O quarto processo de julgamento referente à trágica Chacina do Curió alcançou, nesta quinta-feira (29), o seu quinto dia de sessões. O crime, que chocou o estado do Ceará e o país em 2015, resultou na morte de 11 pessoas em um incidente ocorrido na Grande Messejana. A etapa atual, conduzida pelo Conselho de Sentença da 1ª Vara do Júri da capital, concentra-se na avaliação da conduta de sete policiais, os quais estão sendo julgados por sua suposta participação nos eventos. A audiência foi retomada especificamente às 9h30 da manhã, com o depoimento de um dos réus envolvidos.
A chacina, objeto deste extenso e complexo processo judicial, remonta às noites de 11 e madrugada de 12 de novembro de 2015. Os incidentes se desenrolaram na comunidade do Curió, uma localidade inserida na Grande Messejana, área periférica da cidade de Fortaleza, capital cearense. Grande parte das vítimas da violência extrema possuía entre 16 e 18 anos de idade e, segundo as investigações, não registravam antecedentes criminais ou passagens anteriores pela polícia.
O Andamento Processual e o Júri Atual
Desde a instauração do processo, o número total de réus pronunciados, ou seja, aqueles que foram designados para serem levados a júri popular, totaliza 30 indivíduos. Destes, a Justiça já julgou 20 policiais militares em etapas anteriores do processo. Os resultados desses julgamentos passados culminaram na condenação de seis acusados e na absolvição de 14 outros. Para as próximas etapas, a previsão é de que os últimos três réus remanescentes passem por seu julgamento específico a partir de 22 de setembro.
Atualmente, os sete policiais militares que se encontram diante do Conselho de Sentença para serem julgados neste quarto ciclo da Chacina do Curió são:
- Daniel Fernandes da Silva
- Gildásio Alves da Silva
- Luis Fernando de Freitas Barroso
- Farlley Diogo de Oliveira
- Renne Diego Marques
- Francisco Flávio de Sousa
- Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa
A sessão desta quinta-feira (29), que marcou o quinto dia do julgamento atual, teve início com a oitiva de um dos acusados, Gildácio Alves da Silva. Em sua defesa e diante dos magistrados, Gildácio Alves da Silva fez uso de sua prerrogativa legal e optou por não responder aos questionamentos apresentados tanto pela equipe da acusação quanto pelo Colegiado de Juízes responsável pelo caso. Em contraste com essa recusa, o réu decidiu responder apenas às indagações formuladas pelos seus advogados de defesa, que representam seus interesses legais durante o processo.
Acusação: O Núcleo da Omissão
A denúncia formalizada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) contra os sete policiais que estão sendo julgados nesta etapa específica do processo se estrutura em torno da ideia de um “Núcleo da Omissão”. Conforme a argumentação da acusação, os referidos agentes de segurança estavam em serviço ativo na área geográfica onde os brutais crimes da chacina foram cometidos. Detinham, portanto, o dever legal expresso de agir e tinham a capacidade fática e logística para intervir e prevenir a ocorrência da chacina, mas, ainda assim, optaram por uma completa inação.
O conceito jurídico do “Núcleo da Omissão” parte do princípio que a legislação pertinente impõe a responsabilidade por atos e seus respectivos resultados a todos aqueles que possuíam o dever legal e os meios para evitar a prática de um crime, mas, de maneira indevida e reprovável, falharam em agir ou se omitiram em fazê-lo. Neste contexto específico da Chacina do Curió, o Ministério Público enfatiza que os policiais sob julgamento estavam devidamente caracterizados como agentes públicos, ocupavam viaturas e se encontravam na área de patrulha no momento em que os crimes aconteciam. Segundo a denúncia, a incumbência primordial desses agentes seria intervir para evitar a execução dos delitos ou, na impossibilidade de impedimento total, mitigar as consequências trágicas dos atos perpetrados. Diante de sua aparente e total inatividade, caracterizada como omissão, o Ministério Público está empenhado em buscar a responsabilização plena destes indivíduos perante a justiça. Tal perspectiva foi detalhada pelo procurador-geral de Justiça do Ceará, Haley Carvalho, em suas declarações.
As imputações criminais contra os sete réus, segundo a denúncia do Ministério Público, abrangem uma série de delitos graves, cada um com suas qualificadoras e agravantes. Entre os crimes pelos quais os policiais respondem estão:
- 11 homicídios consumados: Esta quantia se refere a onze ocorrências nas quais a vida das vítimas foi efetivamente ceifada, caracterizando-se como crimes completos, não meras tentativas. Cada um desses atos de homicídio é descrito como “duplamente qualificado”. As qualificadoras incluem “motivo torpe”, o que denota uma motivação repugnante, desprovida de qualquer valor moralmente aceitável, e também “mediante recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa das vítimas”, indicando que os perpetradores empregaram meios que reduziram drasticamente, ou anularam por completo, a capacidade das vítimas de se defenderem.
- Três homicídios tentados: Além dos crimes consumados, há três imputações de homicídios que, apesar de não terem sido finalizados com a morte da vítima, foram iniciados e a sua não consumação não se deu por vontade dos agentes. Estes, similarmente, são classificados como “duplamente qualificados”, obedecendo aos mesmos critérios de “motivo torpe” e “uso de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa das vítimas”.
- Três crimes de tortura física: Referem-se a atos em que os acusados infligiram dor e sofrimento físico intenso às vítimas, seja como meio para obtenção de informação, punição, ou em razão de preconceito racial ou religioso, ou como medida de controle.
- Um crime de tortura psicológica: Consiste na aplicação de grave sofrimento mental ou psicológico às vítimas, utilizando métodos que afetem a sua integridade psíquica, dignidade ou que causem humilhação e medo, também buscando obter algo ou impor castigo.
Histórico e Desenvolvimento do Processo Judicial da Chacina do Curió
Inicialmente, um número de 45 policiais militares foi apontado como envolvido na Chacina do Curió. Após a análise inicial das provas, a Justiça de primeiro grau aceitou a denúncia formal contra 44 desses agentes, dando prosseguimento às investigações. No curso da apuração processual e instrução criminal, dez dos policiais foram “impronunciados”, termo jurídico que significa que não foram encaminhados a júri popular por inexistência ou insuficiência de evidências substanciais que justificassem a continuidade da acusação formal perante o tribunal. Dos 34 acusados que restaram após esta etapa, as complexidades processuais ainda resultaram na morte de um dos envolvidos e na transferência do caso de outros três para a competência da Vara da Justiça Militar. Deste longo e detalhado percurso judicial, o universo de réus efetivamente direcionados ao júri popular se estabilizou em 30 policiais.
O julgamento da Chacina do Curió, reconhecido por sua extensão e complexidade, deu início às suas sessões em junho de 2023. O volume documental associado a este processo judicial é notável, compreendendo mais de 13 mil páginas de autos e evidências. A magnitude e o número de réus envolvidos demandaram uma abordagem diferenciada, levando o processo a ser desmembrado em diversas etapas de julgamento para conferir maior celeridade e organização às análises judiciais. As primeiras etapas dos julgamentos já foram concluídas e tiveram seus vereditos proclamados. Conforme a linha temporal definida pela Justiça, o processo tem se desenrolado em fases bem distintas:
Resultados dos Julgamentos Anteriores
As três primeiras fases de julgamento da Chacina do Curió já foram devidamente finalizadas, e seus resultados foram registrados. A fase atual corresponde ao quarto julgamento em andamento.
1. Primeiro Julgamento (de 21 a 25 de junho):

Imagem: chacina do Curió via g1.globo.com
Esta fase inaugural culminou na condenação de quatro policiais militares. Nenhum réu foi absolvido durante este período processual. As sentenças impostas a cada um dos condenados foram de notável severidade. Os policiais militares sentenciados foram:
- Marcus Vinícius Sousa da Costa: Condenado a 275 anos e 11 meses de prisão. A penalidade foi imposta pela sua participação em 11 homicídios consumados, três tentativas de homicídio e quatro crimes de tortura, englobando aspectos físicos e mentais. Sua pena exige cumprimento inicial em regime fechado, sem direito a recorrer em liberdade, e a perda definitiva do cargo de policial militar.
- Antônio José de Abreu Vidal Filho: Recebeu a mesma sentença de 275 anos e 11 meses de prisão, também por 11 homicídios, três tentativas de homicídio e quatro crimes de tortura (física e mental). Igualmente, imposto o regime fechado, a impossibilidade de aguardar o julgamento de recursos em liberdade e a expulsão da corporação.
- Wellington Veras Chagas: Sua condenação foi idêntica, totalizando 275 anos e 11 meses de reclusão. Os fundamentos da pena são os mesmos: 11 homicídios, três tentativas de homicídio e quatro crimes de tortura física e mental. As implicações judiciais, como regime fechado e perda de cargo, também se aplicaram integralmente a ele.
- Ideraldo Amâncio: Também foi sentenciado a 275 anos e 11 meses de prisão, devido à sua culpabilidade em 11 homicídios, três tentativas de homicídio e quatro crimes de tortura, tanto física quanto mental. Da mesma forma que os demais, teve seu regime inicial de prisão definido como fechado, perdeu o direito à liberdade para recurso e foi expulso do quadro da Polícia Militar.
2. Segundo Julgamento (de 29 de agosto a 6 de setembro):
Este ciclo do julgamento resultou na absolvição de oito policiais militares. Nesta fase específica, nenhum dos acusados foi condenado. Diante dos vereditos de absolvição, o Ministério Público anunciou que irá recorrer da sentença, buscando a reversão das decisões em instâncias superiores do judiciário. Os oito policiais que foram inocentados nesta etapa foram:
- Francinildo José da Silva Nascimento
- Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes
- Gerson Vitoriano Carvalho
- José Haroldo Uchoa Gomes
- Josiel Silveira Gomes
- Ronaldo da Silva Lima
- Thiago Aurélio de Souza Augusto
- Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes
3. Terceiro Julgamento (de 12 a 16 de setembro):
Nesta terceira fase, dois policiais foram condenados por sua participação na chacina, enquanto seis outros réus foram absolvidos de suas acusações. As condenações proferidas nesta etapa foram:
- José Oliveira do Nascimento: Condenado a uma pena de 210 anos e nove meses de reclusão. Suas infrações abrangeram 18 crimes diversos, incluindo homicídio, tentativa de homicídio e tortura.
- José Wagner Silva de Souza: Recebeu uma condenação de 13 anos e cinco meses, especificamente pelo crime de tortura.
Os seis policiais militares que foram absolvidos durante esta fase foram:
- Antônio Flauber de Melo Brazil
- Clênio Silva da Costa
- Francisco Helder de Sousa Filho
- Igor Bethoven Sousa de Oliveira
- Maria Bárbara Moreira
Um caso particular desta fase foi o de Antônio Carlos Matos Marçal. Ele foi absolvido das acusações que foram julgadas perante o Tribunal de Justiça, porém, uma parte específica de seu processo foi desmembrada e transferida para a Justiça Militar. Tal decisão implica que a Justiça Militar será responsável pela condução de um novo julgamento referente a essa parte restante de suas acusações.
Os Próximos Passos: Quarto e Quinto Julgamento
Atualmente, conforme já mencionado, encontra-se em curso o Quarto Julgamento da Chacina do Curió, que teve seu início programado para 25 de agosto e aborda a conduta dos sete réus identificados anteriormente. Este processo continua se desenvolvendo. Em sequência, o cronograma judicial prevê a realização do Quinto Julgamento, com início estabelecido para 22 de setembro, no qual os três réus remanescentes da lista original terão suas participações avaliadas pelo sistema de júri popular. Os casos prosseguem para que se busquem as devidas sentenças perante os eventos ocorridos em 2015.
Com informações de G1 Globo.com
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