda existencialidade e de uma flagrante banalidade, navegando habilmente na tênue linha que separa o cômico do absurdo.

Um de seus contos exemplifica brilhantemente essa dinâmica. Nele, dois homens, que compartilharam a infância estudando juntos, reencontram-se décadas mais tarde, não como amigos, mas como opostos determinados pelos desígnios e desigualdades da vida: um como assaltante e o outro como a vítima do assalto. O momento crucial da narrativa se desenrola na biblioteca da casa do homem assaltado, local onde o cofre seria guardado. Na tentativa desesperada de salvar sua própria vida diante do ex-colega agora armado, a vítima se vale de um arrazoado filosófico improvisado, uma elucubração complexa cujo intuito é sensibilizar o assaltante. Esse intelecto elaborado, desenvolvido ao longo de uma vida de privilégios e reflexões, era o trunfo que, ingenuamente, o assaltado acreditava possuir para superar a situação. No entanto, o assaltante, imbuído no contexto do conto das demandas brutais da “vida real”, mostra pouca, ou nenhuma, comoção diante das complexas construções mentais. Neste cenário, Verissimo se permite exercitar uma de suas “brincadeiras” filosóficas favoritas: em sua essência, a metafísica realmente tem o poder de salvar ou, frente às necessidades cruas da existência, ela não serve para nada?

A mesma forma de “gracejo” e reflexão jocosa com o insondável é replicada em sua abordagem sobre a poesia. Isso se evidencia de maneira notória através de seu conhecido bordão, “poesia numa hora dessas?”, uma frase que emprestava seu nome a uma seção recorrente em suas célebres colunas jornalísticas. Nessas brevíssimas descrições, Verissimo delineava situações que se apresentavam tensas ou, por diversas razões, limítrofes, nas quais invariavelmente algum dos personagens decidia “poetizar”, provocando, não raro, o desespero e a impaciência dos demais envolvidos. Essa insistência em “poetizar” reflete a compreensão de que a poesia, assim como a metafísica, consiste em uma tentativa apaixonada e talvez vã de tatear o todo, de apreender a totalidade do universo em suas diversas facetas. No entanto, em sua aguda ironia, o escritor permitia que transparecesse sua convicção profunda de que, para ele, Luis Fernando Verissimo, sim, qualquer hora era propícia para a poesia – e, por extensão, para a filosofia.

As narrativas de Verissimo também são povoadas por personagens icônicos, muitos deles detetives ou investigadores, que serviam como pistas para que seus leitores adentrassem as complexidades da vida e do mistério humano. Dois desses investigadores são especialmente amados e conhecidos do público. Um deles é Ed Mort, que se apresenta como um detetive clássico, com características reminiscentes dos famosos filmes noir, mas com uma peculiaridade que o torna “meio charlatão”. Este recurso se tornou uma das marcas registradas do autor, permitindo-lhe alternar constantemente entre o discurso teórico e a paródia. Na obra de Verissimo, Ed Mort personifica uma das facetas da perplexidade humana diante do mistério; nesse caso, a face concreta, que lida com as questões mundanas, com os segredos mais íntimos dos homens e com a vacuidade de suas vaidades. Ele é o detetive do ordinário, do que está ao alcance da mão, mesmo quando parece envolto em mistérios que não o são tão profundos.

O outro notável investigador é o Analista de Bagé, um psicanalista de vertente freudiana que, porém, permanece tradicional apenas até um determinado ponto – o que se poderia metaforicamente chamar de “até a página 3”. Este erudito profissional enriquece os postulados do pai da psicanálise com seu singular e afamado “método do joelhaço”, uma técnica que encontra inspiração na sabedoria arraigada dos pampas, região natal do próprio autor. Através desse método, o Analista resolve os dilemas mais recônditos e profundos de seus pacientes com um certeiro golpe de joelho, aplicado em plena sessão terapêutica. A figura do Analista de Bagé reflete o fascínio perene de Verissimo pelo enigma da alma humana e pelas profundezas insondáveis do ser. E também neste personagem, observa-se a constante alternância entre o sério e o irresponsável, uma característica marcante da prosa do autor.

Na escrita de Verissimo, as citações a teorias freudianas são, aliás, bastante frequentes, assim como as referências a excertos das obras de grandes pensadores da história mundial, a textos de livros sagrados e à criação de diversos artistas. Essa proliferação de alusões demonstra que Verissimo era um leitor voraz e um consumidor perspicaz e aprofundado de todas as formas de arte e conhecimento. Em um gesto de retribuição pelo enriquecimento que outros autores lhe proporcionaram, ele próprio buscava desenvolver uma maneira instigante e saborosa de debater essas ideias com o seu vasto público leitor. Entre os seus autores favoritos, destaca-se o escritor argentino Jorge Luis Borges, que faz diversas aparições ao longo da obra de Verissimo, seja jogando xadrez com o próprio narrador, seja contribuindo para desvendar um intricado caso policial.

Curiosamente, pouco se discute sobre a notável semelhança entre as literaturas de ambos os escritores, pois Borges é frequentemente percebido pelo grande público como um autor “complicado”, enquanto o brasileiro é considerado amplamente acessível. Embora essa distinção possa ter, em parte, seu fundo de verdade, há, na realidade, inúmeras similaridades entre eles. Não seria um exagero afirmar que Verissimo se encontra muito mais próximo de Borges do que comumente se imagina. Esses pontos de intersecção são manifestos, principalmente, na forma como ambos os autores abordavam os temas metafísicos – dos quais já discorremos – muitas vezes disfarçando-os sob a capa de trivialidades cotidianas. Além disso, a prosa extremamente concisa e a escolha meticulosa das palavras são características compartilhadas que atestam a profundidade e a precisão da escrita de ambos.

Essa “prosa anedótica”, como poderia ser definida, encontra seu auge na capacidade de condensar complexidades em narrativas aparentemente simples. Borges costumava afirmar que publicava essencialmente contos curtos e ensaios porque tudo o que tinha a dizer cabia perfeitamente nesse formato. Ironizava, com a sagacidade que lhe era peculiar, que a preguiça era um dos motivadores para não se dedicar a romances mais extensos. Para concretizar essa predileção por formatos breves, ele desenvolveu uma escrita tão concisa e potente que cada palavra empregada exercia, muitas vezes, o papel de capítulos inteiros. É exatamente nessa arte de destilar a essência que Luis Fernando Verissimo se consagrou como um dos mais exímios representantes do Brasil, tanto no século XX quanto neste início do século XXI. É impressionante observar como, muitas vezes, ele introduz um conto com apenas um nome e, automaticamente, o leitor já apreende todas as informações cruciais necessárias sobre aquele personagem.

Em sua escrita, Verissimo era um mestre em invocar todo um universo com poucos traços, apresentando figuras como os “Peçanhas” das repartições públicas brasileiras, os “Almeidas” que povoam os balcões dos bares boêmios ou as “Soraias” que habitam as lembranças nostálgicas da juventude. Um universo inteiro se descortinava quando Verissimo nos contava, por exemplo, de uma esposa que, na intimidade do quarto, revelava ao marido ter tido um primeiro namorado chamado “Mendoncinha”. Da mesma forma, com a mera citação a um traço físico que poderia ser considerado quase ridículo, ele tinha a capacidade de escancarar a potência e a personalidade de alguém: uma pinta situada próxima à boca, que hipnotizava o olhar alheio e conduzia à perdição da lascívia; um lábio superior que tremia imperceptivelmente quando a pessoa sorria; ou até mesmo sobrancelhas que, por si sós, pareciam portadoras de uma eloquência inconfundível. O sucinto e o lapidar também se manifestam na elaboração de cenários que, de imediato, transportam o leitor para a situação visualizada e descrita pelo autor. Um de seus contos, intitulado “Bandeira Branca”, inicia-se com uma descrição de singela economia: “Ele, de tirolês. Ela, odalisca”. E nós, como leitores, éramos capazes de sentir, em um instante, todas as texturas e cores vibrantes dos antigos bailes de Carnaval, e nossos corações palpitavam em antecipação pelo desfecho de um romance que já era prenunciado na força dessa poderosa frase inicial.

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Com sua rara combinação de graça, sagacidade e uma intelectualidade que, embora aspirasse ao vasto Universo, desejava ser desfrutada e debatida nas mesas dos bares, Luis Fernando Verissimo soube abordar e discutir conosco tudo aquilo que verdadeiramente importa nesta nossa curta, por vezes insensata e, ainda assim, esplêndida vida. Ele escreveu sobre o amor, o sexo, as complexidades humanas, a ciência, a política, a efemeridade do tempo e o insondável vácuo do nada. Em seus contos atemporais, personagens improváveis ganhavam vida e dialogavam: Drácula e Batman, que, como o primeiro se apressa em enfatizar, eram afinal dois morcegos, trocavam ricas experiências existenciais; Einstein e Deus engajavam-se em debates profundos sobre a Teoria da Relatividade; casais inverossímeis eram formados; e grandes charlatães experimentavam seus momentos efêmeros de glória. A vida é tão paradoxal e absurda que, muito bem, poderia ser eterna, como talvez especularia em suas reflexões tão ordinárias o delegado alemão Friederich, figura que atuava nos subúrbios do Rio de Janeiro em um dos contos verissimianos. Sim, a vida é eterna enquanto houver um Verissimo a ser lido, um Peçanha a habitar o almoxarifado, um Almeida a navegar os corredores do jurídico e uma Ritinha a trabalhar na contabilidade.

Com informações de G1.globo.com

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