A organização da trigésima Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá no Brasil, fez um pronunciamento público contundente para solicitar o aumento da participação e do investimento do setor privado nas iniciativas de combate às alterações climáticas globais. O chamado ocorre em um cenário complexo, marcado por desafios geopolíticos significativos, as políticas anti-ambientais adotadas pela gestão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e complicações logísticas e de custos no próprio local de sediagem do evento, a cidade de Belém, no Pará.
A urgência desta demanda foi formalizada na sétima correspondência emitida pela presidência brasileira da cúpula climática, um documento que carrega a assinatura do presidente da conferência, o embaixador André Corrêa do Lago. Este apelo ganha relevância em um período onde o engajamento do setor empresarial é diretamente impactado pelas estratégias governamentais de Trump nos Estados Unidos, que se posicionam em oposição a agendas verdes, além de enfrentar os altos custos de hospedagem em Belém, uma preocupação que ameaça reduzir a afluência de participantes de negócios.
A carta emitida pela presidência brasileira da COP30 não apenas reconhece o papel fundamental desempenhado pelo setor privado nas décadas mais recentes, ao direcionar recursos para a transição energética e o desenvolvimento de produções com menor pegada ambiental, mas também estabelece uma exigência. O documento incita os líderes empresariais a assumirem uma postura de liderança no financiamento dessa área crítica, que ainda demonstra uma dependência excessiva dos recursos providos pelos erários públicos dos países. Esta dependência dos fundos governamentais é vista como um limitador para a velocidade e a escala das transformações necessárias para enfrentar as mudanças climáticas de forma eficaz e abrangente.
De maneira explícita, a comunicação da COP30 ressalta a impetuosidade do momento presente, reiterando a necessidade premente de ação coordenada e robusta. A carta frisa que o envolvimento do setor privado, que já proporcionou avanços significativos na transição global para energias limpas, precisa agora intensificar-se exponencialmente. A citação direta no documento salienta: “O momento de agir com urgência é agora. O setor privado já acelerou a transição de forma muito significativa, no entanto, ele precisa agora dar um passo à frente, não para trás, aumentando o engajamento em transformar isso em uma realidade exponencial.” Essa frase encapsula a expectativa de que o progresso inicial seja apenas o prelúdio para um envolvimento muito mais audacioso e expansivo.
As preocupações manifestadas pela presidência da COP são multifacetadas, originando-se tanto de barreiras logísticas palpáveis em Belém, que poderiam diminuir a presença empresarial no evento e, consequentemente, o impacto das negociações, quanto de um complexo panorama geopolítico internacional. Em uma entrevista concedida à Folha no mês de julho, o embaixador Corrêa do Lago já havia delineado como fatores como conflitos armados em diversas partes do globo, a ascensão e o fortalecimento de movimentos políticos de extrema-direita em processos eleitorais internacionais e as políticas tarifárias e comerciais implementadas por Trump representam riscos substanciais para o sucesso das deliberações e acordos a serem alcançados na conferência. O cenário mundial, segundo ele, introduz uma camada adicional de complexidade às discussões climáticas.
Nesse mesmo contexto, o embaixador Corrêa do Lago fez uma observação crítica sobre a inerente interligação entre o desenvolvimento das negociações ambientais e as dinâmicas globais em curso. Ele sublinhou que a trajetória das discussões climáticas é invariavelmente moldada e influenciada pelas circunstâncias internacionais vigentes. O embaixador pontuou que o atual período é distintamente desafiador, afirmando categoricamente que “As negociações evoluem muito de acordo com as circunstâncias internacionais, e não preciso dizer que vivemos circunstâncias internacionais particularmente complexas.” Essa percepção realça a fragilidade das metas ambientais frente às pressões e tensões que permeiam a arena política e econômica mundial.
Desde sua reeleição e retorno à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump tem implementado uma série de medidas que desfavorecem iniciativas de sustentabilidade e, em contrapartida, beneficiam setores tradicionalmente intensivos em emissões. Sua administração tem conduzido cortes significativos de verbas destinadas a projetos de desenvolvimento sustentável, enquanto promove incentivos e amplia benefícios para as indústrias de combustíveis fósseis, como petróleo, gás e carvão. Essa orientação política diverge acentuadamente dos esforços globais para uma transição energética e de uma economia verde, criando um ponto de atrito substancial com os objetivos da COP30.
A dimensão financeira e econômica desses ataques às políticas ambientais foi detalhada por um levantamento minucioso conduzido pela Clean Economy Tracker, uma iniciativa da Atlas Public Policy. Este estudo revelou que as ações e pronunciamentos do presidente republicano resultaram no cancelamento de impressionantes US$ 18,6 bilhões em projetos de energia limpa, um montante que corresponde a cerca de R$ 100,7 bilhões, considerando a cotação cambial atual. A gravidade deste impacto torna-se mais evidente ao se comparar com os US$ 827 milhões, equivalentes a aproximadamente R$ 4,4 bilhões, que foram cancelados no ano anterior, 2024. A disparidade numérica ilustra o rápido e acentuado declínio nos investimentos em energia renovável sob a influência das políticas da atual administração americana, sinalizando um retrocesso significativo no avanço das tecnologias e infraestruturas limpas no país e, indiretamente, no cenário global.
Para além das políticas internas, o presidente Trump tem utilizado sua influência política para exortar outras nações a abrandarem seus compromissos com o combate às mudanças climáticas. Ele tem advogado ativamente pela flexibilização das metas ambientais globais, incentivando que países, ao invés de aderirem a energias renováveis, aumentem a extração e o consumo de combustíveis fósseis como petróleo, gás natural e carvão. Esta pressão internacional coloca em xeque a cooperação multilateral necessária para alcançar os ambiciosos objetivos estabelecidos em acordos climáticos globais, gerando preocupação sobre a coesão das alianças formadas para enfrentar a crise climática. A postura dos Estados Unidos, sob a liderança de Trump, é percebida como um entrave à progressão da agenda ambiental internacional.
Os reflexos dessas políticas também são observados no cenário financeiro global voltado para o clima. Na última quarta-feira, dia 27 de agosto, uma das mais proeminentes coalizões bancárias mundiais dedicada ao tema da sustentabilidade, a Net-Zero Banking Alliance, comunicou a “pausa” de suas operações. A decisão sobreveio após a aliança registrar a saída de membros estratégicos, que incluíam grandes instituições financeiras da Europa e importantes bancos de Wall Street. Esse enfraquecimento da coalizão, essencial para a mobilização de capitais privados em projetos de transição, evidencia a fragilidade de iniciativas ambientais diante de pressões políticas e econômicas. A Net-Zero Banking Alliance declarou que as “políticas trumpistas” foram a causa subjacente a essa decisão. Diante da nova realidade, a aliança iniciou uma votação interna para avaliar a possibilidade de abandonar seu modelo de organização baseado em filiações e adotar uma estrutura mais maleável e adaptável. Essa mudança reflete uma tentativa de sobreviver e continuar operando em um ambiente cada vez mais volátil e adverso às pautas de financiamento climático. A reavaliação de sua estrutura é um testemunho da crescente dificuldade em manter compromissos robustos em meio às incertezas políticas.
A conjuntura atual adquire um tom ainda mais alarmante quando se considera o histórico das conferências ambientais promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em edições anteriores, o principal ponto de estagnação e discordância tem sido invariavelmente a resistência dos países economicamente desenvolvidos em corresponder às reivindicações das nações em desenvolvimento, que solicitam maiores aportes financeiros para a implementação de soluções e estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Esta barreira de financiamento impede a efetivação de ações cruciais, uma vez que as nações em desenvolvimento frequentemente carecem dos recursos internos necessários para investir em tecnologias limpas, infraestrutura resiliente e programas de conservação ambiental em larga escala. A falta de comprometimento financeiro por parte dos países mais ricos mina a confiança mútua e compromete o avanço das agendas globais.
Na cúpula climática mais recente, que teve lugar no Azerbaijão, as negociações relativas a este aspecto financeiro foram formalmente encerradas com a aprovação de uma nova meta de financiamento, denominada Novo Objetivo Coletivo Quantificado sobre Financiamento Climático (NCQG). No entanto, o valor estabelecido de US$ 300 bilhões, equivalentes a aproximadamente R$ 1,6 trilhão, foi largamente considerado insatisfatório e frustrante pelas nações em desenvolvimento e observadores, que argumentam que essa cifra está muito aquém do montante realmente necessário para enfrentar a escala da crise climática em todo o mundo. A discrepância entre as necessidades e os recursos alocados permanece como um dos maiores obstáculos para a concretização de avanços significativos no combate às mudanças climáticas.
Diante desse cenário desafiador de financiamento e em busca de superação dos impasses que têm caracterizado as negociações climáticas internacionais, o Brasil, em colaboração com o Azerbaijão, assumiu a responsabilidade de desenvolver um roteiro estratégico. Este roteiro tem como principal objetivo traçar as diretrizes e as ações necessárias para mobilizar um colossal volume de US$ 1,3 trilhão, correspondente a cerca de R$ 7,2 trilhões, em financiamento climático. Este valor é considerado fundamental para possibilitar a transição global para uma economia de baixo carbono e garantir a resiliência frente aos impactos climáticos. O compromisso reflete a tentativa de endereçar, de forma proativa, a lacuna financeira que tem limitado a ambição e a eficácia das políticas ambientais ao redor do mundo. A intenção é catalisar uma mobilização sem precedentes de recursos, englobando tanto aportes públicos quanto privados, para fazer frente à emergência climática.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Para progredir frente a esse complexo impasse e garantir a mobilização dos fundos necessários, o Brasil tem implementado uma abordagem estratégica, procurando ampliar as esferas de negociação para além do formato tradicional das COPs. O embaixador Corrêa do Lago deposita uma parte significativa de suas expectativas no engajamento e na proatividade do setor privado, contando com ele para reverter o panorama atual. A tese é que a diversificação dos espaços de diálogo e a integração de novos atores financeiros e empresariais são essenciais para inovar os mecanismos de financiamento e acelerar a captação de recursos. Ao buscar envolvimento em diferentes fóruns e com múltiplos stakeholders, a presidência brasileira da COP30 almeja construir uma coalizão mais ampla e robusta capaz de superar os desafios históricos do financiamento climático.
O embaixador André Corrêa do Lago trouxe à tona uma retrospectiva histórica relevante, relembrando que o modelo prevalente de financiamento climático, alicerçado majoritariamente em doações estatais provindas de países ricos e direcionadas a nações em desenvolvimento, foi concebido e estabelecido em 1992, na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro. No entanto, o embaixador salientou que, desde a sua formulação, este ambicioso projeto nunca se materializou plenamente. Pelo contrário, as lacunas em sua implementação permitiram que as mudanças climáticas se agravassem e atingissem proporções ainda mais severas, consolidando uma falha sistêmica na abordagem global. Esta observação crítica sublinha a urgência de reformar e diversificar as fontes e mecanismos de financiamento para lidar com uma crise que transcendeu as projeções iniciais.
O embaixador Corrêa do Lago reiterou as falhas intrínsecas ao modelo tradicional de financiamento climático, notando que, além do descumprimento de compromissos, a própria escala das necessidades financeiras para combater a crise climática global transformou-se radicalmente desde a concepção do modelo de 1992. Ele observou de forma contundente: “Não só os países desenvolvidos fugiram clarissimamente da responsabilidade dos recursos públicos, como, além do mais, a escala do que é necessário [mobilizar] se tornou infinitamente maior do que todo mundo achava em 1992. Então, o setor privado vai ter um papel […] de aumentar os recursos para [chegarmos] a US$ 1,3 tri”. Essa afirmação ressalta que o setor privado é, hoje, o elo indispensável para complementar os limitados fundos públicos e para que a meta de mobilizar os US$ 1,3 trilhão estabelecidos se torne uma realidade palpável, adequando-se à dimensão atual e crescente do desafio climático.
Em um desenvolvimento adicional que complexifica o cenário, o ex-presidente Donald Trump já declarou publicamente que os Estados Unidos, sob sua liderança, não participarão das Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COPs). Essa decisão, caso mantida e efetivada, projeta uma redução drástica e abrupta no engajamento dos recursos públicos provenientes da maior economia global, o que afetaria de forma significativa o financiamento climático daqui em diante. A ausência dos Estados Unidos nas COPs não só enfraquece a força diplomática das negociações, como também priva as iniciativas climáticas de uma fonte de recursos que, mesmo quando alvo de críticas por sua insuficiência, representa um volume financeiro considerável para programas e projetos globais. A retirada do país é vista como um revés substancial para a solidariedade e a ação coletiva internacional no âmbito climático.
A despeito da reticência da política oficial americana, o embaixador Corrêa do Lago mantém um otimismo estratégico quanto ao engajamento do setor privado. Ele argumenta que o investimento em transição energética e em produções com práticas sustentáveis não é apenas uma questão de responsabilidade ambiental, mas também se mostra crescentemente lucrativo e economicamente vantajoso. Essa perspectiva busca reconfigurar a percepção de sustentabilidade, transformando-a de um encargo para uma oportunidade de negócio, especialmente para as empresas americanas. Lago expressou sua crença de que, existindo claras perspectivas de lucros e de mercado, o capital privado americano poderia suplantar, em termos de volume e impacto, o histórico de contribuições do setor público dos EUA. Ele ainda adicionou, de forma contundente, que “Não vai haver uma batalha ideológica com relação a isso”, sugerindo que as decisões de investimento serão guiadas mais por fatores econômicos do que por disputas políticas. Essa visão ressalta que, independentemente da orientação governamental, o mercado e o imperativo de lucro poderiam impulsionar o setor privado em direção a soluções verdes.
Finalmente, a viabilidade e o alcance da participação do setor privado na COP30 são novamente colocados à prova por questões intrínsecas ao local do evento. A crise logística em Belém, particularmente os elevados preços para hospedagem durante o período da cúpula, emerge como uma barreira significativa que ameaça reduzir a presença de importantes atores corporativos. O alto custo de alojamento e a infraestrutura limitada, fatores já previamente identificados, criam um ambiente menos propício para a afluência massiva de delegações empresariais. Esse desafio não apenas compromete a diversidade e o nível de representação, mas também pode esvaziar parte do impacto que a conferência almeja ter na mobilização de investimentos. A preocupação é que o custo elevado possa se tornar um impedimento, transformando um evento de alcance global em um desafio acessível apenas para alguns.
Em uma entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, o influente empresário Ricardo Mussa, que possui um notável histórico de liderança em corporações como Raízen e Cosan, endossou a preocupação quanto aos altos preços de hospedagem. Mussa afirmou explicitamente que os valores praticados já estão desmotivando a participação de CEOs (Chief Executive Officers) de grandes companhias na conferência. Essa observação de um executivo de renome do setor privado reforça o argumento de que a questão logística e de custo em Belém não é um problema trivial, mas uma barreira tangível que pode afastar líderes empresariais cruciais, prejudicando o calibre das discussões e as oportunidades de engajamento do capital privado, pondo em risco o objetivo da COP30 de angariar novos financiamentos para a agenda climática. A ausência de figuras de liderança empresarial no evento representaria uma perda considerável para as aspirações da conferência.
Reconhecendo plenamente a dimensão do problema logístico em Belém, o embaixador Corrêa do Lago, em sua carta, não evitou o tema, mas buscou recontextualizá-lo sob uma perspectiva mais ampla. Ele destacou que a realidade enfrentada pela cidade, marcada por desafios infraestruturais e altos custos, serve simultaneamente como um espelho para os efeitos devastadores das mudanças climáticas e da profunda desigualdade social. Para Lago, a vulnerabilidade e as condições vivenciadas pela população de Belém, em vez de serem meramente obstáculos, devem funcionar como uma poderosa fonte de inspiração, estimulando a busca por soluções inovadoras e mais justas. A vivência dos desafios do mundo real, para ele, deveria ser um catalisador para a ação do setor privado.
Em sua comunicação, o embaixador Corrêa do Lago elabora sobre esta visão, argumentando que os desafios logísticos de Belém não devem ser um fator de exclusão, mas sim um teste e uma oportunidade para demonstrar a genuína liderança climática. Ele pontua: “Reconhecemos que viajar para Belém apresenta desafios logísticos. Mas esse é precisamente o momento em que o setor privado pode liderar o caminho, demonstrar que a liderança climática significa se engajar com o mundo real.” Ele enfatiza que o diálogo essencial e as decisões críticas não devem se limitar a ambientes ideais e convenientes, mas sim ocorrer nos contextos onde a necessidade e a importância da ação são mais evidentes. Completando seu pensamento, ele conclui: “Essa conversa crítica tem que acontecer não só quando é fácil, mas quando mais importa”. Com isso, Lago instiga o setor privado a demonstrar um compromisso real com a pauta climática, transformando obstáculos em incentivos para uma atuação mais incisiva e contextualizada.
Com informações de Folha de S.Paulo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados