São Paulo – A evolução dos tratamentos farmacológicos para a obesidade demonstra uma trajetória marcante na medicina, movendo-se de abordagens abrangentes e menos específicas para mecanismos de ação cada vez mais direcionados e refinados. Este progresso, observado ao longo das décadas, reflete uma busca contínua por maior eficácia e, crucialmente, pela minimização dos efeitos colaterais adversos aos pacientes. O caminho percorreu desde potentes estimulantes do sistema nervoso central, muitas vezes comparados a uma “paulada farmacológica no cérebro”, até as mais recentes moléculas que mimetizam e até amplificam a ação de hormônios gastrointestinais naturais, resultando em estratégias altamente precisas.
Inicialmente, medicamentos como as anfetaminas promoviam a perda de apetite através de uma intervenção ampla no organismo. Embora demonstrassem capacidade de reduzir a ingestão alimentar, essa ação vinha acompanhada de um alto custo em termos de efeitos indesejados graves. No cenário atual, fármacos inovadores como a semaglutida e a tirzepatida representam a vanguarda. Essas substâncias atuam modulando complexos sistemas de fome e saciedade em pontos estratégicos da maquinaria hormonal do trato gastrointestinal e do sistema nervoso central, entregando resultados inéditos e promissores no manejo da obesidade.
É inegável que, sempre que viável, a preferência por métodos de emagrecimento que dependam exclusivamente da iniciativa individual persiste. Contudo, a obesidade é uma condição multifacetada, cuja origem abrange desde fatores genéticos até a influência de sistemas alimentares que, por sua natureza, propiciam o ganho de peso. Essa complexidade intrínseca valida a crescente variedade de ferramentas terapêuticas disponíveis. Assim, um portfólio diversificado de soluções é recebido com otimismo. Ele engloba desde a reeducação alimentar e a prática regular de exercícios físicos até intervenções cirúrgicas, como a cirurgia bariátrica. Dentro deste espectro, o uso de medicamentos para o emagrecimento assume um papel importante, contribuindo para a busca da saúde integral dos pacientes.
O Legado das Anfetaminas e Derivados: A Era do Domínio da Ação Central
Durante as décadas de 1970 e 1980, as anfetaminas e substâncias análogas estabeleceram-se como os pilares das prescrições médicas para a redução de peso. No contexto brasileiro, o arsenal terapêutico incluía substâncias como anfepramona, femproporex e mazindol, todas caracterizadas por sua potente ação no sistema nervoso central. Essas drogas funcionavam elevando a liberação de importantes neurotransmissores, como a dopamina e a noradrenalina. Tal mecanismo bioquímico culminava em uma redução perceptível da sensação de fome e em um aumento significativo do estado de alerta no indivíduo.
Maria Edna de Melo, endocrinologista integrante do grupo de obesidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), relata a experiência daquela época: “Eram medicamentos eficazes, muito baratos. Havia pacientes que respondiam de uma forma excelente, com baixa incidência de efeitos colaterais. Isso quando usados numa prática de rotina.” Entretanto, a doutora Melo também aponta a questão do “abuso” desses fármacos. “Muitos tomavam uma dose cavalar. Então os pacientes emagreciam muito rápido, mas não dormiam, tinham mudança de comportamento, pelo uso errado da medicação,” esclarece. Esse uso indiscriminado gerava uma série de complicações.
Os efeitos colaterais das anfetaminas não eram negligenciáveis e representavam um desafio significativo para os médicos e pacientes. Antonio Carlos do Nascimento, doutor em endocrinologia e metabologia pela Faculdade de Medicina da USP, enfatiza que “insônia, irritabilidade e alterações de comportamento e cardiovasculares eram efeitos colaterais frequentes, não desprezíveis, que dificultavam suas prescrições.” A magnitude e a frequência desses efeitos culminaram, finalmente, na proibição do uso dessas drogas no Brasil, uma decisão que refletiu a preocupação das autoridades de saúde com a segurança dos pacientes.
Nos anos recentes, iniciativas no âmbito legislativo tentaram restaurar a possibilidade de registro dessas medicações, seja por meio de projetos de lei ou outras propostas. Contudo, prevaleceu a perspectiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão regulador argumentou que os riscos associados, que incluíam potencial de dependência, abusos e complicações cardiovasculares graves, superavam os potenciais benefícios clínicos que essas substâncias poderiam oferecer. Esta avaliação robusta levou à manutenção da proibição no território nacional. Paralelamente, em contraste com a legislação brasileira, nos Estados Unidos, algumas dessas substâncias, como a fentermina, continuam a ser comercializadas e apresentam volumes de vendas consideráveis, indicando diferentes abordagens regulatórias em diferentes países.
O Orlistate e a Ação Periférica: Foco no Intestino
A virada para os anos 1990 marcou a ascensão do orlistate, um medicamento comercializado com o nome de Xenical. Este fármaco introduziu uma mudança de paradigma ao focar sua ação não no circuito cerebral, mas diretamente no intestino. O orlistate atua inibindo a enzima lipase pancreática, que é fundamental para a quebra das gorduras provenientes da dieta em moléculas menores, um processo essencial para sua posterior absorção pelo organismo. Ao bloquear aproximadamente 30% dessa absorção de gorduras, o medicamento efetivamente reduz o número de calorias disponíveis para o corpo, oferecendo uma via diferente para o controle de peso.
Apesar de sua inovação na ação periférica, Antonio Carlos do Nascimento contextualiza a eficácia do orlistate: “Ele não exerce influência no sistema nervoso central, e se provou mais eficaz como laxante e modificador da flora intestinal do que um fármaco emagrecedor”, resume o especialista. Entre os efeitos adversos mais conhecidos e frequentemente relatados, incluem-se diarreia oleosa, uma sensação de urgência evacuatória e a ocorrência de flatulência acompanhada de perda fecal, problemas que eram particularmente mais notáveis após a ingestão de refeições ricas em gordura. Além disso, devido à sua incapacidade de influenciar a regulação central do apetite, o impacto global do orlistate na perda de peso revelou-se modesto quando comparado a outras abordagens.
Maria Edna de Melo ressalta a percepção inicial em torno do medicamento: “Veio como uma revolução, porque era aquela pílula da churrascaria, que você podia comer o que quisesse e iria eliminar.” Contudo, a experiência prática revelou um lado menos conveniente dessa liberdade aparente. A endocrinologista conclui sobre o desconforto que acompanhava o tratamento: “Só que como isso saía é que as pessoas não imaginavam… E acabou levando a muitos efeitos colaterais de uma forma bem desagradável.” Essa realidade prática expôs os desafios de uma abordagem puramente periférica na gestão da obesidade.
Sibutramina: Uma Abordagem Central, mas Cautelosa
Já na primeira década dos anos 2000, a sibutramina ganhou destaque nos debates sobre tratamentos farmacológicos para obesidade. Embora seu mecanismo de ação fosse mais alinhado aos fármacos que atuavam no sistema nervoso central, de forma semelhante às anfetaminas, ela era percebida como uma opção com um perfil de segurança superior. A sibutramina funciona como um inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina, que são neurotransmissores cruciais envolvidos no controle da sensação de saciedade. “Exercer sua principal ação moduladora no centro da saciedade fez da sibutramina uma inovação, como confortar mais com menores ingestões calóricas”, explica Antonio Carlos do Nascimento, evidenciando seu papel na facilitação do consumo reduzido de calorias.
No entanto, a sibutramina não estava isenta de ressalvas. Estudos clínicos revelaram que, em populações idosas, a molécula estava associada a um aumento do risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Outra limitação identificada foi a incapacidade de manter a perda de peso alcançada a longo prazo para todos os usuários. Por essas razões, sua comercialização foi submetida a restrições rigorosas em vários países, refletindo a cautela dos órgãos reguladores. Maria Edna de Melo observa que, graças ao seu custo relativamente baixo, muitos pacientes no Brasil ainda se beneficiam da sibutramina. A médica, no entanto, destaca as limitações em sua prescrição, reforçando que “A gente não prescreve sibutramina para paciente que tem doença cardiovascular, problema psiquiátrico, ou altíssimo risco cardiovascular, ou que seja de mais idade.” Apesar dessas restrições, a sua disponibilidade continua sendo vista como um benefício para uma parcela da população brasileira. “Mas ainda é muito usada aqui no Brasil. Graças a Deus que tem, porque é uma medicação que é de baixo custo e que sim, tem benefícios para o paciente,” pondera Melo.

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A Era Contemporânea: Análogos de GLP-1 e GIP — Precisão Hormonal
O início da era contemporânea dos medicamentos para emagrecer pode ser datado de 2005, com a introdução da exenatida, que foi a primeira representante dos análogos do hormônio GLP-1 (peptídeo-1 semelhante ao glucagon). Essas medicações operam mimetizando a ação desse hormônio intestinal, o GLP-1, que é naturalmente liberado pelo corpo em resposta à ingestão de alimentos. O GLP-1 exerce sua influência em múltiplas frentes biológicas: estimula a secreção de insulina pelo pâncreas, o que contribui para a redução dos níveis de açúcar no sangue; retarda o esvaziamento gástrico, prolongando a sensação de plenitude; e atua diretamente no sistema nervoso central, reduzindo o apetite e intensificando a sensação de saciedade.
Antonio Carlos do Nascimento relembra os desafios iniciais com a exenatida: “A exenatida oferecia competência inédita para o controle do diabetes tipo 2 e o benefício adicional do emagrecimento.” Contudo, a significativa frequência de efeitos colaterais gastrointestinais, tais como náuseas, vômitos e diarreias, constituiu um fator limitante para seu uso mais difundido. A consolidação dessa nova classe terapêutica ocorreu em 2010 com a chegada da liraglutida, disponível comercialmente como Victoza e, posteriormente, Saxenda. Este medicamento provou ser eficaz tanto no manejo do diabetes tipo 2 quanto na promoção da perda de peso, um benefício observado até mesmo em indivíduos sem o diagnóstico de diabetes.
No panorama atual, dois protagonistas se destacam neste segmento: a semaglutida, encontrada sob os nomes comerciais Ozempic e Wegovy, e a tirzepatida, conhecida como Mounjaro. A semaglutida é classificada como outro agonista do receptor de GLP-1 e demonstra uma capacidade média de redução do peso corporal em torno de 15%. Já a tirzepatida, que representa uma evolução ainda maior, combina a ação no receptor de GLP-1 com a ativação do receptor do GIP (polipeptídeo inibitório gástrico). Essa dupla atuação confere a ela uma potência superior, resultando em uma média de aproximadamente 20% de perda de peso, sendo caracterizada por Nascimento como uma “capacidade emagrecedora incrível”.
O sucesso e a aceitação dos agonistas de GLP-1 advêm de sua capacidade de alavancar mecanismos fisiológicos que naturalmente regulam a fome e o metabolismo. Ao agirem de forma direcionada nos circuitos da saciedade, essas drogas permitem um controle mais consistente e eficaz da ingestão calórica, diminuindo a dependência exclusiva da força de vontade do paciente para o sucesso do tratamento. Maria Edna de Melo aponta que “O diferencial desses medicamentos mais novos está na tolerabilidade, porque são medicamentos de um potencial mais amplo. Então a gente pode receitar para paciente que teve cardiopatia, doença psiquiátrica,” sublinhando a amplitude do público que pode se beneficiar.
É importante salientar que, embora mais bem tolerados, os análogos de GLP-1 não são isentos de efeitos colaterais. Os mais frequentemente reportados são de natureza gastrointestinal, como náuseas e vômitos, que costumam manifestar-se principalmente no início do tratamento e tendem a diminuir com o tempo. Efeitos mais raros, mas potencialmente graves, incluem a pancreatite aguda e a formação de cálculos biliares, frequentemente associados a processos de perda rápida de peso. Contudo, o consenso predominante na comunidade médica é que o balanço entre os riscos e os benefícios é amplamente favorável ao uso dessas modernas terapias no combate à obesidade.
Acesso e Economia: O Desafio da Disponibilidade
Diante dos avanços farmacológicos, surge a questão se a sociedade estaria vivenciando um período de abundância farmacológica para o tratamento da obesidade. A resposta, contudo, é complexa e matizada pelo elevado custo das novas drogas. O preço das canetas aplicadoras dos medicamentos mais modernos, que pode ultrapassar mil reais, representa uma barreira significativa para o acesso. A situação é ainda mais crítica no Brasil, onde essas opções terapêuticas permanecem indisponíveis na rede pública de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS).
“A gente ainda tem um acesso muito difícil para a população, ou seja, quem mais precisa é quem menos tem acesso,” afirma a Dra. Maria Edna de Melo, ressaltando uma inequidade no acesso a tratamentos de ponta. Essa dificuldade levanta discussões importantes sobre a sustentabilidade e a equidade no acesso à saúde.
Apesar do alto custo inicial, projeções e cálculos econômicos indicam que, a médio e longo prazo, o investimento nesses medicamentos pode, paradoxalmente, gerar economia substancial. A redução de hospitalizações, a prevenção de complicações cardiovasculares e a diminuição dos custos associados ao tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2 representam um potencial benefício financeiro e de saúde pública. Pacientes que respondem de forma positiva ao tratamento e alcançam um controle efetivo do peso e das comorbidades tendem a desfrutar de mais anos livres de doenças graves. Essa perspectiva fortalece o argumento de que alocar recursos financeiros para esses fármacos pode ser, em última análise, uma alternativa mais custo-efetiva do que arcar com as onerosas consequências da obesidade não tratada e suas múltiplas complicações.
Com informações de Folha de S.Paulo
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