Gabinetes parlamentares de deputados estaduais que compõem a base aliada do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) ofereceram postos de trabalho a familiares e indivíduos próximos a Marcelo Lima (Podemos), o atual prefeito de São Bernardo do Campo. O político, líder do executivo municipal de uma das maiores cidades do Grande ABC Paulista, encontra-se temporariamente afastado de suas funções em decorrência de uma recente operação da Polícia Federal (PF), que o aponta como suspeito de participação em um complexo esquema envolvendo práticas de corrupção e lavagem de dinheiro dentro da administração municipal.
De acordo com informações reveladas pelas investigações conduzidas pela Polícia Federal, o próprio prefeito Marcelo Lima teria atuado de maneira direta nas tratativas para a contratação de duas dessas pessoas. Essas negociações se deram em contextos específicos que vêm sendo escrutinados pelas autoridades como parte da operação deflagrada para desvendar as irregularidades supostamente ocorridas em São Bernardo do Campo.
O Vínculo Familiar Direto e os Cargos na Alesp
A intrincada teia de ligações familiares e políticas se tornou mais evidente em 14 de agosto, no mesmo dia em que a Polícia Federal deflagrou a operação que tinha o prefeito Lima como um dos seus principais alvos. Naquela ocasião, Larissa Souza, a filha mais velha de Marcelo Lima, foi nomeada para uma posição de assessoria no gabinete da deputada estadual Carla Morando (PSDB), na sede da Alesp. Este acontecimento levanta questionamentos sobre a cratidão e o tempo dessas nomeações no cenário político estadual e as implicações que elas podem carregar em meio a um processo de investigação de tamanha relevância.
A filha do prefeito, Larissa Souza, não é uma novata nos quadros da Assembleia Legislativa de São Paulo. Ela ocupava uma posição funcional na Casa desde abril de 2019, atuando anteriormente na liderança do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) na instituição. Informações apuradas indicam que, diante do desdobramento da operação da PF envolvendo seu pai, houve um debate interno entre deputados e assessores do PSDB sobre a possível exoneração de Larissa. A discussão visava evitar qualquer potencial envolvimento da legenda com as apurações em curso. Contudo, a decisão final resultou em seu redirecionamento para o gabinete da deputada Carla Morando. A remuneração bruta mensal de Larissa Souza, exercendo sua função, atinge o valor de R$ 10,2 mil.
Além da filha, a esposa do prefeito, Rosângela Lima, também esteve presente nos registros de funcionários da Assembleia. O cenário de envolvimento familiar no poder legislativo estadual se aprofunda com a menção a outros dois nomes sob o radar da Polícia Federal: Paulo Iran, apontado pela investigação como o articulador principal do suposto esquema, e Roque Araújo Neto, indivíduo que é investigado por suspeita de ter recebido uma quantia de R$ 390 mil a título de propina, conforme os autos da investigação.
Mulher de Investigado Atuava em Prefeitura
As investigações não se limitam apenas ao Legislativo estadual. Karina Luz de Queiroz, que é esposa de Paulo Iran, exerceu a função de assessora na Prefeitura de São Bernardo do Campo até o final do ano anterior, 2024. Informações colhidas pela Folha detalham que a Polícia Federal apurou o uso da conta bancária de Karina por Iran para a realização de diversos pagamentos que, conforme o que está sendo investigado, estariam ligados ao esquema criminoso. Esse método operacional implicaria que servidores públicos estariam envolvidos na cobrança de propinas e nos repasses de valores em dinheiro vivo a empresas contratadas pela prefeitura. Tal prática aponta para uma sistemática que envolvia movimentações financeiras ilícitas no contexto das contratações municipais.
Tanto Larissa Souza, Rosângela Lima, quanto Paulo Iran e Roque Araújo Neto foram alocados em dois gabinetes distintos da Assembleia Legislativa de São Paulo: o da deputada Carla Morando (PSDB) e o do deputado Rodrigo Moraes (PL). Ambos os parlamentares são reconhecidos como integrantes ativos da base de apoio ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Alesp, e a frequência de suas participações em agendas do governador é assinalada pela presença de diversas fotos e vídeos compartilhados em suas respectivas plataformas de redes sociais. A proximidade política desses deputados com o chefe do executivo estadual adquire uma nova camada de escrutínio à luz das recentes revelações sobre as contratações em seus gabinetes.
O Posicionamento Oficial do Governo Estadual
Diante das questões levantadas pelas revelações, a assessoria de comunicação do governo Tarcísio de Freitas foi acionada para prestar esclarecimentos. Em resposta, a representação oficial do governo reiterou que, sob sua perspectiva, “não cabe ao Poder Executivo interferência na nomeação de servidores escolhidos para gabinetes de deputados eleitos pela população”. Essa declaração visa demarcar a independência entre os poderes e delegar a responsabilidade pelas contratações parlamentares aos próprios membros do legislativo e seus respectivos gabinetes, sublinhando que as decisões de recursos humanos nos gabinetes são prerrogativas inerentes aos cargos dos parlamentares, eleitos pelo voto popular.
Ligações Políticas e Eleitorais na Região
A deputada estadual Carla Morando (PSDB) é casada com Orlando Morando, figura política que já ocupou a cadeira de prefeito de São Bernardo do Campo e que, no presente, exerce a função de secretário municipal de Segurança Urbana na administração do prefeito Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo. Marcelo Lima, que agora enfrenta investigações, foi o vice-prefeito na gestão de Orlando Morando em São Bernardo do Campo, atuando ao seu lado no período de 2017 a 2022. No ciclo eleitoral de 2022, Marcelo Lima, em uma campanha articulada conjuntamente com Carla Morando, foi eleito deputado federal, enquanto ela garantiu uma vaga na Alesp como deputada estadual. Ademais, o casal Morando explicitou seu apoio a Lima durante o segundo turno das eleições municipais de 2024, reforçando a profundidade de suas conexões políticas.
A família Morando é conhecida por sua notável influência nas deliberações e rumos do PSDB no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Tal ascendência deve-se, em parte, à longa trajetória política de Orlando Morando, que foi filiado à sigla tucana por quase duas décadas, conferindo-lhe uma posição de relevo e um legado de atuação partidária que se reflete até hoje nas decisões do partido no contexto parlamentar paulista. A vasta experiência e o tempo de dedicação à legenda solidificaram o papel da família como um pilar influente nas políticas e articulações internas do partido na Casa legislativa.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a deputada Carla Morando manifestou-se, afirmando que a contratação de sua funcionária foi realizada dentro dos preceitos legais e regulamentares estabelecidos. Adicionalmente, foi enfatizado que a colaboradora cumpre sua jornada de trabalho regularmente, e que, até o presente momento, nenhuma conduta sua foi questionada ou ligada às investigações. “Além disso, até o momento, não existe nenhuma relação entre a funcionária e a investigação do esquema de corrupção, em São Bernardo”, conforme consta na nota oficial da assessoria. Essa declaração busca dissipar qualquer dúvida sobre a idoneidade da funcionária e a legalidade do processo de sua admissão no quadro de pessoal do gabinete parlamentar.
A deputada Carla Morando também tinha em seu corpo de colaboradores o nome de Roque Araújo Neto, o qual é apontado nas investigações como o suspeito de receber propina de Paulo Iran no âmbito do suposto esquema de corrupção. A exoneração de Roque Araújo Neto ocorreu em 15 de agosto, apenas um dia após a Polícia Federal ter desencadeado a operação em São Bernardo do Campo. Em sua defesa, a deputada alega que o desligamento do servidor se deu tão logo ela teve ciência da investigação. Contudo, a defesa de Roque, por sua vez, refuta as acusações, alegando erro na identificação do indivíduo e sustentando que o servidor exonerado da Alesp não corresponde à pessoa envolvida nos supostos ilícitos. Além disso, afirmam que o aparelho celular que consta no inquérito não é de sua propriedade.
Mensagens da PF Detalham Negociações por Cargos
A Polícia Federal, ao avançar nas apurações sobre o suposto esquema, teve acesso a um conjunto de mensagens que, conforme a investigação, mostram Marcelo Lima engajado diretamente na negociação de cargos no legislativo estadual para sua esposa, Rosângela Lima, e para Paulo Iran no ano de 2022. Os registros indicam que o então vice-prefeito e posteriormente deputado federal teria compartilhado com Paulo Iran uma conversa com uma pessoa que se identificava apenas pelo apelido de “Frajola”. Neste diálogo, “Frajola” instruía Iran a se dirigir a uma sala específica na Alesp, onde se localizava o gabinete parlamentar. Essa comunicação sugere um arranjo direto e coordenado para a efetivação das nomeações no quadro de funcionários da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Aprofundando a investigação, a reportagem identificou “Frajola” como José Roberto Venancio de Souza, uma figura que, à época da referida comunicação, atuava como assessor no gabinete do deputado Rodrigo Moraes na Alesp. Atualmente, José Roberto Venancio de Souza exerce o mandato de vereador na cidade de Ilha Comprida, no litoral sul paulista, filiado ao Progressistas (PP). Conforme revelado por auxiliares próximos a Marcelo Lima, “Frajola” desempenhou um papel bastante ativo nos bastidores da campanha do prefeito no ano anterior, 2024. Essa proximidade sugere um elo político e pessoal que teria facilitado as negociações por cargos na Assembleia Legislativa.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Em um intercâmbio de mensagens registrado na manhã de 2 de setembro de 2022, logo após ter recebido a comunicação de Marcelo Lima, Paulo Iran respondeu: “Ok. Já vou combinar com a Zana”, fazendo referência a Rosângela, nome pelo qual a esposa do prefeito é popularmente conhecida. De maneira sequencial e no mesmo dia, tanto Paulo Iran quanto Rosângela Lima foram formalmente nomeados para compor o quadro de funcionários do gabinete do deputado Rodrigo Moraes. A rapidez com que as nomeações ocorreram após a troca de mensagens aponta para uma articulação efetiva e ágil entre os envolvidos para garantir a alocação dos indivíduos nos cargos almejados na Alesp.
Rosângela Lima atuou como assistente parlamentar no gabinete do deputado Rodrigo Moraes até novembro de 2024. Ao longo de sua passagem pela Alesp, sua remuneração mensal bruta correspondia a R$ 10,2 mil. Curiosamente, a ex-servidora nunca fez qualquer menção pública a sua ocupação ou divulgou registros que pudessem ilustrar sua rotina de trabalho na Assembleia Legislativa, especialmente nas redes sociais. Contudo, durante a campanha eleitoral de seu marido para a prefeitura no ano anterior, 2024, Rosângela Lima esteve presente em quase todas as agendas públicas do então candidato, em diversos momentos, inclusive em horários que, em tese, coincidiriam com seu expediente de trabalho no legislativo estadual.
No que tange a Paulo Iran, que até o mês de junho do corrente ano de 2025 recebia um salário bruto mensal de R$ 8,4 mil, seu vínculo com a Assembleia foi desfeito em 15 de agosto. Esta exoneração ocorreu um dia após a deflagração da operação da Polícia Federal que o colocou sob investigação. Em resposta às indagações, o deputado Rodrigo Moraes, por intermédio de sua assessoria, informou que procedeu ao desligamento de Iran tão logo tomou conhecimento das investigações que o envolviam, reforçando o posicionamento de seu gabinete diante da gravidade das denúncias.
Através de uma nota oficial, o deputado Rodrigo Moraes esclareceu que as nomeações de Rosângela Lima e de Paulo Iran foram efetivadas “dentro dos trâmites legais e administrativos” e que ambos os contratados exerciam suas atividades em funções externas, com atuação concentrada na região do ABC Paulista. A nota detalha que “a sra. Rosângela Lima teve seu vínculo encerrado antes do início das investigações que vieram a público. No caso do sr. Paulo Iran, o deputado determinou sua exoneração imediata assim que tomou conhecimento das suspeitas, por meio da imprensa”. As assessorias de Marcelo Lima e Rosângela Lima, bem como a defesa de Paulo Iran, foram procuradas para manifestação, mas até o fechamento desta reportagem não apresentaram resposta aos questionamentos.
Descoberta dos Valores e Início da Investigação
As investigações que culminaram na operação da Polícia Federal tiveram seu pontapé inicial em julho de 2025. Foi nessa ocasião que, de maneira que os agentes descreveram no inquérito como acidental, uma vultosa quantia de R$ 14 milhões em espécie, composta por reais e dólares, foi localizada na residência de Paulo Iran. Essa descoberta fortuita deflagrou a aprofundamento das apurações, levando à suspeita de um sofisticado esquema que se estenderia por diversas frentes dentro da administração municipal.
Ainda de acordo com os detalhes apresentados na denúncia, o esquema fraudulento, além de sua natureza primária, teria como um de seus múltiplos braços o pagamento de uma série de despesas de cunho pessoal que beneficiariam o prefeito e seus familiares mais próximos. Entre esses pagamentos suspeitos, a investigação destaca as mensalidades do curso de medicina de Gabriele Fernandes, que é filha caçula de Marcelo Lima e irmã de Larissa Souza. Essa evidência aponta para a possível utilização de recursos provenientes de práticas ilícitas para cobrir custos de vida e educação, sugerindo uma extensão pessoal no esquema de desvios.
Paulo Iran, figura central e apontada como o principal articulador das irregularidades financeiras, teria um papel ativo na documentação e no envio de registros de pagamentos para Marcelo Lima. Um exemplo dessa prática é evidenciado por uma planilha datada de 17 de novembro de 2022. Neste documento, constavam anotações de transferências destinadas às siglas “OM” e “ML”. Os investigadores conseguiram identificar a sigla “ML” como correspondente a Marcelo Lima, ao passo que a outra sigla, “OM”, não foi explicitamente decifrada na etapa de apuração inicial da Polícia Federal. Essa documentação sugere um controle detalhado das movimentações financeiras no âmbito do suposto esquema.
Conforme apurado pela Polícia Federal, as operações de pagamento realizadas por Paulo Iran não se limitavam apenas à utilização de suas próprias contas bancárias. Os comprovantes resgatados pelas autoridades indicam que ele também efetuava pagamentos por meio da conta bancária de sua esposa, Karina Luz de Queiroz. Tal prática de recorrer a uma terceira conta para realizar transações levanta questões sobre a intenção de ocultar a origem ou o destino dos fundos envolvidos no esquema, contribuindo para a complexidade da rede de lavagem de dinheiro que a PF busca desmantelar em sua investigação aprofundada.
Karina Luz de Queiroz ocupou o cargo de assessora de governo na Secretaria de Serviços Urbanos de São Bernardo do Campo, atuando no período de julho de 2021 a dezembro de 2024. Essa passagem pela administração pública municipal ocorreu durante a segunda gestão de Orlando Morando na prefeitura da cidade. A remuneração bruta mensal de Karina correspondia a R$ 8,4 mil. A reportagem tentou contato com Karina para obter sua versão dos fatos e esclarecimentos sobre o caso, porém, ela não foi localizada até o encerramento da apuração. Em nota, a assessoria de Orlando Morando especificou que a contratação de Karina foi iniciativa de Marcelo Lima. É importante frisar que, em 2021, Marcelo Lima não apenas exercia o cargo de vice-prefeito, mas também acumulou a função de secretário municipal de Serviços Urbanos, da qual foi afastado em outubro daquele mesmo ano. Na ocasião, o afastamento se deu sob a alegação de suspeitas de favorecimento em processos de contratação que teriam sido realizados sem a devida licitação, episódio que precedeu as atuais investigações da PF.
A equipe do ex-prefeito Orlando Morando ainda complementa sua nota, ressaltando que “a servidora mencionada exerceu apenas funções técnicas, sem ocupar cargo de direção”. Esta declaração busca delimitar a responsabilidade e o nível de influência de Karina Queiroz na estrutura administrativa municipal, afastando a possibilidade de seu envolvimento em decisões estratégicas ou diretivas, e reforçando que sua atuação estava restrita a aspectos operacionais e de execução. As apurações seguem, buscando esclarecer todas as ramificações e as responsabilidades dos envolvidos no suposto esquema.
Com informações de Folha de S.Paulo
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