A potencial perda de mandato de um deputado federal devido ao acúmulo de faltas representa um ponto nevrálgico nas deliberações da Câmara dos Deputados, impulsionada por normas constitucionais e regramentos internos da Casa. A legislação brasileira é clara ao estipular as condições sob as quais um parlamentar pode ser destituído de sua cadeira. A Constituição Federal estabelece que um legislador tem seu mandato extinto caso sua ausência em sessões de votação exceda um terço do total ao longo de um ano legislativo.
Esse preceito legal e seu desdobramento nas normativas internas da Câmara ganham relevo considerável em meio às atuais circunstâncias que envolvem o deputado federal Eduardo Bolsonaro, representante do Partido Liberal (PL) por São Paulo. O parlamentar, que reside nos Estados Unidos desde fevereiro deste ano (2025), está em uma situação que gerou preocupação dentro de parte da instituição legislativa, com discussões crescentes sobre a viabilidade de manutenção de seu cargo frente às reiteradas ausências.
A situação específica do deputado Eduardo Bolsonaro merece um detalhamento em seu histórico recente para uma compreensão aprofundada. Desde fevereiro de 2025, o parlamentar estabeleceu residência em território norte-americano. No entanto, sua condição perante a Câmara passou por diferentes fases neste período. Inicialmente, ele estava amparado por uma licença, uma prerrogativa parlamentar que tem o efeito prático de suspender a contagem de faltas no período em que o deputado está oficialmente afastado. Esta licença se estendeu até o mês de julho do mesmo ano. É crucial salientar que o tipo de licença utilizado pelo filho do ex-presidente Jair Bolsonaro possui uma restrição: não permite renovação dentro do mesmo ano legislativo.
Com o encerramento do período de licença, automaticamente, em julho, Eduardo Bolsonaro teve seu mandato reassumido e, consequentemente, as obrigações de presença e participação parlamentar foram integralmente restabelecidas. A partir desse ponto, o cenário se modificou substancialmente. Ao retornar à função ativa, mesmo que nominalmente, o deputado divulgou que não faria o retorno físico ao Brasil para retomar suas atividades legislativas. A Câmara dos Deputados, contudo, não dispõe de mecanismos que permitam o registro de presença em sessões de votação de forma remota, configurando um impeditivo tecnológico e regimental para a forma como o parlamentar buscava conduzir seu mandato à distância. Em decorrência dessa impossibilidade regimental, o deputado começou a ter faltas registradas em seu histórico de comparecimentos a partir de agosto.
Os números refletem o acúmulo dessas ausências. De um total de trinta sessões ocorridas em 2025, os registros apontam que o deputado Eduardo Bolsonaro faltou a exatamente metade delas até o momento atual, somando quinze ausências em votações. A eminência da contagem dessas faltas para o cálculo do terço que pode culminar na perda do mandato mobilizou o próprio deputado e seus aliados, que passaram a empreender esforços para evitar que a cassação por excesso de ausências se concretize.
Em um desenvolvimento mais recente, na quinta-feira, dia 28 de agosto, o deputado federal encaminhou um ofício diretamente ao presidente da Câmara, Hugo Motta, membro do Republicanos pela Paraíba. Nesse documento, Eduardo Bolsonaro contestou veementemente as faltas que foram computadas em seu nome, declarando não as aceitar. Ele pleiteou, ainda, a implementação de novos mecanismos que lhe permitam exercer seu mandato parlamentar remotamente, sublinhando a importância da sua representação popular mesmo estando fora do território nacional. A justificativa apresentada pelo deputado em seu ofício ressalta que sua permanência nos Estados Unidos se dá de maneira “forçada”. Com base nesse argumento, ele sustenta que o presidente da Câmara possui o dever de assegurar a plenitude de sua “representação parlamentar”. Em suas próprias palavras, expressas no documento: “Não reconheço falta alguma, não renuncio ao meu mandato, não abdico das minhas prerrogativas constitucionais e sigo em pleno exercício das funções que me foram conferidas pelo voto popular”.
Adicionalmente, o deputado informou em seu comunicado que, apesar das ausências físicas no Brasil, tem desempenhado suas funções parlamentares através de uma série de compromissos nos Estados Unidos. Esses compromissos incluem reuniões com representantes do governo norte-americano. Vale destacar que Eduardo Bolsonaro é apontado como um dos pilares influenciadores da decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de sobretaxar produtos oriundos do Brasil. Em um contexto de investigação da Polícia Federal, o filho de Jair Bolsonaro, junto com seu pai, foram indiciados sob a acusação de tentar influenciar os rumos de processos no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de potenciais sanções econômicas articuladas com a gestão Trump ao Brasil. Ao longo dos últimos meses, aliados de Eduardo Bolsonaro tentaram articulações na Câmara, visando a uma mudança nas regras da Casa, especificamente para flexibilizar as normas de licença ou permitir um mandato remoto, como forma de prevenir a perda de seu mandato por faltas. Contudo, nenhuma dessas iniciativas conseguiu prosperar na tramitação interna.
No que concerne às regras estabelecidas pela Câmara dos Deputados e pela própria Constituição Federal, é inegável que Eduardo Bolsonaro corre o risco de perder o seu mandato em decorrência das ausências excessivas. Entretanto, o desdobramento e a eventual aplicação de uma punição ou sequer a análise formal deste caso não deverão ocorrer dentro do ano corrente de 2025.
O Complexo Rito de Avaliação de Ausências na Câmara
As normas internas da Câmara dos Deputados preveem um rito consideravelmente demorado e pormenorizado para a apuração e análise de faltas de um parlamentar, o que significa que o processo se estende por um longo período até uma deliberação final. De acordo com um Ato da Mesa Diretora, o órgão colegiado responsável por aplicar a cassação do mandato em casos de excesso de faltas, a verificação da frequência do deputado ao longo de um ano de trabalho só é realizada e formalizada no mês de março do ano seguinte ao período analisado. Essa regulamentação prática tem uma implicação direta no cenário de Eduardo Bolsonaro: as ausências que o deputado tem acumulado durante 2025 somente serão objeto de discussão e deliberação a partir de 2026.
Especificamente, o regulamento da Casa estabelece que a Secretaria-Geral da Mesa da Câmara tem a atribuição e o prazo para encaminhar todos os relatórios detalhados de frequência dos parlamentares à Presidência da Casa até o dia 5 de março. Uma vez que os relatórios chegam à mesa do presidente, este detém a prerrogativa e a responsabilidade de examinar os casos individualmente. Sua função é analisar se, com base nos registros, existem elementos consistentes e suficientes para fundamentar a abertura de um processo que leve à perda do mandato de um deputado. Esta é a fase inicial de triagem para avaliar a gravidade da situação.
Caso o chefe da Câmara dos Deputados conclua que de fato há um volume excessivo de faltas não justificadas ou que superem o limite permitido, a etapa seguinte do processo envolve a distribuição do caso. Neste ponto, o tema é encaminhado para um relator, cuja escolha recai sobre um dos membros da direção da própria Casa legislativa. O papel do relator é aprofundado e minucioso: ele será encarregado de analisar com rigor todos os registros de presença e ausência do parlamentar em questão. Após sua análise preliminar, o relator abrirá um prazo específico, limitado a até cinco dias úteis, para que o deputado investigado possa apresentar sua defesa formal. Neste período, é imperativo que o parlamentar forneça uma explanação clara e fundamentada das razões que levaram às suas ausências, buscando justificativas aceitáveis para o não comparecimento às sessões deliberativas.
Ultrapassada esta etapa da defesa, e com todos os argumentos e registros em mãos, o deputado escolhido para relatar o caso elabora suas conclusões finais. Estas conclusões são então submetidas à Mesa Diretora da Câmara. No parecer do relator, além da análise factual, ele deve indicar se, em sua avaliação, a pena de perda de mandato deve ou não ser aplicada ao parlamentar. Finalmente, cabe aos membros da cúpula da Casa – a Mesa Diretora em sua composição plena – a decisão derradeira e colegiada sobre a cassação ou manutenção do mandato do deputado. Este é o ápice do rito, onde a análise final das regras e argumentos culmina em uma resolução definitiva para o caso de excesso de faltas.
Paralelamente a este rito tradicional de ofício, o regimento da Câmara também prevê um mecanismo alternativo de provocação. Qualquer deputado ou partido político filiado à Casa tem a prerrogativa de acionar diretamente a direção da Câmara, solicitando que a análise das faltas de um parlamentar seja iniciada e conduzida. No entanto, existe uma interpretação predominante dentro da instituição que limita a eficácia temporal desta provocação: a Casa entende que essa solicitação formal só pode ser realizada após o encerramento do ano de trabalho parlamentar, precisamente em 23 de dezembro. Essa particularidade regimental acaba, na prática, remetendo a discussão e o início de qualquer processo de análise para o ano legislativo subsequente, reforçando o caráter prolongado de todo o procedimento.

Imagem: g1.globo.com
O Debate sobre Sessões Ordinárias e Extraordinárias
Um ponto de controvérsia relevante, que surge no debate em torno da contagem de faltas e da interpretação das regras, é a distinção entre tipos de sessões legislativas. Parte dos parlamentares que defendem a permanência de Eduardo Bolsonaro no mandato argumenta que a metodologia atual de contabilização de faltas poderia estar comprometida. O cerne dessa argumentação reside na natureza das sessões: desde o advento da pandemia de Covid-19, muitas das sessões convocadas na Câmara passaram a ser designadas como “extraordinárias”. Em contraste, a formulação original da regra constitucional, que estabelece o limite de um terço de ausências, faz menção explícita a faltas em “sessões ordinárias”.
Os defensores dessa tese indicam que, se a contagem fosse estritamente aplicada às sessões ordinárias, a incidência de faltas registradas contra o deputado poderia ser significativamente menor ou sua aplicação seria, no mínimo, mais flexível. Todavia, essa argumentação é refutada pelo próprio aparato normativo da Câmara. Um Ato da Mesa Diretora, que rege precisamente a forma como a contabilização das ausências deve ser efetuada, esclarece de maneira inequívoca que, para efeitos de apuração e controle de frequência, são levadas em consideração tanto as sessões classificadas como ordinárias quanto as sessões extraordinárias. Isso elimina a brecha argumentativa de que as faltas em sessões extraordinárias não deveriam ser computadas, mantendo a rigorosidade na avaliação de presença do parlamentar independentemente do tipo de convocação da sessão.
A Ausência não Traz Inelegibilidade
É importante diferenciar as consequências da cassação de um mandato parlamentar por excesso de faltas em relação a outras formas de punição ou condenação. As regras estabelecem que, mesmo em caso de cassação do mandato de um deputado devido ao descumprimento do dever de presença, essa sanção específica não acarreta a inelegibilidade do parlamentar para pleitos futuros. Ou seja, ele não fica impedido de concorrer a novas eleições para cargos eletivos.
A perda dos direitos políticos e, consequentemente, a condição de inelegibilidade, conforme a legislação eleitoral brasileira, só ocorre em situações distintas, como, por exemplo, em decorrência de condenações na esfera judicial por determinados tipos de crimes ou infrações. Deste modo, a cassação por faltas tem um impacto direto no exercício do mandato atual, mas não na capacidade futura de um indivíduo de se candidatar a cargos públicos, mantendo as vias de retorno à vida política por meio das urnas, caso não haja outras restrições legais.
O Precedente do Caso Chiquinho Brazão
Recentemente, a própria Câmara dos Deputados recorreu e aplicou a regra que disciplina as faltas em excesso para promover a cassação do mandato do então deputado Chiquinho Brazão, que representava o Rio de Janeiro e estava sem partido. O caso de Brazão se destaca como um precedente direto e concreto para situações envolvendo o não comparecimento parlamentar. O ex-deputado é acusado formalmente de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Após ter sido alvo de uma prisão preventiva em 2024, em razão do avanço das investigações sobre o referido crime, Chiquinho Brazão passou a acumular uma série de faltas às sessões legislativas sem apresentar as devidas justificativas. De acordo com os registros oficiais da Câmara, a análise das ausências de Chiquinho Brazão começou a progredir de forma concreta apenas em abril deste ano (2025). Foi nesse momento que a Casa Legislativa formalmente requisitou explicações ao então parlamentar sobre o volume excessivo de suas ausências.
A defesa de Chiquinho Brazão, por sua vez, protocolou sua resposta à solicitação da Câmara em 22 de abril. Os advogados do deputado argumentaram que sua impossibilidade de comparecer às sessões devia-se diretamente ao fato de ele se encontrar “cerceado de sua liberdade”, uma clara referência à sua prisão. No entanto, a cúpula da Casa, representada pela direção da Câmara, deliberou apenas dois dias depois, em 24 de abril, que as justificativas apresentadas pela defesa de Brazão não eram consideradas suficientes ou válidas para abonar as faltas acumuladas. Consequentemente, diante da avaliação negativa, o mandato de Chiquinho Brazão foi cassado.
Este desfecho do caso Brazão solidifica o entendimento da Câmara sobre a aplicação das regras de ausência e demonstra a efetividade do processo quando o limite constitucional é atingido, independentemente do motivo alegado para a impossibilidade de comparecimento, se este não for acatado pela Mesa Diretora.
Com as regras claras da Constituição e da Câmara, o processo de avaliação das faltas de Eduardo Bolsonaro em 2025 só se iniciará formalmente em 2026, com a Secretaria-Geral da Mesa encaminhando relatórios em março e a Presidência analisando a possibilidade de perda do mandato. As tentativas do deputado e seus aliados para alterar as regras da Casa e viabilizar um mandato remoto ou uma licença flexível não prosperaram. As alegações de Eduardo Bolsonaro de que sua estadia nos EUA é forçada e que cumpre compromissos parlamentares serão analisadas no momento oportuno pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, caso as ausências atinjam o terço mínimo necessário para a cassação. Até o momento, a contagem de faltas segue em progresso e a discussão sobre o futuro do mandato se projeta para o próximo ano legislativo, seguindo o rito formal e demorado da instituição.
Com informações de g1.globo.com
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