O cenário literário e jornalístico brasileiro lamenta profundamente a partida de Luis Fernando Verissimo, um dos mais importantes escritores do país, que faleceu neste sábado, 30 de agosto de 2025, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O renomado autor tinha 88 anos e estava hospitalizado há aproximadamente três semanas, enfrentando um quadro de pneumonia.
A confirmação do falecimento foi feita por familiares, que acompanhavam seu estado de saúde no Hospital Moinhos de Vento, onde ele permanecia internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Verissimo lidava com problemas de saúde há algum tempo, incluindo Parkinson e condições cardíacas. Em 2016, passou por um procedimento para implantar um marcapasso. Em 2021, o escritor sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o que resultou em significativas dificuldades motoras e de comunicação, conforme informações fornecidas por sua família. O legado do autor é vasto, abrangendo crônicas, contos, romances e tirinhas que marcaram gerações.
👉 Leia também: Guia completo de Noticia
O autor deixa a esposa, Lúcia Helena Massa, com quem compartilhava uma vida, três filhos e dois netos. Até o momento, a família não divulgou detalhes sobre as cerimônias de velório e sepultamento, as quais devem ser anunciadas em breve, à medida que os preparativos forem concluídos. A comunidade literária e o público em geral aguardam a oportunidade de prestar as últimas homenagens a uma figura tão proeminente na cultura nacional. Seu impacto se estende desde a linguagem humorística de suas crônicas até a profundidade de seus personagens.
Uma Trajetória Enraizada na Literatura Familiar e Jornalismo
Luis Fernando Verissimo nasceu na capital gaúcha, Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Sua conexão com a literatura vinha do berço, sendo filho de Erico Verissimo, um dos mais respeitados nomes da literatura brasileira e autor de clássicos como “O Tempo e o Vento”. Parte da infância de Luis Fernando foi vivida nos Estados Unidos, período em que Erico Verissimo ministrou aulas de literatura brasileira em universidades de renome como Berkeley e Oakland. Essa vivência internacional e a atmosfera intelectual em casa foram fundamentais para moldar sua percepção do mundo e sua abordagem narrativa.
Ele próprio comentou a respeito da influência paterna em sua escrita. Verissimo revelou que acreditava ter herdado do pai uma característica estilística fundamental: a informalidade. “O pai foi um dos primeiros escritores brasileiros a escrever de uma maneira mais informal. E eu acho que herdei um pouco isso. Essa informalidade na maneira de escrever”, declarou ele sobre Erico. Essa fluidez e proximidade com o leitor tornaram-se marcas registradas de sua própria obra, permitindo que seus textos transitassem entre o humor e a reflexão de forma acessível e envolvente. Seu percurso inicial na carreira se deu no jornalismo, onde desenvolveu as ferramentas que o consagrariam como um dos mais produtivos cronistas do país.
Sua carreira profissional teve início em 1966, quando ingressou no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, na função de revisor. Posteriormente, sua jornada o levou ao Rio de Janeiro, onde trabalhou como tradutor, expandindo sua gama de experiências com a palavra. A estreia no universo literário com a publicação do primeiro livro, intitulado “O Popular”, ocorreu em 1973. A partir de então, Verissimo construiu uma biblioteca robusta, com um total de mais de 70 livros lançados. Esses volumes englobam uma impressionante diversidade de gêneros: crônicas, romances, contos e até mesmo quadrinhos, demonstrando sua versatilidade e a amplitude de sua capacidade criativa. Ao longo de sua carreira, suas obras alcançaram a impressionante marca de 5,6 milhões de cópias vendidas, um testemunho do vasto apreço do público por sua produção literária.
Além de sua prolífica carreira como escritor de livros, Luis Fernando Verissimo manteve uma presença constante e influente na imprensa brasileira. Ele era conhecido por suas colunas em importantes veículos como os jornais “O Estado de S.Paulo”, “O Globo” e o próprio “Zero Hora”, onde havia iniciado sua jornada profissional. Nesses espaços, suas crônicas diárias ou semanais ofereciam uma perspicaz observação do cotidiano, um humor inteligente e, muitas vezes, uma crítica social sutil, consolidando sua reputação como um dos grandes cronistas do Brasil e mantendo um diálogo contínuo com milhões de leitores em todo o país.
A Intimidade do Autor e Seu Santuário em Porto Alegre
Apesar de sua vasta produção e da notória visibilidade pública que sua obra lhe proporcionou, Luis Fernando Verissimo era uma pessoa de hábitos discretos, que se refletiam em seu modo de viver e em suas declarações. Ele mantinha residência na mesma casa onde cresceu após o retorno do Brasil, um imóvel situado no Bairro Petrópolis, em Porto Alegre, que havia sido adquirido por seu pai em 1941. Nesse lar, a memória de Erico Verissimo era preservada de maneira reverente, com o escritório onde seu pai trabalhava mantido intacto pela família, um verdadeiro museu pessoal de sua herança literária.
Contrariando a lógica de trabalhar no escritório principal da casa, Luis Fernando Verissimo cultivava o hábito de escrever em outro cômodo. Este espaço, pessoal e introspectivo, abrigava não apenas seus escritos, mas também seu saxofone e uma extensa coleção de dezenas de discos e CDs de jazz, sua paixão musical. Sua rotina de trabalho era marcada por uma metódica organização, sendo interrompida somente quando sua esposa, Lúcia, o chamava para o almoço. À noite, a pausa era dedicada a assistir ao Jornal Nacional, um ritual que evidenciava sua conexão com os acontecimentos do dia.
Quando desejava mergulhar em seu estilo de música preferido, o jazz, Verissimo o fazia com total dedicação, sem distrações. Em uma entrevista concedida em 2012, ele sintetizou sua abordagem à música com simplicidade: “Música é sentar e ouvir”. Essa paixão não apenas influenciou a ambientação de seu cotidiano, mas também permeou discretamente elementos em suas obras, refletindo a sutileza com que integrava seus interesses pessoais ao seu universo criativo. Seu ambiente de trabalho, assim como seu processo criativo, era uma extensão de sua personalidade reclusa e focada.
Os Personagens Inesquecíveis e o Humor Adaptado
O humor perspicaz e característico que marcava seus contos e crônicas tornou-se uma das assinaturas mais fortes de sua obra. Entre os personagens mais conhecidos criados por ele, destacam-se figuras icônicas que se enraizaram no imaginário popular. Estão entre eles o detetive peculiar de “Ed Mort e outras histórias”, de 1979, o psicanalista irônico de “O analista de Bagé”, publicado em 1981, e a figura excêntrica de “A velhinha de Taubaté”, de 1983. Verissimo também explorou o formato das tirinhas, sendo o criador de “As cobras”, que foi publicada na “Folha da Manhã” ao longo da década de 70, revelando sua aptidão para diferentes linguagens e plataformas narrativas.
A versatilidade de sua escrita não se limitou ao impresso. A obra “Comédias da vida privada”, de 1994, transcendia as páginas e deu origem a uma bem-sucedida série produzida pela Rede Globo. A produção televisiva foi veiculada durante os três anos seguintes, levando seu humor e suas observações para um público ainda mais amplo. Na época da adaptação, Verissimo discorreu sobre os desafios inerentes à transposição de seu humor para a televisão. Ele ponderou: “Um desafio porque o humor de televisão, ao contrário do que possa parecer, é mais difícil de fazer que o humor impresso, o humor gráfico, vamos dizer assim”. O escritor também mencionou sua percepção sobre sua própria inclinação para o humor: “Não tenho uma vocação humorística, mas consigo eventualmente produzir humor. Mas é uma coisa mais deliberada, mais pensada, do que espontânea, no meu caso”.
Sua colaboração com a televisão também incluiu a participação na equipe de roteiristas do aclamado programa de humor “TV Pirata”, que marcou o final da década de 80 com sua irreverência e originalidade. Além das obras já mencionadas, outros de seus livros alcançaram grande sucesso comercial, conquistando uma vasta base de leitores. Entre esses títulos, destacam-se “Comédias para se ler na escola”, que se tornou leitura obrigatória em muitas instituições, e “As mentiras que os homens contam”, publicado em 2000. Ambos os livros reiteram a capacidade de Verissimo de conectar-se com o público através de temáticas universais e de seu olhar peculiar sobre o comportamento humano e as idiossincrasias sociais.

Imagem: g1.globo.com
O Escritor Tímido e Sua Música Interior
A experiência de Luis Fernando Verissimo vivendo nos Estados Unidos durante sua infância foi crucial não apenas para sua formação literária, mas também para o desenvolvimento de uma de suas grandes paixões: o jazz. Foi enquanto estudava na Roosevelt High School, em Washington, que ele cultivou o gosto por esse gênero musical e teve suas primeiras aulas de saxofone, instrumento que se tornaria uma parte intrínseca de sua vida e que ele manteve consigo até os últimos anos.
No entanto, por trás da destreza com o saxofone e da sagacidade impressa nas páginas de seus livros, revelava-se uma personalidade inerentemente tímida. Verissimo frequentemente comentava sobre essa característica, que se manifestava de formas claras em seu cotidiano. “Minha timidez é… Por exemplo: tenho horror de fazer isso que estou fazendo agora: dar entrevista, falar em público e tal”, afirmou em uma ocasião à RBS TV. Ele acreditava que existia uma dicotomia entre a arte de falar e a arte de escrever, considerando-as atividades que, de certa forma, se excluíam. “Eu sempre digo que não dominei a arte de falar e escrever ao mesmo tempo, são duas coisas que se excluem, então é nesse sentido é que se manifesta a minha timidez”, explicou, indicando uma preferência pela expressão escrita, onde encontrava maior conforto e controle sobre a comunicação.
Apesar de sua economia de palavras no trato social e nas aparições públicas, essa contenção não se aplicava ao seu processo criativo, seja nas máquinas de escrever de antigamente ou, posteriormente, nos computadores. O autor, mesmo sendo reservado, possuía um vasto universo de ideias e reflexões para comunicar. Em suas próprias palavras, “Essa é uma das vantagens da crônica. A gente pode ser o que quiser escrevendo uma crônica”, o que evidenciava o gênero como um refúgio e um poderoso canal para sua expressão mais autêntica e ilimitada. Mesmo diante de celebrações e reconhecimento, ele conseguia manter seu senso de humor discreto e pontual.
As inúmeras homenagens que recebeu, especialmente ao completar 80 anos, eram mais do que provas do carinho e da admiração que o público nutria por ele; eram também oportunidades para Verissimo arrancar um sorriso dos presentes, mesmo sem longas conversas. Ele brincou de forma memorável sobre as celebrações: “Têm sido tão agradáveis as homenagens, inclusive da família, que eu tô pensando em fazer 80 anos mais vezes”. Em entrevista ao programa “GloboNews Literatura”, em 2012, ele também abordou seu comportamento introspectivo e conhecido por respostas concisas. Questionado sobre sua suposta natureza calada, Verissimo ironicamente redefiniu a percepção, afirmando: “Não sou eu que falo pouco, os outros é que falam muito”, uma declaração que reflete sua agudeza e seu jeito único de observar e interagir com o mundo ao seu redor.
Paixão Pelo Futebol e O Eterno Colorade
Além da literatura e do jazz, uma outra paixão inegável de Luis Fernando Verissimo era o futebol. Mais especificamente, o Sport Club Internacional, o Inter, clube ao qual declarou lealdade e devoção em incontáveis ocasiões e que se tornou tema de uma de suas obras, “Internacional, Autobiografia de uma Paixão”, que capta sua profunda conexão com o time. Sua relação com o futebol ia além da simples torcida; era parte integrante de sua identidade e fonte de inúmeras crônicas e reflexões.
Em uma entrevista concedida em abril de 2012, o escritor rememorou com emoção o que considerava seu jogo inesquecível: um clássico Gre-Nal, que também marcou sua primeira ida a um estádio de futebol. Ele descreveu a vivacidade dessa experiência primordial. “Lembro a emoção de estar em campo. Só ouvia futebol pelo rádio. Ali, uma cerca nos separava dos jogadores. Dava para ver as feições, sentir a respiração deles. Eu estava vendo as cores do jogo, uma sensação completamente diferente. Nunca vou me esquecer também do cheiro de grama”, contou ele, ao evocar o Estádio dos Eucaliptos, a antiga casa do Internacional, destacando a intensidade sensorial de sua iniciação no universo futebolístico.
Sua paixão o levou a cobrir Copas do Mundo, iniciando sua participação nas edições desde 1986, um torneio em que ele lamentou profundamente a eliminação da Seleção Brasileira nos pênaltis diante da França nas quartas de final. Essa derrota se tornaria, em sua memória, mais uma partida marcante em sua jornada como apreciador e observador do esporte. Pelo Internacional, a lista de jogos inesquecíveis era extensa. Ele falava com satisfação e orgulho da final do Campeonato Brasileiro de 1975, que coroou o Inter como campeão nacional, e do histórico tricampeonato invicto conquistado em 1979, momentos de glória que ele reviveu em diversas ocasiões.
Contudo, talvez o momento mais glorioso e celebrativo de sua paixão pelo Internacional tenha sido a conquista do Mundial de Clubes de 2006, um título improvável e grandioso. Sobre esse triunfo, em que o Inter venceu o Barcelona de Ronaldinho Gaúcho, Verissimo escreveu a memorável crônica “Não me acordem”, que se tornou um hino para os colorados. A obra celebrava, de maneira emocionante, o gol decisivo de Gabiru, um jogador que era frequentemente criticado, mas que naquele jogo se tornou o grande herói improvável. “Vejo como o triunfo do Gabiru (autor do gol), o grande herói que era criticado. Algo meio melodramático. Foi um momento de sonho”, recordava. Ele ainda comentava a atmosfera pré-jogo com um toque de pragmatismo esperançoso: “Antes do jogo, o sentimento era: Se perder de pouco, está bom”, evidenciando a grandiosidade e a surpresa daquele resultado que ficou para a história do clube e de sua torcida. Sua identificação com o time não era apenas de um torcedor, mas de um narrador que entendia e celebrava a alma do futebol.
📌 Confira também: artigo especial sobre redatorprofissiona
O extenso acervo da obra de Luis Fernando Verissimo continuará sendo um testamento de sua capacidade de traduzir a vida em palavras, a cada crônica, conto ou romance, com um humor afiado, observações profundas e uma sensibilidade única que o fizeram uma das vozes mais queridas e importantes da literatura e do jornalismo brasileiros. Seu legado permanecerá como uma fonte inesgotável de inspiração e entretenimento para as futuras gerações de leitores e escritores, perpetuando a memória de um autor que sabia como poucos rir e fazer rir da própria existência.
Com informações de G1
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados